quinta-feira, 31 de março de 2022

Se os meus olhos falassem - VÍTOR PAIVA DUARTE

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Olho intensamente no fundo do teu olhar e vejo poesia, vejo a tua alma fria, uma vida de maré vazia, vejo teus olhos profundos, com fome de novos mundos, já sem vida fervente ou paixão emergente. Sinto em ti a fraca corrente e tua existência pendente!
Se os teus olhos falassem, diriam ao meu olhar que a tua cegueira não é nos olhos vivos e quentes, com sorrisos reluzentes, nem vem do coração que morre negro de escuridão, nem é o teu corpo, branca seara de delícias, onde eu ceifava caricias, que te faz perder no caminho da noite escura!
Se os meus olhos te vissem, diziam-te um dia cheio de sol numa manhã que reluz dorida da fria cruz, contavam-te do verde do mar que é imenso, suave e intenso, e tem a mágica beleza ilíquida feita de lágrimas de quem amou, lágrimas que o amor derramou e no orgulho se cegou!
Sempre o mar e sempre a luz na vida que te seduz, e tu tão cega. Maldita cruz!

EM - POETIZAÇÔES EM PROSA - VÍTOR PAIVA DUARTE - IN-FINITA

terça-feira, 29 de março de 2022

O olho vermelho do gato Bernardo (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Como vendedores de peixe que eram, os donos da casa faziam as suas refeições à base de peixe e, recordo-me muito bem, eu fazia parte da sua família, que nunca por lá me lembro de ter visto alguma outra. Como elemento querido e por eles inúmeras vezes defendido, tinha acesso à sua mesa e ficou-me presente na memória, para sempre, as deliciosas sopas de peixe que tão bem sabiam cozinhar! Por vezes, porque não tinha grande coisa para fazer e quando não me ausentava para casa dos meus avós, ali mesmo na rua ao lado (quase…), eu ajudava a Dona Gracinda e o Ti Chico naquilo que podia (ou, se calhar, não os ajudava assim tanto) e estes foram momentos gratificantes de tal forma que estou agora a fazer-lhes justiça e gostaria que eles tivessem podido saber desta minha gratidão. Nunca o souberam, porque quando os voltei a ver, depois de sair da casa deles para ir morar para o Seixal, aos sete anos, só lá voltei perto dos dezassete e era um rapaz amargurado, ferido, tímido e sem grandes palavras para ninguém… e, pouco tempo depois, um seguiu o outro para a Terra do Nunca.
Ter morado aqui, com estas pessoas tão amigas, sempre prontas a apoiar-me e defender-me, perante a insensibilidade e rudeza (palavras suaves…) dos familiares mais próximos, foi um bálsamo temporário que me permitiu a espaços breves sentir-me criança. …então, sempre que a noite chegava, eu alimentava a minha imaginação infantil e ingénua, tremendamente ingénua (perto do aparvalhada!).

EM - CONTOS E CRÓNICAS (IN)TEMPORAIS - VÍTOR COSTEIRA - IN-FINITA

segunda-feira, 28 de março de 2022

Casamento arranjado (excerto) TEREZINHA PEREIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O homem rezava a missa de sétimo dia da falecida esposa. Ruminava. O que faria com cinco filhos a criar? A mulher se vai, sem mais nem menos. Da noite para o dia. E agora? Os cinco pequeninos e ele, as terras para cuidar...
Acabada a missa, o homem procura o vigário. Quanta desolação. Como fazer, indaga-lhe. O padre remói, cisma, presume... Em seguida, confessa algo ao homem aflito. Porventura. Quiçá. Acaso. Talvez. Uma ideia. Uma coisa, podia ser, que lhe mitigasse as carências. Ou dos órfãos, pelo menos. Arre! Acalmado, homem traça um sinal da cruz, beija a mão do padre e sai como se estivesse a perder o último trem da noite.
A mulher tinha dois filhos. Tivera três. O do meio se fora dois dias antes do amado, idolatrado marido. Gripe espanhola. Pandemia que abalou o mundo no final da segunda década do século XX. (No país, havia levado até o recém-eleito presidente da república.) Há seis meses estava ela viúva, pobre, casa alugada, duas crianças para criar.
Ela ouve um batido à porta. Já era noite. Desconfiada, atende. Era um conhecido a fazer-lhe uma proposta. Dito o que queria dizer, o homem despede-se e sai sem esperar resposta. Viria outro dia. Ela fecha a porta. Meio desnorteada, entra no único quarto da casa. Os filhos dormem enroscados na sua estreita cama de casal. Senta-se com cuidado para não fazer muito barulho com as palhas do colchão. Que dó. Tão magrinhos. Vara a noite a chorar.

EM - ECOS BRASIL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

Meninos do bairro (excerto 2) - LUÍS VASCONCELOS

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No nosso bairro havia moradores que tinham fogões a lenha. Quando vinham as carradas lá estávamos nós prontinhos para ajudar “desinteressadamente”, claro, a arrumar as cavacas nas lojas que ficavam por baixo das casas. Quando era a vez da minha mãe, a motivação era redobrada, não só pelo enorme carinho e respeito que todos tinham por ela, mas também porque era a pessoa que mais generosamente nos recompensava! Aliás a minha mãe, afirmo-o orgulhosamente, era a moradora que, quando um pontapé na bola mal direcionado embatia com alguma violência na porta, ou então estilhaçava um vidro da janela, de uma casa qualquer, reagia com mais calma e paciência. Lá ia o Miga: “Dona Netinha, peço imensa desculpa. Não se preocupe nós temos uns trocos, vamos comprar-lhe o vidro, à “Vidreira”, e colocamos, está bem?”. A minha mãe, bondosamente sorria, afagava o cabelo dele e dizia; “Essas coisas acontecem. Eu sei que não o fizeram por mal. Eu dou-vos o dinheiro. Só agradecia que mo pusessem, está bem Miguel?”. Ela bem sabia que ser puto e brincar muito é a melhor coisa que levamos desta vida!

EM - NINHO DE CUCOS - LUÍS VASCONCELOS - IN-FINITA

Vai rolar um tête-a-tête (excerto) - ROSALINA VAQUEIRO

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Todos os anos a Sociedade Musical realiza uma soirée dançante para comemorar o seu aniversário. Como mandam as boas normas, para comemorar o cinquentenário, as festividades precisam de estar á altura da data que se assinala. Assim, a Sociedade Musical toda se aprimorou para o jantar dançante em traje de gala, esperando ver desfilar as beldades bronzeadas desse Verão magnífico.
Jaime, estudante de engenharia em férias, o rei da praia, escultural, bronzeado, parte corações com o seu olhar profundo à galã da tela. Alfredo, seu companheiro de noitadas e aventuras, agora um pouco mais discreto, desde que começou a namorar uma “deusa” que conheceu na praia.
– Bom, vamos lá ver se é hoje que ficas finalmente a conhecer a Ana.
– Espero bem que sim. Andas pr’aí com deusas escondidas! Isso não se faz a um amigo do peito! Não tá certo D. Juan!
– Olha quem fala! O D. Juan aqui és tu, que arrasas tudo o que é beldade com esse olhar á 007!
– OK, oK, touché. Ó pá, Alfredo, tu não calculas a Pokahontas que eu encontrei hoje! Xi… pá …aquilo é que é coisa de virar a cabeça a um gajo! Um homem está na sua, ‘tas me ver? Tranquilamente, a adorar o deus Rá e a deliciar-se com o desfile de Cleopatras a testar a temperatura da água com os pezinhos delicados e de repente, zás! Saí-te das excelsas ondas uma Nefreteti escultural, cor de chocolate, que dá um apagão nas outras e um gajo pá, fica preso na Pokahontas e já não enxerga mai’ nada! Qual barbies qual quê. Ela foca-me com uns olhos grandes e profundos, despe-me até á alma e depois some-se! some-se mano! E eu fico a mendigar até agora… – Caramba menino! É de loucos!

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

domingo, 27 de março de 2022

Lamu - o povo suaíli (excerto) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD

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Se transpuséssemos as suas casas e ruas para o mundo afluente que conhecemos, diríamos que nos deparávamos com um ambiente degradado, demasiado pobre. Assim , por todo o lado há esgotos a céu aberto correndo em riachos pelas ruelas estreitas que formam uma espécie de labirinto de habitações brancas caiadas de barro caído dos céus, quando a chuva limpa o ar da poeira e a deposita em camadas dando tons de amarelo à paisagem, ao caminhos de terra batida bordados de buracos e ladeados de entulho que as chuvas transformam em lama, fazendo-nos inalar um cheiro nauseabundo que atrai os insetos e as crianças descalças, cuja sujidade lhes aviva ainda mais o tom de pele.
Contudo aqui nestas ilhas, há o verde dos coqueiros, palmeiras, …árvores de todas as cores, lilás, brancas, rosa, laranja, amarelas e areia branca, debruando os contornos da terra que toca as águas calmas, navegadas por barcos de madeira, alguns de mastros altos e vela de triângulo, tão antigos como o tempo em que elas foram habitadas pelo homem pela primeira vez. Na ilha encontram-se imensos burros, de tamanho médio, que são o meio de transporte dos ilhéus, e que se cruzam connosco na rua, umas vezes sozinhos outras em grupo, sempre com aquele ar decidido de quem sabe para onde vai, outras vezes levam no dorso alguém, galopando ao ritmo das chicotadas que recebe.

EM - KIPEPEO SAFARI (A VIAGEM DA BORBOLETA) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD - IN-FINITA

O pensamento ecologizado (excerto) - JOAQUIM SILVA

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Um pensamento ecologizado primeiro visa limpar exatamente esta nebulosa que confunde, manipulação económica, como se a globalização apenas tivesse um rosto, de expansão do consumo em paralelo com um rasto de destruição humana, social e eco-bio-espiritual.
Este pensamento parte primeiro da consciência da destruição do ecossistema efetuado pelo progresso tecnológico, consequência do progresso continuo da ciência. É dentro do pensamento científico que se afirma um contraponto à desregulação da experiência e do método positivo, que conduziram à produção de tecnologias nocivas aos ecossistemas e em consequência da degradação do meio ambiente natural, que afetam o ser humano, a sua rede alimentar, a saúde e a própria forma de ser, socialmente, e portanto ecologicamente. Uma consciência que se transforma também em ciência, que no cerne, foi inicialmente uma contra ciência positiva, e uma ética em simultâneo, a Ecologia.

EM - A VIA DA SÍNTESE III - JOAQUIM SILVA - IN-FINITA

Sonhar é desejar - ROSA FLOR

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Um dia, renascerei qual Phoenix das cinzas, de um amor dorido, de um coração dilacerado, e voltarei a sorrir como por magia!

Desafiarei a vida que te afastou de mim, buscarei no mar segredos teus, que os búzios teimam em esconder, revolverei o céu à procura da estrela, que me levará a ti.

E de manhã, ah! como será bom, ir embalada pelo vento Suão, que prometerá levar-me à terra dos sonhos, onde a fantasia me tornará ousada, e me incentivará à loucura dos beijos ardentes, à euforia dos anseios, a rasgar vontades, e satisfazer desejos.

Vou encontrar-te! SONHAR é DESEJAR!

E então beijar-te-ei sofregamente a boca, afagarei com loucura o teu pescoço, repousarei no teu colo a minha face, e deixarás de estar ausente.

Depois:

Terei o amor que outrora prometeste dar-me.

E porque amar não é pecado, o vento de mansinho tocará nossos corpos que, ardendo de volúpia, farão amor, até o cansaço se diluir na felicidade do nosso encontro.

Sem darmos por isso, voltaremos ao passado, esqueceremos o que nos atormentou a alma e nos afastou.

E então, tenho a certeza, que uma lágrima me cairá no rosto mostrando o quanto estarei feliz, e num abraço sôfrego, jurarei olhando-te nos olhos, que jamais te direi adeus.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

sábado, 26 de março de 2022

27 Setembro 1995 (excerto) - FRANCIS RAPOSO FERREIRA

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Foi um ano esquisito, talvez até o mais esquisito de todos quantos já vivera. Se soubesses as vezes que me arrependi da promessa de me manter virgem até esse dia. Não porque o desejo me andasse a consumir, até porque sempre ouvi dizer que enquanto não provamos o fruto, não sentimos a sua falta, mas sim porque acredito que quanto mais cedo me tivesse entregado aos desejos do Diamantino, mais cedo teria descoberto o ser desumano que ele realmente era, pois não acredito que assim que me fizesse sua, portanto me sentisse segura, quem sabe até grávida, ele continuasse a fingir como fingiria até ao dia do nosso casamento.
É verdade, meu bom amigo, ele foi tão hipócrita e fino no seu disfarce, que nunca me passaria pela cabeça o monstro que viria a descobrir nele. O Diamantino, não só fazia questão de cumprir a jura que me fizera, como até ia mais longe, quase que me agradecendo por lhe dar toda a liberdade para poder continuar a fazer a vida dupla que só vim a descobrir já depois de casada. Confesso-te, ainda cheguei a pensar que algo se passava com ele, o que associado à insistência dele em nos casarmos quanto antes, me levou ao erro de pensar que ele poderia ser maricas, ou pelo menos pouco interessado nos assuntos do sexo. Puro engano.
Certo dia, imbuída de toda esta minha desconfiança e aproveitando a ausência de minha avó e meu pai, atraí-o até casa e quase o obriguei a quebrar aquilo que para mim era uma jura, mas para ele não passava do alibi perfeito para poder estar dois ou três dias sem aparecer. Estava quase a atingir os meus intentos, ou a descobrir a verdade, quando a chegada, inoportuna de minha avó o salvou, ou me salvou a mim, já nem sei. O que sei é que me enchi de coragem e falei de tudo quanto me andava a preocupar, a meu pai. Desculpou-o, dizendo que talvez fosse por ser um rapaz muito dado às ideias da igreja.

EM - DIÁRIO DE MEL - FRANCIS RAPOSO FERREIRA - IN-FINITA

Água - VÍTOR PAIVA DUARTE

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Água. Tanta água, e tu submersa no meu pensamento que te envolve e não te larga de nenhuma forma, porque o teu amor ao meu coração sempre retorna!
Água. É tudo água e os meus olhos pousados nas tuas costas molhadas e nuas sonham com noites de amor até ao limite dos sentidos, que pedem demoradas carícias e oferecem beijos e abraços, entre outras
sevícias!
Água. A tua pele molhada e mergulhada na imensa ilusão de vontades que se acomodam nas minhas mãos nuas, e as levam a alcançar estrelas e luas, que se irão colar nos teus lábios também eles molhados e belos como se fossem beijos de frutos doces vermelhos e amarelos!
Água. Água fresca que se derrama leve nos teus seios atrevidos e tão tentadores que deles não se podem desviar os olhos famintos dessa maciez redonda onde sonho desejos de esbanjar milhões de beijos!
Água. Tanta água que molha o teu corpo bonito de deusa dos oceanos e te inunda com as minhas tempestades, para despertar em ti todas as vontades, desde a ausência até às saudades!

EM - POETIZAÇÔES EM PROSA - VÍTOR PAIVA DUARTE - IN-FINITA

quinta-feira, 24 de março de 2022

O olho vermelho do gato Bernardo (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

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Todas as noites, quando me deitava, misturado com o escuro da casa, lá ficava eu, desperto e sem me mover, ansiosamente, quase hipnoticamente, com os olhos muito abertos direccionados para o mesmo sítio, à espera de ver chegar aquele misterioso ponto vermelho, em brasa, descrevendo trajectórias elípticas e sinusoidais, até se desvanecer totalmente. Só depois eu conseguia adormecer… embalado pelo estremecer contínuo do prédio, devido à passagem dos carros-eléctricos, e levado pelo torpor imaginário dos movimentos contorcionistas daquele olho vermelho que me hipnotizava.
Talvez eu tivesse, naquela época, entre não sei quantos e, no máximo, sete anos. Era, então, uma criança e, como tal, propenso aos grandes disparates e às enormes fantasias. Morávamos num quarto, com utilização da cozinha, que lhe ficava anexa e ligada através de um acesso sem porta. Ou seja, o quarto era como se fosse a despensa da casa.
A casa, situada no Largo do Terreirinho, pertencia à Dona Gracinda e ao Ti Chico, que eram vendedores de peixe, e o transportavam e expunham num triciclo, veículo constituído por uma mota e uma pequena plataforma de caixa aberta à sua frente. Umas vezes, eles vendiam ali mesmo no Largo e, outras vezes, iam para outros bairros. Num desses dias, recordo de passagem, foram vender peixe para o Bairro da Bica e levaram-me com eles. Dia azarado, para mim e, coitados, para eles que tiveram que ir comigo para o hospital, devido a um acidente: em brincadeira ou não (não me recordo) desatei a correr atrás de uma miúda que me fugia devido não sei a quê e ia de tal forma desejoso de não a deixar fugir que tropecei e caí com os queixos por terra! Conclusão: uns quantos pontos na carne e um dia de negócio estragado para eles…

EM - CONTOS E CRÓNICAS (IN)TEMPORAIS - VÍTOR COSTEIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 23 de março de 2022

Meninos do bairro (excerto 1) - LUÍS VASCONCELOS

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Sinto bastante nostalgia, mas também alguma amargura, para com a cidade onde nasci. O cantor Bruce Springsteen escreveu Uma música chamada “My Hometown” na qual nostalgicamente, percorre as ruas da sua cidade natal, New Jersey, com o filho no colo enquanto conduzia, para que o miúdo aprendesse também a gostar dela. Já o seu pai o fizera com ele. Seria quase uma tradição, um legado de família que se transmitia de geração em geração. Também eu um dia peguei no meu filho e levei-o a conhecer alguns sítios da cidade onde nasci. Uma visita guiada pelos sítios que me despertavam lembranças mais marcantes, como por exemplo o bairro que carimbou, assinalou de uma forma tão positiva e inesquecível a minha infância. Foi e será para todo o sempre a minha Terra do Nunca! Obrigado Peter Pan, foste muito generoso comigo. Cada brincadeira com os meus amigos, cada aventura e desventura, cada incidente, disparates, patifarias que hoje me provocam as gargalhadas mais rasgadas, sorrisos malandros, marotos acompanhados por alguma lágrima de melancolia que a saudade faz escorrer.

EM - NINHO DE CUCOS - LUÍS VASCONCELOS - IN-FINITA

terça-feira, 22 de março de 2022

Por uma vida altiva (excerto) - PIETRO COSTA

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A realidade imediata não supre os nossos anseios mais lídimos e profundos.

A rotina kafkiana casa-trabalho, trabalho casa; os programas de tv e as notícias de sempre - com um enganoso verniz de novidade; o comer pizza aos finais de semana; o ter uma casa na praia; a obsessão de acompanhar a vida alheia, seja de amigos, seja de celebridades, pelas redes sociais e reality shows; o estilhaçar da fragilidade na autoestima refém das diversas telas de cristal; a expectativa da nova temporada de uma série favorita; a neurose de esculpir um corpo perfeito; a ilusão das falsas riquezas; os anseios imediatistas de prosperidade e fama... Tudo isso é muito pouco.

Ser verdadeiramente humano é ser muito mais do que seguidor do “status” de normalidade tacanha a que o estilo de morte hodierno tenta nos reduzir.

A angústia perpassa a condição e a experiência humanas.

É humano o desejo de expressão e compreensão de si mesmo e do mundo, em sua multiplicidade de dramas tão... humanos.

É humano o desejo de expansão. De querer viajar por insólitos mundos, conhecer outros horizontes, e com isso ter acesso a novas perspectivas.

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Lamu - o povo suaíli (excerto) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD

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Fizemos uma visita guiada por Oslo. Das primeiras impressões ficaram-me retidas imagens de largos jardins onde centenas de pessoas de todas as idades se passeiam das mais variadas formas, umas fazendo jogging, outras patinagem, empurrando carrinhos de bebés, aproveitando o sol para se bronzearem ou uma sombra para repousarem ou mesmo namorar um pouco. O que te estou a relatar não parece ser nada de extraordinário, não é filho? Facilmente encontramos este mesmo tipo de cenário noutras paragens, mas não é de factos que eu procuro falar mas de atitudes. Os noruegueses têm uma maneira particular de estar, o que provavelmente reflete uma especial forma de ser.
Noutras cidades como Lisboa, as pessoas também procuram certas formas de lazer, em espaços abertos, mas os espaços para o fazerem são escassos, bem como o tempo que dispõem para o fazer. Assim, ao domingo, onde quer que se vá, há milhares de pessoas que quase se atropelam umas às outras para conquistarem um lugarzinho para se descontraírem, de tal modo que o tempo livre parece uma qualquer cena do dia a dia, passada em bichas para se chegar a qualquer ponto da cidade em autocarros apinhados de gente. Também há uma grande percentagem de pessoas que no meu país, tem a necessidade imperiosa mas não original, nem dignificante, de deixar por onde passam os restos de merenda, marca instintiva de território, herança remota dos primeiros homens que habitaram a terra.

EM - KIPEPEO SAFARI (A VIAGEM DA BORBOLETA) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD - IN-FINITA

Por um modelo eco-social (excerto) - JOAQUIM SILVA

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Mas, se o que nos resta é só isso, é porque perdemos a noção do bom, justo, correcto em proveito de um projecto neo liberal que iniciou a ascensão nos anos 70 do século passado, e hoje pagamos a longa factura. Ecologicamente, sociologicamente, politicamente, economicamente, imbricadas que estão as áreas, temos o dever de repensar que o que apresentávamos como objectivo, o progresso humano tem de ser redefinido, redimensionado, não meramente para uma concepção materialista, mas acima e sobretudo de realização global do ser humano, que no mínimo passará por um mercado suficiente, controlado por comunidades exigentes e solidárias e portanto, refundadas. Antes pois, de propormos, deveremos repensar a formulação do que significa progresso humano, hoje, á luz de uma narrativa liberal que oferecia felicidade = consumo, confundindo-se com progresso.

EM - A VIA DA SÍNTESE III - JOAQUIM SILVA - IN-FINITA

segunda-feira, 21 de março de 2022

27 Setembro 1995 (excerto) - FRANCIS RAPOSO FERREIRA

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Confesso-te que a resposta dele, imediata, me surpreendeu. Não só me disse aceitar a minha decisão, como me prometeu nada fazer para a contrariar. Hoje, confesso-te, acho que até me agradeceu.
Desde esse dia até ao pedido de casamento e à marcação do mesmo, nada mais de especial se passou. Quando acabei os estudos secundários e me inscrevi na faculdade de direito, ele ainda tentou convencer-me a não avançar, propondo mesmo que nos casássemos e me deixasse de estudos e mais estudos. Confesso-te que não estranhei tanta pressa, antes a entendendo como sendo o seu desejo de me tomar por sua mulher, a falar mais alto.
Meu pai é que me abriu os olhos e me fez ver que seria melhor conseguir um curso antes de me casar e, provavelmente, me encher de filhos, o que só viria complicar, para não dizer mesmo inviabilizar, a concretização desse meu sonho. Foi este alerta de meu pai, apesar de minha avó, uma vez mais, ter vindo, logo, em defesa da ideia do seu amigo Tininho, que me valeu e me fez adiar o sofrimento por mais alguns anos.
A verdade é que face às insistências dele para nos casarmos mesmo antes de terminar o curso, ainda me senti tentada a ceder às suas pretensões, mas o medo de que meu pai se pudesse sentir como que desiludido nos seus conselhos, fez-me manter-me firme e ir em frente com a ideia de só me casar depois de licenciada.
Confesso-te, também sentia medo que acontecesse alguma coisa a meu pai e ele morresse sem me ver casada, pelo que vivia numa angústia permanente. Mesmo após terminar o curso, não decidi nada sem falar com a única pessoa em quem confiava plenamente, meu pai.

EM - DIÁRIO DE MEL - FRANCIS RAPOSO FERREIRA - IN-FINITA

Gosto de te sentir em mim - VÍTOR PAIVA DUARTE

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Sabes, eu gosto de te sentir em mim e de te amar numa loucura sem fim. Gosto de te sentir cedo, sem pressa e sem medo, na lentidão do toque de cada dedo, sentindo a tua respiração no verbo de cada frase que te digo em segredo, assim como quem descasca uma romã, ou como quem te faz amor pela manhã!
Sabes, eu gosto de passear os dedos pelos teus cabelos e sentir o fogo vermelho que há neles ao percorrê-los, demorar-me em carícias e outros zelos e ter sensações de fazer corar, como quem faz amor só com o olhar e fica a imaginar orgasmos apenas pelo teu respirar!
Sabes, eu gosto de todos os beijos que dás e da luz calma que me trazes todas as manhãs. De olhar os teus olhos com doçura, segurar no teu rosto com brandura e devorar os teus lábios com candura, e depois, roubar da tua boca todos os beijos, até que me leves à loucura!
Sabes, eu gosto de me sentir preso nos teus braços e ficar aninhado na prisão dos teus abraços. Gosto de sentir o bater do teu coração na nudez do meu peito, afagar os teus seios e achar que o mundo é perfeito.
Gosto de sentir do teu corpo a tua pele nua e percorrê-lo com beijos como se passeasse na rua, até encontrar uma fonte no meio da praça, para beber de ti o amor, com graça, fazendo da tua flor, uma taça!

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domingo, 20 de março de 2022

Augusto (excerto) - MARIA FERNANDA MELGAÇO

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Era ela, ele soube! Era ela que mataria sua fome, que o esquentaria e que nunca mais o deixaria sozinho! Ele também: jamais a decepcionaria, pensou. Estaria sempre ao seu lado, sorriria com os olhos para ela e seria o gato mais fiel do mundo!
Aproveitou, naquele primeiro dia, todos os biscoitos e carinhos que ela lhe deu. Ele a acompanhou enquanto aguava as flores do jardim e se sentiu o gato mais feliz de sua espécie. À noite, porém, ela precisou sair. Como ele já estava morrendo de sono, deixou que ela fosse fazer… seja lá o que fizessem esses seres pela noite. No dia seguinte, ela estava de volta e, de novo, ele se sentiu o gato mais feliz de sua espécie. Comeu os biscoitos que ela lhe deu, assistiu à TV ao seu lado, deitou-se pela primeira vez em um sofá. Não haveria mais nada no mundo que ele pudesse pedir! Sentia-se completo em existência. Perguntou-se, inclusive, se haveria no universo um gato mais amado do que ele. Mas, de novo, ela se pôs a sair pela noite.
Diferente do dia anterior, ele não queria que ela se fosse. Lembrou-se do dia em que sua mãe partira e nunca mais voltara. Lembrou-se do quanto se sentira sozinho neste dia. Lembrou-se de como fora o gato mais triste do mundo. Pensou que ela poderia nunca mais voltar também. Não, isso não podia acontecer! Ele não deixaria acontecer! E, para isso, não importa para onde ela fosse e o quão cansado ele estivesse, iria junto!

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sábado, 19 de março de 2022

Livre, como só os pássaros livres são! (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

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Certamente, de forma não consciente, foste semeando um jardim de metáforas na entrada de uma casa a que chamavas vida e deliciavas os sedentos sentidos de significados e significantes com o odor que exalava dos exóticos recursos expressivos, que te coloria os passos e te fazia sorrir, ao entrar e ao sair dos dias que te convidavam a viver sem reservas e sem a noção de qualquer medo.
Sem infinito que a limitasse, erva verde e sadia crescia na inversa proporção da tristeza de outras eternidades que a memória sem fadiga te depositava no respirar dos tempos que não te deixaram saudade e tapava vitoriosa uma linha ferida de indignidade, já coberta e repintada em branca cal, que marcava o limite do teu sonhar, como se fosse uma fronteira hostil imposta entre dois mundos.
Era frágil e ténue a linha, mas sempre a evitaste pisar e jamais a ultrapassaste! Limitavas-te, como sempre te limitaste, a admirar a liberdade ingénua dos pássaros que viajam indiferentes a leis e regras pouco humanas. E que, desta forma, cometem o “crime” de voar nas asas da liberdade sem o saberem!

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sexta-feira, 18 de março de 2022

Dia cinzento (excerto 4) - LUÍS VASCONCELOS

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Para a minha mãe foi uma perda cruel, da qual ela nunca mais se recuperou. Nunca deixaram de ser dolorosas as saudades dele, e sofrida a ausência insubstituível dele. Mas a esperança de um dia poder voltar a estar com ele, e, nessa altura, felizes para sempre, como num delicioso conto de fadas, dando assim continuidade à linda história de amor que os unia, e que a morte tão barbaramente ceifou, trouxe algum conforto e consolo à sua alma ferida.
Espero, sinceramente, que a minha mãe tenha ou tivesse razão e que ambos tenham ou venham a ter uma nova, definitiva, imortal, infinita oportunidade de se beijarem, abraçarem, dançarem, tão ou mais virtuosa e apaixonadamente do que alguma vez fizeram, bem como passearem de mãos dadas pela eternidade!

EM - NINHO DE CUCOS - LUÍS VASCONCELOS - IN-FINITA

quinta-feira, 17 de março de 2022

Em casa - Nyumbani (excerto) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Assim, o tempo passou e eu e o Daniel eramos já namorados, saíamos todas as noites para ir ao Carnivore, Gipsisies, etc, fomos passar um fim de semana a Naivasha que fica no Rift Valey. Para lá se chegar vai-se pela estrada de Naivasha que tem dos miradouros mais belos do mundo, à medida que se entra no vale. Ao longo da estrada, encontram-se algumas barraquinhas de souvenirs onde se podem comprar peças de artesanato local, na sua maioria feitas com pele de borrego.
Acantonámos numa «banda», um pequeno bungalow no parque de campismo Fisherman que fica mesmo em frente ao lago Naivasha. Há uma fossa que nos separa do lago para assim evitar-se que os hipopótamos venho de noite dormir com os campistas. Ao pequeno almoço surgiu um macaquinho branco e preto que me roubou das mãos metade de uma tosta, mostrando-me os seus dentes aguçados, o maroto... a fêmea, essa com um filhote nos braços na árvore por cima de nós, que mais parecia um cordeirinho todo branco, espreitava-nos muito timidamente, à espera da sua oportunidade para também ela encher a sua barriguinha.

EM - KIPEPEO SAFARI (A VIAGEM DA BORBOLETA) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD - IN-FINITA

Por um modelo eco-social (excerto) - JOAQUIM SILVA

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O Mercado não é solidário. O Mercado não promove a participação. O Mercado não aprofunda a democracia, pelo contrário aprisiona.
O foco, é como ir mais além face a este quadro reconhecido e conquistado no propósito do empowerment ecológico, que é sócio-político das populações. A reconstrução económica é essencial. Vimos em Boff (1996), que um dos movimentos essenciais é contra a economia do ilimitado, mas por uma economia do suficiente, num contexto de recursos escassos, mas ilimitadas alianças entre a ciência, a tecnologia, a natureza e o ser humano.
O coletivo toma novamente importância pela organização de comunidades de “economia suficiente solidária”, sem desperdícios, avessa á acumulação, à competitividade, á exploração humana. Partilha é a base.

EM - A VIA DA SÍNTESE III - JOAQUIM SILVA - IN-FINITA

Sorte para um azar para outros (excerto) - MARIA ALIENDER

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Era uma vez lá pelas bandas da Lagoa Dourada vivia uma família meio atrapalhada formada pelo pai, a mãe e quatro irmãos que ainda moravam na casa. A vida por aquelas bandas era vivida da forma mais simples possível. Acordavam bem cedinho com o primeiro cantar do galo carijó que anunciavam o amanhecer, estufava o peito enchia - o de ar e batia as asas para turbinar o pulmão e soltava a voz todo prepotente cocó dec, cocó dec... Seu Alvino levantava cedinho lavava o rosto se trajava todo com botas,
chapéu e ia correndo tirar o leite das vaquinhas e dona Filó também já pulava da cama pensando no que iria preparar pro café da gurizada. Dunga, Rosa e Lia mal caiam da cama já pegavam seus canecos de esmalte e iam beber o santo leitinho de cada dia no pé da vaca, engolindo ora ou outra um mosquito camuflado na espuma que o pai falava que fazia bem pra vista também, porque nunca se viu um mosquito usar óculos ele afirmava rindo. Ficavam com bigodes brancos e isto não lhes faziam mal algum. Menos a Felisberta acordava cedo porque vivia feito a Bela adormecida e era protegida pelo pai e pela mãe porque sofria de ataque epilético, não podia sentar – lhe uma mosca que os irmãos já eram punidos.

Tudo o que consumiam era produzido ali mesmo por suas mãos. O banheiro não era nada convencional, uma casinha de madeira ou mictório como assim era chamado com porta e tramela para preservar a privacidade, com um caixote também de madeira com corte triangular no centro para acomodar o traseiro na hora de fazer o “serviço” com um balde de sabugo de milho para se limparem e desses se diziam que tinha dupla função: Limpar e cosquear e para os que não gostavam que levassem folhas de mamoneira ou de cadernos velhos. Tomavam banho em um chuveiro de balde com registro suspenso por uma carretilha através e uma corda.

Eram felizes pois essa era a vida que conheciam. Nesse cenário rural, longe do agito da cidade, o franguinho caipira era abatido na hora de comer praticamente. E nesse dia especifico, por volta das 17:30 quando o sol já estava se pondo para descansar, eis que dona Filó solta a voz gritando: Dunga meu filho mate um frango pra mãe fazer a mistura da janta. O rapaz traquino e ligeiro correu apanhar a cartucheira que vivia pendurada atrás da porta da sala juntamente com o bornal de munição e não comia nada enrolado. Ele então pegou um cartucho com chumbinhos bem finos daqueles de atirar em compadre e saiu faceiro sorrateiramente para cumprir a tarefa que lhe fora designado e também louco pra comer um franguinho na panela daqueles que a dona Filó sabia fazer como ninguém.

EM - ECOS BRASIL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

quarta-feira, 16 de março de 2022

Yin-Yang (excerto) - FÁTIMA D'OLIVEIRA

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Mas sem provas ou testemunhas, a coisa ficou por ali e Ana Lis ficou assim: com a sua certeza. E sem a sua caneta.
Mas quem é que aquela cachopa, a Ana Lis, pensava que era?... Acusá-lo a ele – logo a ele, Dinis Maria Teixeira Mourato da Cunha – de roubo! Ainda por cima, duma caneta: uma mísera caneta. A simples noção desse roubo era indigna dele: rebaixava-o. E a isso, ele recusava-se. Terminantemente. Se bem que, a bem da verdade, ela não o tinha propriamente acusado de roubo: pelo menos, não com essas palavras. Mas tinha-o insinuado. E só esse simples facto parecia a Dinis um enorme atrevimento.
Ainda por cima, a tal caneta nem sequer o era, na verdadeira aceção da palavra: tratava-se, sim, de uma mera esferográfica. E de uma marca “rosc-fosc” patente qualquer, ainda por cima – se fosse uma Montblanc, ainda vá que não vá, agora de uma marca qualquer que não interessava nem ao Menino Jesus…
Mas verdade seja dita e aí Dinis tinha que dar a mão à palmatória, ele até que se tinha a modos que posto a jeito: tinham sido as suas ações que tinham conduzido Ana Lis às suas conclusões e convicções: se não fosse a sua constante e persistente– atrever-se-ia a dizê-lo? – bajulação à caneta – aliás, que se fosse com calma: caneta, não: esferográfica, se faz favor. Então, impunha-se dizer as coisas como elas eram e chamá-las pelos respetivos nomes! – dela, aí se calhar já outro galo cantaria e provavelmente a ideia de Ana Lis já seria outra… Mas Dinis não o fazia por mal: ele realmente achava piada à esferográfica de Ana Lis. Então, elogiava-a. Constantemente, até demasiado, ele agora era forçado a concluir.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

27 Setembro 1995 (excerto) - FRANCIS RAPOSO FERREIRA

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Querido amigo, desculpa por, ontem, ter não te ter procurado, mas não consegui. Acredita, ainda o tentei, mas estava mesmo de rastos, além de que tive medo de ser descoberta a desabafar contigo e que isso pudesse significar teres o mesmo fim que o teu irmão mais novo, ou seja, uma morte precoce.
É verdade, confesso que tive medo, tal como tenho medo de não conseguir aguentar tudo o que estou a viver neste momento e para o qual não consigo vislumbrar uma porta de saída, nem uma que seja. Sei que estás a olhar para mim, tal como meu adorado pai o estará a fazer, esteja ele onde estiver, e a dizer-me que sou demasiado nova para tais pensamentos, mas é a verdade.
Como te dizia anteontem, a minha festa dos 18 anos, se é que posso dizer “minha”, foi mesmo uma festa de fazer inveja a muitas das festas mais badaladas nas revistas ditas cor-de-rosa da altura, até mesmo em muitas das que hoje em dia enchem as prateleiras dos quiosques e papelarias.
Minha mãe, sem pedir autorização a ninguém, e perante o meu espanto, bem como o de meu pai, talvez de acordo com os seus queridos amigos e futuros compadres, decidiu aproveitar a presença de tanta gente badalada, para oficializar o meu namoro com Diamantino, o Tininho, como ela tanto gosta de o tratar.
Senti-me a desfalecer, pois se é verdade que namorávamos, também não o é menos, que tínhamos decidido dar tempo ao tempo, até que ele fizesse o pedido formal a meus pais. O Diamantino é que me pareceu não estranhar tudo quanto ali se passou, o que, agora, passado todo este tempo e depois de tudo o que tem vindo a acontecer, já me leva a concluir que ele sabia de tudo e nada me contara.

EM - DIÁRIO DE MEL - FRANCIS RAPOSO FERREIRA - IN-FINITA

O dia em que eu te vi pela primeira vez - VÍTOR PAIVA DUARTE

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No dia em que eu te vi pela primeira vez, não chovia, o sol quase não se sentia e a lua não se via, mas foi certamente um dia planeado por Deus, para que os sorrisos que andavam perdidos dos olhos meus, encontrassem perdidos, sorrisos nos teus.
Mas, no dia em que eu te vi pela primeira vez, onde estava esse Deus criado pelos homens, para os proteger nas horas perigosas e para os castigar todas as vezes que sentissem prazer, apenas porque tudo o que sabe bem, sabe a pecado? Esse Deus bondoso que inventou as flores para nos darem sorte aos amores, não nos ensinou a distinguir os prazeres das dores!
No dia em que eu te vi pela primeira vez, os planetas estavam desalinhados como sempre estiveram, os rios corriam para o mar apenas porque queriam salgar as águas que choveram, os pássaros cantavam desafinados uma incerta melodia, situada entre a tristeza e a alegria, e eu, espantado, era a primeira vez que te via, na tarde daquele dia!
O dia em que eu te vi pela primeira vez, não aconteceu como o nosso amor merecia, de tão normal que foi aquele dia.
Mas... sei que tudo será diferente quando eu te voltar a ver pela primeira vez, porque esse dia vai durar um mês, cada sorriso vai valer por três, o mar voltará a ser doce outra vez... e nesse tempo sem crises, as árvores arrancarão as suas próprias raízes e voarão com os pássaros para outros países. E será no meio de toda essa alegria que tu me dizes, "agora sim, já podemos ser felizes"!

EM - POETIZAÇÔES EM PROSA - VÍTOR PAIVA DUARTE - IN-FINITA