quinta-feira, 24 de março de 2022

O olho vermelho do gato Bernardo (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Todas as noites, quando me deitava, misturado com o escuro da casa, lá ficava eu, desperto e sem me mover, ansiosamente, quase hipnoticamente, com os olhos muito abertos direccionados para o mesmo sítio, à espera de ver chegar aquele misterioso ponto vermelho, em brasa, descrevendo trajectórias elípticas e sinusoidais, até se desvanecer totalmente. Só depois eu conseguia adormecer… embalado pelo estremecer contínuo do prédio, devido à passagem dos carros-eléctricos, e levado pelo torpor imaginário dos movimentos contorcionistas daquele olho vermelho que me hipnotizava.
Talvez eu tivesse, naquela época, entre não sei quantos e, no máximo, sete anos. Era, então, uma criança e, como tal, propenso aos grandes disparates e às enormes fantasias. Morávamos num quarto, com utilização da cozinha, que lhe ficava anexa e ligada através de um acesso sem porta. Ou seja, o quarto era como se fosse a despensa da casa.
A casa, situada no Largo do Terreirinho, pertencia à Dona Gracinda e ao Ti Chico, que eram vendedores de peixe, e o transportavam e expunham num triciclo, veículo constituído por uma mota e uma pequena plataforma de caixa aberta à sua frente. Umas vezes, eles vendiam ali mesmo no Largo e, outras vezes, iam para outros bairros. Num desses dias, recordo de passagem, foram vender peixe para o Bairro da Bica e levaram-me com eles. Dia azarado, para mim e, coitados, para eles que tiveram que ir comigo para o hospital, devido a um acidente: em brincadeira ou não (não me recordo) desatei a correr atrás de uma miúda que me fugia devido não sei a quê e ia de tal forma desejoso de não a deixar fugir que tropecei e caí com os queixos por terra! Conclusão: uns quantos pontos na carne e um dia de negócio estragado para eles…

EM - CONTOS E CRÓNICAS (IN)TEMPORAIS - VÍTOR COSTEIRA - IN-FINITA

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