sexta-feira, 31 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... REGINA BRITO


Agradecemos à autora REGINA BRITO pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Sou uma pessoa, simples, que ama a natureza, que ama viajar, estudar, trocar ideias com outras pessoas, gosta de contar histórias e ouvi-las também. E que está sempre em movimento.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

O ato de escrever sempre fez parte da minha vida. Sou formada pela UFRJ, Faculdade de Letras.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

Os dois. Este para não nos afastarmos da Língua Materna, aquele, para diversificar a forma da escrita.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Gosto de todos os gêneros. Porque estou em contato constante  com eles. Nas aulas e nas revisões de textos.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Pretendo passar boas mensagens.
Transcrever a ansiedade humana.
Mostrar valores e atitudes das pessoas.
A apresentar o meu EU de diversas formas.
Narrar fatos observados ou contados.
E através dos contos ou poemas contemporâneos, escrever passagens cômicas, ironias e piadas para refletir.

6 - Quais as suas referências literárias?

São muitas referências. Érico Veríssimo, Jorge Amado, Pablo Neruda, Luís Vaz de Camões, Martha Medeiros, María Dueñas e tantos outros.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Participar de eventos literários e não literários.
Divulgar através das redes sociais.
Participar de várias Antologias.
Escrever livros de bolso.
Presentear alguns livros e doá-los também.
Esquecer alguns em vários lugares, como praças, transportes, etc...

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Não ambiciono. Simplesmente quero deixar um legado para futuras gerações.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

É uma forma prática, econômica e que tenho a graça de conhecer outros autores e aprender com eles, é  uma troca literária.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Eu responderia, nem sempre um autor é o protagonista do que escreve, ele é um mero escriba da raça humana.
Imagine a pergunta.
(Risos).

Rodoviária - YVONNE MILLER

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Boa noite, pessoal. Desculpem incomodar vocês. Eu sei que é chato, sei que não sou o único, que não sou o primeiro e nem serei o último a pedir a sua ajuda.
Atenção, por favor. O ônibus para Recife com saída às 22:30 está prestes a partir da plataforma 13.
Caixinha de som, fone de ouvido, capa protetora para seu celular, pau de selfie, caneta azul?
– Não, obrigada.
Só peço um pouco da sua atenção. Meu nome é Antônio. Sou daqui não, mas lá do Piauí. Vim aqui tentar a sorte e tudo deu errado.
Por favor, mantenha seus bens perto de você. A Rodoviária de Fortaleza não se responsabiliza por objetos perdidos.
Espera, Joãozinho! Não vai tão rápido, que a vovó não tem mais perna pra corrida não. Volta aqui, Joãozinho! Pra onde você vai? Joãozinho?
João?
Hoje mesmo um homem bateu em mim. Achou que ia lhe roubar, quando eu queria era lhe pedir somente um trocadinho pro café.
Caneta rosa, caneta amarela, caneta verde, caneta preta, caneta branca, caneta azul?
– Não, obrigada.

E você deve achar que estou muito acabado. Mas juro que não é vício não. É a pura necessidade, misturada com fome. Não gosto de pedir dinheiro não, mas...
Senhores passageiros. Atenção, por favor!
Procura-se João Gabriel Batista, de cinco anos de idade. Cabelo castanho, camiseta azul.
Rosa?
Guilherme? Quanto tempo!
40 anos...
Como o tempo voa...
Indo pro Cariri?
E você lembra disso?
Nunca lhe falei, mas há 40 anos que lembro cada dia de você.
... pelo amor de Deus, compre algum salgadinho para mim. Que já é hora de dormir e hoje ainda não comi.
...
Deus acompanhe você.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

quinta-feira, 30 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A ... JULIO CORRÊA


Agradecemos ao autor JULIO CORRÊA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Um ser em busca de constante aprendizado e evolução.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Uma necessidade de existir, de ressignificar-se como pessoa.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

Creio que o importante é aplicar o cuidado linguístico dentro na espontaneidade.
Ou seja: a inspiração aliada à técnica.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Embora também tenha escrito contos, peças teatrais e romance, a maior parte da minha obra literária é a poesia. Talvez porque seja mais rápido concluir um poema, devido à estrutura do gênero.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Sabe-se que a arte possui várias correntes de significados, uma delas a Arte pela Arte.
Assim sendo, acredito que tudo no mundo tem mais de uma função no seu existir, inclusive o ato de escrever. Quando escrevo pretendo, antes de tudo, tornar concreto aquilo que penso, que observo, que vejo, que sinto, que imagino sentir... para depois fazer chegar ao leitor palavras que possam, de alguma forma, contribuir para a visão de mundo dele, refazendo ou ampliando conceitos sobre temas diversos. A palavra precisa ser transformadora: de si mesmo e/ou do outro.

6 - Quais as suas referências literárias?

Os autores que mais vezes li foram: Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Florbela Espanca, Caio Fernando Abreu, Cecília Meireles, Martha Medeiros... Ouvi música popular brasileira e fado; assisti alguns espetáculos teatrais. Creio que tudo isso, deve ter influenciado alguma coisa em mim, na maneira de criar minha literatura.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Penso que, atualmente, os meios virtuais são o caminho. Pode alcançar mais leitores em um curto espaço de tempo.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Ser lido, ser estudado, ser visto...

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

Então... Geralmente participo de trabalhos coletivos que são resultados de concursos e festivais em que sou um dos finalistas. Além disso, seleciono alguns poucos que, de certa forma, me identifico. Como, por exemplo, os que têm a participação de escritores de países da língua lusófona ou que seja organizado por pessoas muito próximas a mim.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Como faço para adquirir seus livros? Pode falar diretamente comigo por meio do Instagram ou Facebook julioquintalcorrea, que lá passo todas as informações de onde e como comprar.

Prémios - VIEIRINHA VIEIRA

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Os prémios e sua excitação. Glamour...
Um aglomerar de situações, leva que as avaliações sejam ponderadas e qualificadas ao pormenor. Trabalhara tanto nos últimos anos que já chegara acreditar que não era para ela. Estava demasiado emocionada pois nunca lhe tinha passado pela cabeça ser condecorada com tanta honra e lisonjeira, achava até que só se limitara a cumprir o seu papel de cidadã comum. Afinal, para si, suas características eram apenas diferentes e tinha de as por em prática em nome de um futuro.
Eram largos os dias que olhava o futuro com olhos brilhantes de sol e fazia pertence deste passando horas imaginando como seriam as novas gerações?
E se nós hoje fizermos assim? E se não fizermos isto... E como seria um dia que tivesse filhos, netos ou até mesmo sobrinhos. Como seria o tempo da sua velhice, quando a força física se esgotasse e a cabeça já não conseguisse. O que significaria o seu nome dali em diante?
Ainda estava presa a conceitos antigos mas carregada de fé pois dali para a frente tudo seria completamente diferente!
Questões e mais questões e ia pondo em prática um bem comum. Logo ela que era um ser comum mas que muitos procuravam só para sentir o seu calor. O calor da sua presença que transmitia paz e harmonia.
Ela trazia no sorriso o sol e nos olhos as estrelas da mais linda noite de luar, era mulher de mistérios mas ao mesmo tempo uma menina de encantar.
À sua volta tudo era belo. Ela fazia questão de nos fazer ver o belo, de pintar belo e escrever mais ainda... Ainda não sabia o porquê de tal distinção mas seu coração pedia que continuasse, não pelos prémios ou méritos mas pelo exemplo! Pelas lágrimas cristalinas que brotavam dos seus olhos quando tudo lhe parecia tão difícil, pela sua intensidade e vontade de não desistir apesar das dificuldades.
Aqueles prémios sem as pessoas que amava não eram nada e não encontrando futuro mais vazio se tornava. Era impressionante como apesar de uma enorme sala cheia o seu coração era mais ainda... Faltava algo!
Quando seus olhos lhe caíram em cima...
Todos se viraram em sua direcção, ele entrou e tudo parou estupefacto. Convidou-a para dançar!
Ambos de mãos dadas abriram a pista, sem palavras… E o mundo acabara de parar naquele preciso momento, no para sempre... Seu prémio tinha atingido o auge! Chegou.
Ao seu redor, todos aqueles que amou e ama, todos aqueles com quem travou batalhas e que reconheciam hoje seu trabalho.
Estava belíssima, leve como uma pena capaz de fazer tudo de novo! Capaz de reviver o dia que beijou seus olhos com o coração e entre passos leves de balsa entregaram os lábios ao som de seus sentimentos.
Talvez este tenha sido o dia mais feliz de sua vida, ou não! Pois o dia que teve a certeza do que desejava, queria e era. Foi igualmente feliz. E nos dias que se entregava a paz das suas fantasias tinha sido igualmente feliz. Até naquele dia que Deus lhe dissera, vai tu és capaz... Ela foi tão feliz.
Aquele prémio era apenas um pretexto para celebrar a vitória do amor, do quanto este a inspirava e fazia regressar do seu mundo na lua.
Para agradecer a felicidade que até então não enxergava, passara demasiado tempo olhando e procurando défices pois tinha noção do quanto precisava ser melhor.
Mas ali nos seus braços encontrou tudo! E agradeceu a felicidade e a oportunidade que lhe deram de transmutar em felicidade todos aqueles momentos.
Já serena, sorrindo dedica em discurso a todos os outros a sua felicidade e a capacidade que estes têm de a fazer feliz, outras destas virão. Dizia ela sorrindo... E nessas, os prémios pertencerão a outros mas enquanto eu merecer e conseguir esta distinção, farei tudo para vos retribuir.
A noite ia longa e todos começavam a abandonar a sala. Mas ele com o seu terno azul, camisa bege e sapato brilho, permanecia como estátua na janela ao pé do chafariz... Fez questão de nunca mais a deixar em solidão.
Juntos celebravam a vida como um prémio.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

quarta-feira, 29 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... FREDERICO DANTAS VIEIRA


Agradecemos ao autor FREDERICO DANTAS VIEIRA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Me considero um aprendiz que cuida e escreve. O cuidado com o outro e pelo outro me faz forte, me ajuda no exercício da minha profissão (como psicólogo) mas também como escritor. A palavra escrita grita e me representa.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

É para mim uma necessidade. Uma forma de sentir e lidar com a realidade e com o que me afeta.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

A espontaneidade é fundamental, nela o exercício da escrita é ainda mais potente. O cuidado com a linguística é importante desde que não limite a criação ou a espontaneidade.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Eu produzo mais poesia. Escrevo poesia desde o final dos anos 90.  Hoje escrevo contos, tenho um romance em andamento mas a poesia é uma catarse que realizo quase que diariamente.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Transmito afeto, reflexão sobre a vida, sobre as coisas da vida. Transmito amor mas também provocações sobre a realidade, as relações e sobre a sociedade.

6 - Quais as suas referências literárias?

Carlos Drummond de Andrade, Úrsula Le Guin, Fernando Pessoa, Clarisse Lispector.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Afeto e dedicação para chegar nas pessoas, conquistar atenção e presentear o dia a dia das pessoas com palavras que inspirem.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Porque é um importante modo de chegar nas pessoas, de oferecer novas formas de sentir e perceber a realidade.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

Porque toda a coletividade traz consigo muita potência de transformação. Várias leituras da vida e das coisas da vida, multiplicidade que as diferentes visões de mundo traz.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Se me pudessem perguntar como gostaria de viver, eu responderia de poesia. Ainda é um sonho e vivo esse sonho a cada dia.

Menina morta - TEREZINHA PEREIRA

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Do fogaréu ela nunca se esqueceu. O quarto ardente. A lamparina acesa. O odor forte do querosene. O negror da fumaça. A irmã caçula, um bebê de seis meses, a dormir na rede. Estava ela com oito anos de idade.
Anoitecia. O pai andava por aí. A mãe, com as irmãs mais velhas, havia ido à missa. Ela separava roupas da família que a mãe deixara sobre a cama para serem alisadas no dia seguinte. Cedo, quando a mãe pusesse fogo no forno para assar as quitandas, a irmã mais velha pegaria as brasas para o ferro de passar. A irmã caçula resmungara. Para que não despertasse, a menina embalou-a na rede. Teria esbarrado na lamparina? De repente, o fogo. O querosene derramara nas roupas em que ela separava sobre a cama. A fumaça preta subia. O fogo ardia. A rede. O bebê na rede. Ela. Havia sido assim?
Num lampejo, veio-lhe à mente a lembrança de uma meia-irmã que morrera por causa de um incêndio. Ela não a conhecera. Quando ocorrera?
Um caso velado, jamais comentado em família. A irmã mais velha foi quem lhe contou. Soubera ela, só de ouvir, do caso de uma criança do primeiro casamento do pai, menina de um ano, teve o corpo inteiro ferido por queimaduras. Ficava na rede, envolta em folhas de bananeira. Fogo causado por lamparina caída. Quando ocorreu o acidente, com quem estava a desconhecida irmã? Com o pai? Ou com a mãe? O pai da menina morta, viúvo, casara-se com a mãe da menina agora com oito anos.
Levara quatro filhos do primeiro casamento. (Onde foi o incêndio? Na casa do sítio ou na casa da cidade?) Naquele instante, precisava se apressar.
Tinha que livrar a pequena que dormia na rede do perigo daquele fogo. (A pequena era a sexta filha do casamento do pai com sua mãe.) Não havia tempo para lembranças. Para suposições. Mas, por quê? Nem o pai, nem a mãe, nem as outras irmãs, nem os irmãos da parte do pai falavam da outra menina, da que morrera por causa do fogo. Sigilo absoluto. Quando alguma vez perguntou à mãe, ao pai ou a alguma tia, cada um desviara do assunto.
Quase sufocada pela fumaça meio ao fogo que se alastrava, ela alcançou a irmãzinha na rede.
A janela do quarto estava fechada. Custou a encontrar a porta do quarto. Com a criança nos braços, ela chegou à rua e gritou por socorro. Esta estava salva, não seria envolvida em folhas de bananeira, não morreria por causa de lamparina derramada. É do que se recorda.
Ela cresceu, casou-se, tornou-se mãe, avó, bisavó. Porém, jamais soube das circunstâncias do acidente ocorrido com a meia-irmã que havia morrido por causa de um incêndio. Contou-me esse fato quando já era bisavó.

Mãe, por que será que esperou tanto tempo para me contar?

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

terça-feira, 28 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... PEDRO CALDEIRA SANTOS


Agradecemos ao autor PEDRO CALDEIRA SANTOS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Tenho alguma dificuldade em falar de mim próprio. Antes de tudo sou um humanista, valorizo e acredito nas pessoas. Atribuo uma grande importância à dignidade, às aspirações e capacidades humanas. Sou um defensor da igualdade de oportunidades e dos direitos humanos. Ainda assim, reconheço-me também, um pouco, como um sonhador romântico. Acredito na concretização dos sonhos. Nunca desisto de os concretizar, tentando equilibrar a racionalidade com o romantismo, ainda que por vezes seja difícil.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Escrever não surge, nem como necessidade, nem como passatempo.
A escrita foi algo que aconteceu tarde, naturalmente e por impulso. No início, acontecia esporadicamente. Nunca senti necessidade de escrever e, apesar de ler muito, nunca tive a pretensão de escrever. Os primeiros poemas surgiram por impulso. A possibilidade de escrever no “móvel”, independentemente do lugar e do momento em que me encontrava, permitiu registar no momento, os primeiros impulsos poéticos, que acabaram assim, guardados, à medida que iam sendo escritos.
Durante algum tempo esses “registos” ficaram escondidos do “mundo”, até ao dia em que, também por mero acaso, desafiado por uma das poucas pessoas que sabia que eu escrevia, me vi a participar num primeiro trabalho colectivo. A partir daí tudo acabou por tornar-se mais sério. Gostei de participar na Antologia e comecei a valorizar o que escrevia, e a gostar de divulgar o resultado do que ia escrevendo.
O lançamento do meu primeiro livro, em 2016, serviu de motivação para encarar esta actividade de uma forma minimamente séria. Perante este percurso, não posso classificar o que escrevo como um mero passatempo, mesmo não sentindo qualquer obrigação ou necessidade para o fazer

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

No meu caso? A espontaneidade, sem qualquer dúvida. Não me revejo a escrever preocupado com regras literárias pré-fixadas, que permitem classificar um poema ou enquadrá-lo num determinado estilo ou corrente. No dia em que tiver de escrever condicionado ao respeito pela forma ou pela estrutura de um poema, pelo número de estrofes ou pelos versos, pela métrica, pelo ritmo ou pela rima não o escreverei. Não tenho essa capacidade. Para mim, como autor, o importante são as ideias e a valorização das palavras. Algo como uma pintura abstracta onde o pintor pinta a sua realidade e permite a quem visita a tela uma interpretação pessoal do que vê. É assim que vejo a poesia, ainda que sempre se possa fazer o exercício de tentar adivinhar o que estaria na mente do poeta, ao construir ou gerar um poema. É assim que leio Herberto Hélder, Antonio Ramos Rosa, Al Berto ou Teresa Horta, de entre outros. É também assim que gosto de escrever. É assim que eu gosto da poesia. Algo que tenha um significado para quem escreve, mas permita a liberdade de sentir ou interpretar a quem lê. Classifico os meus poemas, como meros impulsos livres, sem condicionalismos e é nessa liberdade de escrita que os meus poemas nascem e se situam.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Ainda que tenha escrito alguns contos que continuam guardados, e tenha um livro em prosa a acontecer, a poesia é o género literário onde me movo. Poderia rotular-me como estando próximo da poesia experimental, mas não me atrevo a incluir-me nesse movimento. Entendo estar muito longe de escrever algo que possa ser classificado como tal. É preciso deter uma grande maturidade na escrita. A criatividade e a versatilidade existentes neste género de poesia são marcantes. É necessário possuir uma enorme capacidade para jogar e ultrapassar a subjectividade das palavras ao transpô-las para as vivências e sentimentos que pairam no mundo real onde nos movemos. São “enormes”, os poetas que integram este movimento. Não me atrevo a definir-me como sendo um deles.
Aliás, sem colocar em causa a arte e a qualidade de muitos poetas contemporâneos com quem me tenho cruzado desde que participo em trabalhos coletivos, e felizmente que são muitos, alguns de uma enorme qualidade, em minha opinião só existe um que, inequivocamente, consigo ver como par destes grandes poetas - o Álvaro Giesta.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Não tenho essa preocupação. Não escrevo com o objectivo de exprimir uma qualquer mensagem pré-estabelecida. Conforme se subentende das minhas respostas anteriores, registo as ideias que me chegam, que são de diferente natureza consoante o momento, sem saber no início o que vem a seguir ou como irá terminar o texto que estou a escrever. É tudo improviso, dependendo algumas vezes do estado de espirito, outras vezes influenciado por algo que observo no momento, sem qualquer ideia pré-concebida. No final leio o que acaba de ser escrito e se parece fazer sentido, guardo. Caso contrario, tudo é eliminado, literalmente. Não fica rasto para ser aproveitado em momentos de melhor criatividade ou inspiração. Conforme surge ou guardo ou desaparece.

6 - Quais as suas referências literárias?

Já referi os principais. Herberto Hélder, António Ramos Rosa, Al Berto, Jose Luis Nava, Teresa Horta, de entre outros.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

É difícil de responder. Nunca escrevi com objetivos comerciais por isso nunca pensei seriamente nisso. Na minha óptica vários são os factores que permitem classificar um bom livro. É algo de muito pessoal. Depende do tema, do conteúdo e da forma como é escrito. O que pode agarrar um leitor ao livro, em minha opinião, pode ser completamente indiferente para outro. Sou muito versátil na escolha das minhas leituras. Para mim, o bom livro, independentemente do género ou do autor, é aquele que transporta o leitor para o seu interior, fazendo-o esquecer o mundo real. No meu caso, acontece quando me sinto um personagem a viver a realidade do que estou a ler, permitindo abstrair-me de tudo, designadamente do tempo e do espaço.
Ora, actualmente, estes não são os critérios que estão na base da divulgação das obras literárias. Hoje, são editados diariamente, dezenas ou mesmo centenas de livros e as editoras dão preferência aos livros que sabem antecipadamente que vendem, muitas vezes de autores consagrados, já conhecidos, independentemente da qualidade dos mesmos. A qualidade para a maioria das editoras é pouco importante. O que importa é o êxito comercial. A concorrência é de tal forma agressiva que o lucro se sobrepõe à qualidade.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Nunca pensei nisso. Escrevo por gosto. E porque aprendi a gostar de ver o que escrevo transformado em livros, vou participando em “Antologias” ou editando os meus próprios livros, em edição de autor com a ajuda de amigos ou de pequenas editoras, sem qualquer objectivo comercial.
Se um dia, por acaso, tiver algum sucesso, será resultado de trabalho sem qualquer aspiração antecipada, e acima de tudo, da minha “carolice”, mas sempre de uma forma natural e desprendida, sem comprometer a minha liberdade de escrever e da forma como o faço.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

Durante muito tempo guardei tudo o que escrevia, sem me atrever a divulgar. Ainda que tenha três livros de poesia recentemente editados, nunca quis entrar em circuitos comerciais por isso os livros foram divulgados praticamente num ciclo de amigos e pessoas conhecidas que me são próximas. Daí que nenhum dos meus livros possa ser adquirido em livrarias. Vejo assim, os trabalhos coletivos, como uma forma de ir mais longe. Uma maneira de divulgar o que escrevo para lá do “meu mundo”.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Não me ocorre nenhuma pergunta em especial. Tentaria responder a qualquer uma que me fosse dirigida, respondendo sempre com frontalidade e de uma forma honesta.

Balada da garçonete - SOLANGE PADILHA

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Um pouco pensando nele que chegando de viagem foi direto para cama e dormiu mais de 24 horas. Sem levantar. Forte o desejo de acordá-lo. Curiosa com as novidades. O que diria deixando-a satisfeita e despreocupada com a volta pra casa. No inverno ela trabalha até tarde. Não consegue pagar a cota do celular. Se fosse algum tempo atrás poderia imaginar um cineasta ou poeta lhe dedicando uma obra. Ela como atriz ou personagem principal de um seriado.
Pouco importa. Uma garçonete ralando em pé não está interessada ou seduzida em tornar-se estrela de um filme. Acha desinteressante. Também pagam mal. O que lhe interessa? Lembrou-se de alguém que dizia filme bom é documental. Seria o mesmo que dizer toda vida vale como documento? Ou é melhor como ficção? Não sei. Preferia ser referência para ele que num lance de olhar a seguia como passante anônima na multidão. O que vale viver personagens?
Melhor ativar a revolução, mudar a realidade como ela mostra desejar de modo explícito no corpo todo coberto por tatuagens, invento de um enigma, mural de pensamentos e espécie de teatralidade das escarpas urbanas renascendo em traços. Não mais, boca, olho, nariz, mas algo como “eu vim de um lugar sem teto.” Ou, “se você seguir pela linha do meu pescoço vai encontrar um mundo que gira no sentido contrário ao relógio”. Transfiguração.
Como um pedaço de mundo ela tem de movimentar- se como garçonete em pé com a cabeça raspada sobre o balcão. Primeiro teve um choque com as fotos daquelas mulheres de crânios translúcidos.
Rejeitadas, desonradas, cuspidas feito coisas estragadas fora do prato. Rápido sentiu que não podia ser diferente. Entende a semelhança a condição de mulher sem sobrenome. Imitou-as tosando os cabelos daquele jeito. Mulheres em guerra. Mulheres que não esperavam mais ele acordar e ainda assim desejava continuadamente que lhe afague o pescoço conversando com ela em muitas línguas entre uma e outra explosão. Mas no comando do mundo se movimentam múltiplas direções sem nenhuma função adequada ou disponível. E todos os dias ela dá sua largada drenada no balanço de mamilos e neurônios, urinando feito homem na rua, e pulsa e aperta o passo antes do gás de pimenta explodir e depois de servirem à sopa. A guerra não termina. E outra estoura no rastilho do anoitecer.

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segunda-feira, 27 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... ADRIANO FARIAS RIOS


Agradecemos ao autor ADRIANO FARIAS RIOS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Defino-me como alguém que considera o “só sei que nada sei”, de Sócrates, como fundamental para a constante metamorfose que é o ser humano. Isso me faz alguém que tem no equilíbrio, na sensatez e nas possibilidades de mudança aspectos pertinentes para o percurso da vida em sociedade.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Verdadeiramente, para mim, é uma necessidade, visto que tenho na escrita uma forma de expressar meus sentimentos e a impressão que tenho sobre a própria existência humana. Pra mim, é “terapêutico” e contribui para minha saúde emocional.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

Os dois aspectos são importantes pois são complementares, parecem garantir uma escrita completa.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

O lírico, especificamente o poema, pois permite a expressão dos sentimentos de uma forma mais incisiva e direta além de permitir o uso de musicalidade por possibilitar as rimas e o uso das palavras com uma certa liberdade.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

As contradições existentes na existência humana: alegria, tristeza, mansidão, ira, inveja, altruísmo, por exemplo. A pretensão é transmitir aquilo que faz do ser humano, humano.

6 - Quais as suas referências literárias?

Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Tornar mais “popular” textos que muitas vezes ficam restritos a um pequeno público.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Ser poeta e influenciar pessoas.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

Para ampliar meu universo literário e compartilhar os textos que escrevo.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Além das referências literárias que destacou anteriormente, existe alguma obra literária que seja fundamental para aqueles que escrevem e mesmo para a compreensão da própria existência humana? Por quê?
Sim, O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, pois nos chama para um encontro com a sensibilidade.

Borboleta - SOLANGE CIANNI

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Quando eu morrer...
Não quero o meu caixão coberto de cravos. O cheiro não me agrada.
Lembra os enterros fúnebres, com choros e lamúrias.
Não quero nada disso, por favor!
Quero rosas... vermelhas, amarelas e brancas.
Vermelhas porque sempre vivi com o furor e a delicadeza de uma mulher apaixonada.
Amarelas porque sou um anjo do sol e amante da luz. Finalmente brancas porque sempre persegui a paz e imagino que morrer é simplesmente repousar no colo dela.
Quero a presença das minhas amigas evolutivas, irmãs de alma, parentes e amigos queridos, celebrando, junto comigo, este momento sagrado, fazendo-me eterna na morada da memória de cada um que lá estiver.
Quero música! Violão, cantos e palmas, muitas palmas... E, se as ciganas dançarinas quiserem, podem dançar ao meu redor.
Eu vou adorar!
Nesse caso, que não falte o fogo, que tudo cura e transmuta.
É fundamental que haja incensos nesta hora, para atrair anjos e beija-flores.
Espirros de água benta eu também faço questão, para que todos quando dali saírem, sintam-se abençoados e em comunhão com o mistério no qual estarei mergulhada.
E, quando, enfim, me deitarem na terra, peço silêncio.
Um respeitoso silêncio, condizente com o momento solene onde uma sacerdotisa retorna ao lar, após uma longa jornada.
Que a terra me saboreie no tempo certo e o meu corpo se torne vitamina deste planeta professor que me acolheu neste percurso aprendiz.
Que as pessoas, então, me cubram de pétalas multicores. 
Cantando, uníssonas, o mantra “OM”...
Depois de tudo consumado, retornem caminhando sem pressa, abraçadas, rumo aos seus afazeres cotidianos, levando consigo a reflexão do que é de fato essencial nessa fagulha de vida, frente a imensidão do Universo.
Quero ainda que todos os presentes recebam margaridas brancas e amarelas na saída, para que possam voltar às suas atividades plenos de serenidade e saudade, sem pena ou culpa.

Nessa hora, com certeza, os bem-te-vis e joões-de-barro cantarão uma opereta de despedida composta especialmente para mim, em nome da nossa amizade e parceria.
Um sentimento de gratidão, então, tomará conta dos corações de todos que ali estiverem, pela oportunidade de cada um no tempo devido, poder cumprir a sua tarefa na vasta existência.
Oferecerei, finalmente, um sopro de amor e um beijo estalado aos meus filhos e ao meu amado.
E então todos seguiremos em paz, celebrando o milagre que é estar vivo eternamente...
É assim que eu quero.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

domingo, 26 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... JOSÉ ANTÓNIO PINTO


Agradecemos ao autor JOSÉ ANTÓNIO PINTO pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Frontal, justo, pragmático, sensível, inovador e solidário.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Um passatempo tornado necessidade.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

Ambos têm de estar bem casados para resultar uma boa escrita.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Romance por exigir maior construção, quase arquitectura ou engenharia. A poesia é o meu grito de revolta contra o injusto que  não posso exterminar. O teatro pelo saboroso jogo do tempo e do movimento com a palavra.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Sabores da vida, utilidade em viver, preferencialmente de bem connosco e com os outros sem violência, em equipa e cumplicidade. 

6 - Quais as suas referências literárias?

Vargas Llosa, Miguel Torga, Vergílio Ferreira, Alexandre O’Neill, Ary dos Santos, Natália Correia.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Qualidade das mesmas para cativar os  leitores para continuarem a ser.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita? 

Um universo mesmo que reduzido, de leitores amigos ou não, que gostem de saborear o que escrevo.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

Por manifesta necessidade de partilha.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Se a escrita me preenche. 
Traduz a minha medida de vida pela produção que consigo, em substituição  da idade registada no Cartão de Cidadão…