domingo, 27 de fevereiro de 2022

Outono – ROSA FLOR

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Caem as folhas das árvores, esvoaçando, levadas pelo vento feito brisa, que ainda assustado lhes promete temperança, serem ninhos, e cobertores de texugos.
 
Chegou o Outono!
 
Campo de folhas mortas, que nos lembram que mesmo assim, há vida para lá do tom amarelado ou alaranjado, que servem de tapete a quem por elas passa, e alimento de quem dele necessitar.
 
Há mudanças, renovam-se as paisagens e os amores.
E eis que espreita o Inverno.
 
As lareiras ganham vida, e os odores da lenha queimada, envolvem-me os sentidos.
 
No mundo das minhas lembranças, existes tu, sem que me invada o sofrimento, sobrevivendo ao amor que o tempo quis fazer esquecer.
 
Adormecem-me os desejos, enquanto vagueio pela poesia que a natureza declama entristecida.
 
Caíram as folhas das árvores.
Os ramos preparam-se para receber mais tarde de novo vida.
 
E os ninhos voltarão a ser a casa de grupos sinfônicos, que com seus chilreios, encherão de alegria a Primavera, que esperançosa e colorida, dará alento à alma dos Poetas.

EM - VERSO & PROSA - COLECTÃNEA - IN-FINITA

Um certo deserto de Tepântar (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ah! Como me lembro... Dona Amélia!
Durante dois anos dona Amélia foi minha professora no primário. Não era eu muito pequena. Nove, dez anos de idade. Porém, nunca havia brincado na praia. Ficava a imaginar como seria o mar com seu dorso altivo, sacudindo a espuma branca para um sereno céu.
Com um entusiasmo de donzela de seus cinquenta anos - ou mais, ou menos - dona Amélia, transfigurada, rosto liso aureolado de branco, dizia os últimos versos de Casimiro de Abreu: “É maior do que o mar que nós tememos, mais forte que o tufão! Meu filho, é - Deus.” Dentro da sala de aula o silêncio se fazia único. Passavam-se alguns minutos para se ouvir qualquer murmúrio. Naquele silêncio, eu ficava a imaginar o mar. O mar, esse eu podia imaginar. Já havia visto gravuras do mar em revistas, em livros de Geografia, de História. Mas, Deus... um ser que nós não vemos? A cada dia, após as orações, algum aluno pedia para ela recitar mais uma vez a poesia de Deus. Deus. Mar. Grandezas. Como me lembro, dona Amélia!
Numa aula de sexta-feira, dona Amélia chegou com o seu “globo terrestre”. Uma esfera de metal bem maior do que uma bola de futebol, pesada, que girava ao redor de um eixo preso num suporte de ferro. Ferrugem nos polos denotava que o globo já vinha de muito uso. Nesse dia, ao ver o globo, aluno nenhum pediu à professora que repetisse a declamação da poesia Deus. Previam novidade. Em poucos minutos os deveres estavam corrigidos, os cadernos guardados debaixo da carteira, os alunos prontos para mais uma viagem pelo mundo. Dona Amélia relembrou o engano que acabou causando a descoberta do Brasil para mostrar no globo onde ficavam “as Índias”. Índia: um país grande demais, populoso demais, distante demais. Mostrou onde ficava a capital, falou sobre o sagrado rio Ganges e nos fez chegar a Calcutá, dizendo que lá havia nascido Tagore. Rabindranath Tagore. Um nome que soou estranho. Interessados, os alunos foram se adentrando na nova aventura. Daquela vez, pra lá do Atlântico, pra lá da Europa. Tagore, poeta, jornalista, educador, filósofo ganhador de Prêmio Nobel de Literatura, ela foi dizendo tudo. “Apesar de haver nascido e morrido em Calcutá, Tagore havia viajado pela Europa.

EM - ECOS BRASIL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

Em casa - Nyumbani (excerto) - ISABEL SOFIA DOS REIS-fLOOD

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Após as habituais saudações e formalidades de check-in, vou com uma das empregadas do YWCA a uma praça de matatus, perto da Kenyatta Avenue, para ir até Gigiri. Deparo-me com uma praça de carrinhas estilo Ford cheíssimas de gente com ar muito humilde. Entro numa, ocupando o seu último lugar junto à porta. Aqui há o dobro dos passageiros que deveria ser permitido neste tipo de transporte. Pago vinte shilings por uma viagem super rápida num espaço apertado, onde o movimento do corpo é impossível para além de um simples girar de cabeça. E lá vou eu tal qual uma mosca espalmada contra o vidro.
Anúncio à Florence que já arranjei quarto, pelos vistos ela também me tinha encontrado um em casa de uma amiga do meu supervisor, o Bernd, no centro da cidade, pelo que ficou um pouco surpreendida com a minha rapidez. Passei o dia todo em Gigiri de gabinete em gabinete a lidar com burocracia, o que iria se prolongar até à semana seguinte. Conheci o frustrado do Sr. Moon, o coordenador dos estágios, marquei consulta no departamento médico. Finalmente, consegui perder o relógio de pulso na casa de banho das senhoras, cuja procura incessante me entreteu algumas horas. Ao cair da noite fui jantar com o Fabien mais o teu pai ao Carnivore, o restaurante mais emblemático de Nairobi onde se pode comer churrasco de animais de caça, como a zebra e o antílope. Este tinha-me sido recomendado pela Noah na Noruega.

EM - KIPEPEO SAFARI (A VIAGEM DA BORBOLETA) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD - IN-FINITA

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Noites de festim - VÍTOR PAIVA DUARTE

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Haverá um dia em que será verão e será julho e o calor da tarde te vai levar à praia, e tu vais expor o teu corpo faminto de mim aos raios de sol que o vão tomar para si, e o vão aquecer como faziam as minhas mãos nas noites de inverno em que te davas nua aos meus desejos e fechavas os olhos e abrias a boca, e abrias os braços, e abrias as pernas, e abrias o corpo, e eu navegava ali os devaneios das vontades do meu corpo bem rijo e pleno de vigor, e afundava em ti a minha força, e mergulhava convicto na tua já molhada arte do amor, e bebia de ti suspiros ofegantes de prazer e de cedência, e o teu corpo vibrava no meu, e oscilava e ondulava e revolvia-se como um mar que se agita e se atira para cima da praia.
E depois tremias e agitavas-te ainda mais, e apertavas-me nas tuas pernas, e prendias-me num abraço forte, e soltavas impropérios indizíveis, palavras raras que só as putas serão capazes de repetir, e gritavas-me nomes invulgares, e levavas-me ao clímax das sensações carnais, e eu inundava o teu corpo com a minha quente semente da vida, e tu diluías-te em mim num orgasmo intenso que se repetia até te faltarem as palavras e as forças e, até que eu, no teu corpo, deixava de sentir na haste do amor as convulsões que te atravessaram a carne!
E nessa tarde quente de julho tu estarás deitada na praia com os pensamentos a voar pelas memórias das nossas noites de amor, com o sol a acariciar-te a pele como eu te fazia, e o teu sangue ficará mais quente, e irá correr-te acelerado pelo corpo, e tu irás fechar os olhos e colocar as mãos sobre a barriga e, comigo no pensamento e com o sol a produzir o calor das minhas mãos, irás sentir um longo orgasmo que te levará numa viagem imaginária às nossas noites de festim em que tu tinhas tudo de mim!

EM - POETIZAÇÔES EM PROSA - VÍTOR PAIVA DUARTE - IN-FINITA

24 Setembro 2018 (excerto) - FRANCIS RAPOSO FERREIRA

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Olha, novamente, o Tejo. Liberta-se da letargia em que se deixara aprisionar, vai até ao computador, abre a página principal da rede social onde criou um novo perfil e pesquisa por “Olhos cor de Mel”. Nada, nem uma única pista. Sente-se perdida.
Pára um pouco para ordenar ideias e toma uma decisão.
As lágrimas teimam em não parar de correr, sente-se culpada, sempre ela a culpada de tudo, pelo que possa ter acontecido a Lourenço. Será que a sua decisão de encerrar o perfil, eliminando, dessa forma, toda e qualquer possibilidade de ele a contactar, poderá tê-lo levado a pensar que a única coisa que ela queria mesmo era uma noite de sexo? Não, um homem tão sensível como ele lhe pareceu ser, nunca pensaria isso de outra pessoa, ainda que, como no caso, se trate de alguém completamente desconhecido. A verdade, e não a pode pura e simplesmente ignorar, é que também ele ainda estava a sofrer os traumas de um casamento e um divórcio bastante dolorosos, pelo que não lhe pode negar o direito de se sentir, novamente, enganado. Mais uma vez, a culpada de tudo, é ela.
Mel hesita, a crise de choro não abranda. Sente-se tentada a ligar à sua psicóloga. Não, hoje terá de ser ela a tentar ultrapassar tudo, sozinha. Tem de ser forte, mais forte que todos aqueles fantasmas. Se é ela a culpada pelo que está a viver, então terá de ser ela a dar o primeiro passo na busca da solução que lhe permita arranjar maneira de colmatar essa sua culpa, mesmo com tudo o que isso lhe possa trazer de volta.

EM - DIÁRIO DE MEL - FRANCIS RAPOSO FERREIRA - IN-FINITA

O quadro - ROSALINA VAQUEIRO

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A conselho dos pais, fugira de um futuro incerto, com o jovem estudante de belas-artes, para uma vida estável, ao lado do promissor colega do pai, dez anos mais velho, que lhe deitava olhares cobiçadores, nas sardinhadas de verão. A paixão gritava-lhe pelas aguarelas do artista, pelos olhos esverdeados, como as sonhadoras paisagens da tela, que lhe transmitiam sonhos de pureza. A seu lado sentia-se Pietá,
Vénus de Milo.
- Isso são fantasias da adolescência. A menina não tem a noção do que poderá sofrer ao lado desse pobretanas. Com o Vítor terá um futuro assegurado. Ele tem uma carreira promissora no hospital. Pode até chegar a director.
Um dia, estava vestida de branco, numa cerimónia cheia de convidados escolhidos pela mãe, com um noivo escolhido pela mãe. Com o tempo perdera de vista as telas, o pintor, os anos, a vida, até o futuro director de hospital, a quem não suportara mais do que uns magros anos de insípida convivência.
Acabara responsável pela galeria de arte de uma amiga. Afinal, rodeada de quadros, que a faziam lembrar a adolescência, mas nenhum como aquele em que ele a pintara sentada sob uma árvore, a ler um livro, de saia rodada e chapéu largo de palhinha, bicicleta encostada, num campo repleto de malmequeres brancos. A amiga pedira-lhe para licitar duas obras, para a galeria. Sentada na sala do leilão, esquecera por um momento, as pessoas que entravam, alguém que se sentara ao seu lado. Divagava ainda, quando viu o quadro. Não é possível! Uma paisagem doce num campo de malmequeres! Deu um salto na cadeira. Ninguém poderia levar aquele quadro! Aquele não! Por favor! Aquele não! Não ouvia os números. Levantou o braço, toda a sua alma se ergueu e licitou o quadro. O martelo bateu e só depois se apercebeu da exorbitante quantia. Que fiz eu? E o que iria dizer à amiga? Aflita, queria anular a licitação. Alguém, em quem não reparara bem, mas que não lhe parecera completamente estranho, licitou o quadro, pagou o valor e mandou que lho entregassem. Quis saber quem era o homem do gesto estranhamente nobre, que saíra da sala. Ficou petrificada com a resposta: O único que poderia fazê-lo com facilidade – o autor.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

E se eu fosse a outra - ROSA FLOR

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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E se eu fosse a outra, te encontrasse nos caminhos de futuros incertos que percorri, te pudesse escutar, contasse segredos e te prendesse por momentos a mim, afagando a tua pele suada e quente, oferecendo-te o Céu num passe de mágica?

E se eu fosse a outra, te abrisse o meu coração, o adornasse com o teu, para que num gratificante abraço descesses às profundezas da minha alma, me amasses com paixão ardente sem medos e tocasses com fulgor as partes mais sensíveis do meu corpo?

Hoje és a minha mais grata inspiração!

Jamais te resistiria assim pudesse retroceder no tempo!

Como coartar a ânsia incontrolável de desejos e fantasias que em mim despertas?

Que mal teria explorar avidamente em ti simples devaneios, sorver cada gota do teu suor, acariciar-te com loucura amando-te sem timidez?

E se eu fosse a outra, porventura, teria o beneplácito do Cosmos, sendo por isso a tua Deusa e tu o meu Adónis.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Dois dedos de prosa – REGINA BRITO

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Lá naquele beco sem saída havia um senhor com seus três cãezinhos, acocorados e encolhidos.

Era um dia de inverno, ou melhor: começava a anoitecer...

Um transeunte que por ali passava ouviu uns murmúrios e foi verificar aquele som de acalento.

Deparou-se com um quadro que o sensibilizou muito: o senhor conversava baixinho com os animais e estes se aconchegavam entre si. Sua curiosidade foi tanta que perguntou se eles necessitavam de comida, água ou abrigo.

O senhor agradeceu ao intento e explicou que, antes de dormir, rezava e agradecia pelo cantinho em que se hospedavam, pelo alimento que recebiam e por mais um dia em que viveram.

Assim todos se sentiam felizes pelos dois dedos de prosa que tinham com o seu benfeitor antes de dormirem.

EM - VERSO & PROSA - COLECTÃNEA - IN-FINITA

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A garota de chapéu – REJANE LUCI SILVA DA COSTA KNOTH

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Cidinha adorava chapéus. Admirava todos que via, apreciava quem usava e sonhava ter um. Realizar seu desejo era difícil, pois dependia da mãe, uma faxineira que usava o salário pra o sustento da família e pra as despesas da casa.

            Antes de concluir o Ensino Médio, Cidinha arranjou um emprego de meio período numa farmácia; quando recebeu o primeiro pagamento, comprou um chapéu  floppy, ele era rosa, branco e preto.

No outro dia, foi trabalhar de chapéu. Lépida, fagueira, sentindo-se linda, lá foi ela. Ao sair de casa, a vizinha perguntou admirada se ela ia trabalhar de chapéu. A menina respondeu que sim. Quando entrou na farmácia:

─ Por que tá com esse chapéu na cabeça?

Cidinha pensou: “Nem respondeu meu boa tarde”.

Ao passar pelo caixa, ouviu um comentário irônico:

─ De chapéu?! Esquisito! Nem lhe reconheci...

No dia seguinte, foi à escola com o adereço. Os questionamentos se iniciaram: “Por que você tá de chapéu? Vai à praia?” “ Não tá  sol!” “Não tá chovendo!” A alguns, Cidinha respondia: “Eu gosto”. A outros, fazia de conta que não os escutava: “Ela tem vergonha do cabelo.” “Será que essa jovem é de esquerda ou de direita?

Aqueles maldosos, faziam interpretações: “Essa menina tem alguma ferida na cabeça.” “Ela tem problema na pele” “Coitada, tá fazendo químio, o cabelo tá caindo!”

Já em casa, todos respeitavam seu estilo. Num domingo, foram à igreja, a garota de chapéu foi sem chapéu: “Que milagre!” “Era só o que faltava, assistir à pregação usando chapéu!” “Seria um absurdo!”

Certo dia, Cidinha amanheceu doente, não foi à escola nem trabalhar por dois dias. Outra vez, seu irmão, se envolveu numa briga, levou uma facada, ficou internado. Cidinha ficou três dias sem ir à escola, sem trabalhar. Veio a pandemia de 2019, sua mãe teve COVID, a família foi orientada a ficar confinada em casa por quinze dias.

Ao voltar aos afazeres após esses eventos, as pessoas continuavam a comentar sobre o chapéu. Então, entendeu que usar chapéu incomodava. Por que tanta inquietação acerca da aparência de alguém?

Assim, a jovem concluiu que as pessoas não se importavam com seus sentimentos. Queriam apenas criticar seu estilo. Será que um acessório altera a personalidade, muda o caráter de alguém?

A garota, então, resolveu que utilizaria chapéu onde e quando quisesse. Quis e usou um maravilhoso quando a mãe recebeu o certificado do Curso de Gastronomia, um grande quando um irmão se casou, um colorido quando o outro irmão concluiu o Ensino Médio.

Cidinha desfilou com um deslumbrante chapéu na sua formatura em Administração pela UFRJ; colocou um lindo na festa de inauguração do seu primeiro estabelecimento comercial que viria, mais tarde, se tornar uma rede de lojas, que vendia... chapéus, é claro!

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Ele, ela e o fusca - RENATA TEIXEIRA DA SILVA

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Ela gostava de ver o entardecer perto do Palmital. Iam ele e ela no Fusquinha que já os acompanhava desde o início do relacionamento. Em todo aniversário de casamento, isto se tornara um ritual: ele se apressava para sair mais cedo da oficina e passava em casa para apanhá-la. Ela o esperava com sanduíches, uma garrafa com suco, o vestido de que ele mais gostava e uma boa dose de ansiedade.
Ao som do ronco do Fusquinha, das músicas preferidas gravadas na fita cassete, das histórias de desde quando se conheceram e de algumas gargalhadas, seguiam viagem...
Paravam em algum ponto da estrada, observavam o entardecer e, silenciosamente, olhavam-se como que fazendo algum tipo de prece. As primeiras juras de amor ecoavam agora revestidas da solidez que o convívio traz e da segurança que só quem passa uns apertos juntos é que sabe!

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Em casa - Nyumbani (excerto) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD

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Soubera eu que o voo da Sabena era de não fumadores e não o teria feito, mas a campanha antitabágica também chegou ao aeroporto. Olho em redor e todos os letreiros indicam a mesma obstinada preocupação com a saúde pública. Chama-se então a isto o mais elevado grau de civilização, em que o indivíduo se vê agrilhoado nas formas mais simples e elementares de prazer só porque há um Estado interessado em protegê-lo? E porque não proibir antes a solidão, a falta de tolerância e de qualidade de vida? E um cigarro não poderá significar o contrário de tudo isto? Não serviu ele sempre de motivo de conversa?
– Tem lume? Já agora por acaso não se chama Maria? Não? Ia jurar que sim...
E podíamos continuar interminavelmente até que as nossas histórias pessoais fizessem já parte da história pessoal de alguém com partida anunciada para outro lugar do mundo, levando-a na sua bagagem como a sua recordação mais preciosa.
Hoje a minha atitude quanto ao consumo de tabaco mudou radicalmente, deixei de fumar por completo há já largos anos. Agora considero a atitude dos fumadores manifestamente egoísta, uma vez que poluem o ambiente à sua volta com o fumo dos cigarros deles, incomodando as outras pessoas, sobretudo quando está cientificamente provado que o tabaco prejudica a saúde.

EM - KIPEPEO SAFARI (A VIAGEM DA BORBOLETA) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD - IN-FINITA

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Ritual de paixão - VÍTOR PAIVA DUARTE

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Haverá um dia em que o desejo persistente te irá trazer à memória o toque daquele murmúrio de palavras ousadas que fluíam junto ao teu pescoço perfumado, e os arrepios te percorriam a superfície da pele em toda a profundidade do teu corpo... e nesse dia, tu irás fechar os olhos para apenas sentires o desejo de que o passado se repita no presente e no futuro, e o teu prazer seja tomado como uma bênção, e na comunhão total e física das nossas almas, como um ritual de paixão, aconteça amor!
Está tudo no pensamento...

EM - POETIZAÇÔES EM PROSA - VÍTOR PAIVA DUARTE - IN-FINITA

24 Setembro 2018 (excerto) - FRANCIS RAPOSO FERREIRA

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Um pensamento lhe surge de repente, porque será que tendo sofrido todas as humilhações que sofreu às mãos do homem com quem a casaram, agora se tinha deixado levar na história que um desconhecido lhe contara, escondido atrás de um computador? Em adolescente ainda acreditava que o amor se manifesta através dos mais improváveis sinais, mas já tem idade e experiência mais que suficiente para não continuar a acreditar em histórias de princesas e príncipes encantados. Oh não, que se passa com ela, amor, o que é isso?
Almoçaram na companhia um do outro, passaram a tarde a passear por Lisboa, aproveitando o facto de ser feriado, e a falarem da vida de cada um deles. Sem se dar conta de tal, acabara por lhe contar, ainda que muito vagamente, todo o seu drama de mais de 20 anos. No entanto, lembra-se bem, o que mais a assustara, fora o facto de o ter feito sem sentir qualquer tipo de medo, o que poderia significar que corria o risco de esta a baixar, demasiado, as suas defesas.
Lourenço, fazendo-lhe uma suave caricia no rosto, dissera-lhe que o marido só podia ser alguém muito insensível, pois se havia mulheres capazes de atrair a atenção dos homens, ela era uma delas, além de ter a certeza que seria a mulher ideal para fazer qualquer homem feliz.
Foi quando já se despediam que ela, num gesto de total inconsciência, o convidou para jantar, acrescentando que lhe estava a apetecer divertir-se um pouco, mas, atenção, não o queria obrigar a nada, muito menos à sua companhia, e que compreenderia se ele preferisse somente fazer-lhe companhia ao jantar e, depois, cada um ir à sua vida. Ele responder-lhe-ia que também desejava prolongar o tempo na sua companhia, mas também não se sentir bem por estar a aproveitar-se da generosidade dela, preferindo deixarem o jantar para o final do mês, quando ele recebesse e lhe pudesse retribuir o almoço.

EM - DIÁRIO DE MEL - FRANCIS RAPOSO FERREIRA - IN-FINITA

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Augusto (excerto) - MARIA FERNANDA MELGAÇO

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Nunca soube o que era amor. Tinha vagas memórias de sua mãe, quando ele, ainda filhote, era amamentado por ela. Esperava sempre que ela chegasse, naquele horário, para matar a fome e ser aquecido. Mas, um dia, ela não chegou. Triste e sozinho, ele decidiu esperar mais um dia. Sabia que conseguiria aguentar e que mamãe não o deixaria morrer de fome. Em vão. No dia seguinte, naquele horário de sempre, ele estava novamente sozinho. Decidiu, então, que era chegada a hora de encontrar uma nova forma de sobreviver.
Saiu do cantinho em que se mantinha escondido e, pela primeira vez, viu o mundo sobre quatro patas. Muros, árvores, telhados para escalar e, dentro de cada janela, seres que andavam de um lado para o outro sobre duas patas. Viu que eles também tinham olhos, como os da mãe, que ora se voltavam para ele. Foi assim que ele soube o que buscava: olhos que o observassem como os olhos da mãe. E passou por ruas, vielas, veredas em sua busca. Subiu muros, adentrou casas. E, quando já estava prestes a desistir, de longe, ele a viu.
Era daqueles seres que andavam sobre duas patas. Tinha o pelo cor de mel na cabeça. No corpo, não soube se decidir se eram listras ou manchas, mas, distinguiu com clareza as patas brancas como as suas. Foi quando ela o viu em cima do telhado. Um pequeno filhote de gato, de pelagem negra e patinhas brancas. Seus olhos azuis se encheram imediatamente de amor e sorriram para ele quando ela disse “Ah, Augusto!”.

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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Cafarnaum – PAULO DE TARSO BRANDÃO

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            Busco alguma coisa nas prateleiras daquele aposento desocupado da casa, que transformei em depósito depois que as visitas foram espaçando até não mais acontecerem.
            Procuro mais tateando do que enxergando, já que a única luminosidade é aquela difusa que vem da lâmpada acesa no corredor.
            Precisaria consertar a iluminação do quarto, quebrada há anos, mas deixo para outro momento. Penso não precisar de muita claridade, porque sei exatamente onde estão as coisas. Salvo essa de que necessito agora.
            Está bem, confesso que tenho medo de clarejar o ambiente e tomar conta do caos ali instalado.
            Não preciso ou tenho medo? As duas coisas. Sei lá! É igual.
            Vou explorando o armário e coloco a mão por trás da lata de goiabada que guardei para lembrar o nome quando quisesse repetir a compra. Já consumi várias vezes a mesma marca sem precisar do recipiente, mas ele continua lá. Sigo para as imediações de uma caixa na qual veio a torradeira comprada há mais de dez anos. Só conservei a embalagem porque o vendedor me disse que, com ela, caso o produto apresentasse algum defeito nos dez primeiros dias, eu poderia trocar no próprio estabelecimento. Depois, eu deveria buscar a assistência técnica. Até hoje o objeto funciona perfeitamente, mas a caixa...
            Quando apalpo o espaço que fica entre a carcaça de um velho ventilador e um pneu com meio uso que guardei para o carro que já não tenho, encontro algo que parece familiar.
Vou ao corredor e constato que é uma peça que procurei alucinadamente dias atrás e que é fundamental para consertar um aparelho do qual muito necessito.
            Corro para a cozinha, reparo o apetrecho e me orgulho do trabalho.
            Volto até a porta do cafarnaum para continuar a exploração. Agora, porém já não lembro o que queria encontrar. Relaxo! Certamente vou rememorar quando esbarrar com o artigo, à cata de outra coisa qualquer.

EM - VERSO & PROSA - COLECTÃNEA - IN-FINITA

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Olá, tudo bem?! - Halo, habari yako?! (excerto) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD

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Uma hora após o teu pai ter saído inicia-se uma terrível discussão no quarto ao lado, cheia de impropérios e ameaças à integridade física da mulher que ali se encontrava. Ouvem-se o arrastar de móveis, alguns objetos são lançados contra a parede. São já três da manhã e como a discussão não abranda, resolvo telefonar à receção a pedir ajuda. A mulher, entretanto, segue o destino da mobília, sendo empurrada para fora do quarto pelo menos duas vezes. Durante breves instantes fez-se silêncio para tudo retomar de novo. As luzes do meu quarto estão já todas acesas. Aguardo a qualquer momento que batam à porta ou na pior das hipóteses que a arrombem para também me atingirem com desacatos. Telefono novamente à receção, falando o mais baixo possível para que ninguém me ouça no quarto ao lado.
– Por favor alguém tem de vir ver o que se passa, antes que seja tarde demais.
Passo a noite em claro, para no dia seguinte ser informada pelo Gilbert, ao pequeno almoço que:
– Aquela mulher terminou a noite no hospital.
O modo natural e conformista com que me dá a notícia deixa transparecer que os maus tratos às mulheres são neste país prática corrente, sendo aceite por toda a gente, inclusive a policia. A violência doméstica, contudo não se confina aos países do sul. Nos países mais afluentes, como por exemplo na Austrália e em Portugal, este fenómeno também é uma realidade, a diferença é que há mecanismos de proteção e apoio à mulher e de punição dos culpados. Contudo os danos causados por este tipo de violência, são muitas vezes irreversíveis, afetando o desenvolvimento emocional das crianças e a autoestima das mulheres que dele são alvo.

EM - KIPEPEO SAFARI (A VIAGEM DA BORBOLETA) - ISABEL SOFIA DOS REIS-FLOOD - IN-FINITA

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Até à eternidade - VÍTOR PAIVA DUARTE

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Haverá um dia em que tu voltas do equívoco caminho em que te perdeste, cansada de nada ser por ter sido tantas vezes desejada por tantos que nunca te sentiram nem amaram. Como se viver no lado negro da lua bastasse para esconder a alma e ensinar ao coração que a sua única tarefa é empurrar o sangue pelo corpo, e a metafísica das paixões se resolve matando os sentires para continuar a vegetar uma existência ao sabor dos ventos e das marés do que aparece, sem que seja necessário investir na busca da felicidade para ser feliz!
E nesse dia que está próximo porque o tempo e o amor são dimensões moldáveis com a suavidade das mãos da nossa alma, eu estarei sentado no alpendre da minha existência esperando o som dos teus passos no caminho de flores que te guia com os aromas da primavera, e que serão início da minha vida.
E nesse caminho florido serás purificada com o canto envolvente e celestial dos querubins, enquanto eu já limpo das marcas escuras de sofrimentos antigos infligidos na alma pela tua ausência, distante no coração, mas tão próxima na saudade que nunca me abandonou de ti, recebo-te de braços abertos e coração preparado, e instalo-te em mim como um puzzle indestrutível e fazemos amor até ao nascer do sol na manhã seguinte e em todos os amanhãs vindouros até que a eternidade seja uma senhora velha e cansada!

EM - POETIZAÇÔES EM PROSA - VÍTOR PAIVA DUARTE - IN-FINITA

24 Setembro 2018 (excerto) - FRANCIS RAPOSO FERREIRA

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Mel não sente vontade nenhuma em se continuar a martirizar com o passado, ainda que seja o seu. Pousa o diário, levanta-se, deixa voar o olhar para lá do Tejo e volta a recordar o primeiro 25 de Abril após voltar a ser dona da sua vida, pois o anterior, embora já viúva, apanhara-a ainda prisioneira de todo o sofrimento que o marido lhe impusera.
Ao lembrar-se como sua mãe odiava o dia da revolução, Mel, tomara a decisão de fazer algo que tinha a certeza a iria deixar indisposta se ainda fosse viva e pudesse sonhar com o que a filha fazia. Assim, indo, uma vez mais, contra rudo o que o bom senso lhe ordenaria, resolveu espicaçar Lourenço, dizendo-lhe que já que não se queria desfazer dos seus olhos cor de mel, ao menos podia convidá-la para almoçar.
Ri-se, agora a bom rir, só de imaginar o que não diria Diamantino se alguma vez a tivesse sonhado a propor a um homem, um puro desconhecido, que a convidasse para almoçar. Tanto a acusara, injustamente, de ser uma oferecida e agora ali estava ela, descaradamente, a oferecer-se para que um desconhecido qualquer a convidasse para almoçar.
Lourenço limitara-se a responder-lhe que adoraria poder convidá-la, pois sentia que se tratava de alguém muito especial, mas o problema é que não podia meter-se em extravagâncias, o mês fora longo, o ordenado curto e quase não lhe restara dinheiro nenhum, pois para além das contas normais em qualquer casa, tinha de pagar a pensão de alimento dos filhos.

EM - DIÁRIO DE MEL - FRANCIS RAPOSO FERREIRA - IN-FINITA

A árvore e o homem - MARIA ALIENDER

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ei por que vens me cortar? Eu lhe ofereço tanto... Sou fonte de oxigênio, amenizo a temperatura, reduzo a poluição sonora. Por que trazes este machado? O que eu deixei de fazer? Sempre cumpri com maestria a missão designada pelo Criador! Queria muito acreditar que este ato insano carregado de brutalidade e covardia não ficasse impune e que esse meu grito de socorro ecoasse o mundo e acordasse os homens que fazem as leis ou os que neles acreditam. Afinal, sou eu a Árvore o maior patrimônio ambiental nesta cidade. Abrigo belos pássaros que espalham as sementes e comem insetos, ajudando, assim, a manter o equilíbrio da cadeia ecológica. Eu posso saber para onde irão meus inquilinos quando eu tombar na terra ardente? Já ia me esquecendo de dizer, só para lhe refrescar a memória, que também embelezo as ruas, quarteirões e cidades, dando a todos a sensação física e psicológica de bem-estar. Se isso lhe convenceu, você pode me cuidar, me podar conscientemente, mas não me condenes à morte, respeite minha história, os vínculos que aqui criei, as vidas que abriguei. Sei que ainda há esperança, pois ouço as crianças que brincam em minha frondosa sombra falando da minha importância. Outro dia, sua filhinha saindo da escola, fez uma breve parada aqui para se refrescar do calor, aliás, como ela é linda, estava vermelha do sol, mas bastaram alguns minutos em minha companhia e já se recompôs e seguiu. Por favor, não seja ganancioso. Ei, psiu, volte! Você esqueceu seu machado!

EM - ECOS BRASIL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Coisas a descobrir à beira das águas - FERNANDO CHAGAS DUARTE

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Não, não sou de grandes exigências. Um ovo, uma crosta de terra e pão, a partida, a simples ida e vinda ao inferno com os braços estafados, mutilados pelo trabalho sem hora, a construção em curso que nunca termina e vozes sonâmbulas nascidas através de um sol da meia-noite.
O sono satisfeito nos seios serenos e frescos de uma serra granítica a descer para o sul dos trigais e um cinto de couro velho a segurar o puído às calças e à vida, e as calças a serem presas à pele – que se deixaram envelhecer e perderam a idade própria da insónia e inocência.
As margens do rio a conversarem a nitidez das ervas puras e depois um céu vazio a encher-se da justiça das aves, ou uma pedra circuncisa e roliça que é atirada às águas pela luz viva que só há nos olhares interiores de uma e outra criança. Um silêncio milenar a responder-me de repente. Logo eu que não sou, nunca fui, de grandes exigências.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

E falando sobre o amor! – OTHO CRUZ

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Quem procura o amor em alguém, nunca o encontrará, ele não pode ser achado em alguma coisa ou alguém que não seja você mesmo.

Na verdade, o que busca o amor nos outros ou nas coisas, morre sempre sedento de amor.

Só quem abre mão de todos os conceitos do amor pode encontrar o amor, só quem é capaz de jogar fora tudo que aprendeu sobre o amor capaz de descobri-lo

Frequentemente chamamos amor aquilo que está mais associado as carências, ao medo da solidão, as necessidades fisiológicas do corpo de copular.

É preciso saber que amor é algo que te faz sentir totalmente seguro, não te traz nenhuma insegurança, não te corrói com ciúmes. O amor jamais coexistiria com os ciúmes, com a posse, com o controle.

O amor é a liberdade total e irrestrita de ser exatamente o que se é.

O amor é muito sobre dá, é quando você transborda, você está completo e transborda, então você necessita dar.

Não tem nenhuma necessidade de receber de volta, porque já se está completo, então doar já é o ato de receber.

Num relacionamento que alguém reclama amor de volta, é que ainda não se completou, então ele pede amor, ele ainda é miserável.

Ainda não é abundante o suficiente então precisa pedir, precisa receber para se completar, mas mesmo que receba, nunca se sente completo, a ponto de transbordar.

É como um sedento que nunca tem a sua sede satisfeita

Porque o verdadeiro amor não está no outro.

Quem já transbordou sabe que não precisa que alguém o ame, ele está irradiando.

Se alguém o dá amor ele recebe, eles compartilham o amor, se amam no fluxo do amor, sabem que são livres.

Sente a radiância e a naturalidade do amor, não precisam se conquistar, não precisam dos jogos, porque eles se entendem no olhar.

O amor nasce da naturalidade, não das palavras, não existe como conquistar o amor de alguém, se precisa esforço para que alguém te sinta, te veja, então já aí entrou a carência, os desejos corporais, mas o amor, nasce do olhar, da sintonia Fina.

Eu te vejo

Tu me vês

E isso muito além do que vemos

EM - VERSO & PROSA - COLECTÃNEA - IN-FINITA

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Yin-Yang (excerto) - FÁTIMA D'OLIVEIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Já tinha sido há uma série de anos, mas aquela história não lhe saía da cabeça: atormentava-a. Mais do que isso, assombrava-a.
Recuou, na sua mente, até quando ainda era estudante e mais uma vez reviveu aquele episódio… Ele tinha-lhe roubado a caneta, a sua muito estimada caneta, Ana Lis sabia-o, tinha mesmo a certeza. Absoluta, sintética, analítica e mais que fosse. Mas Dinis negava que tinha qualquer coisa a ver com o desaparecimento da caneta. Veementemente.
A caneta, preta e amarela, até tinha algum valor monetário, mas, mais do que isso, tinha muito valor sentimental.
Porque aquela tinha sido uma das poucas vezes em que os pais tinham aceitado pagar, gastar dinheiro, só porque sim. Não que a sua família fosse daquelas considerada, ainda que em tom depreciativo, pobretanas ou remediada: antes poupada. A Ana Lis, sempre lhe tinha sido incutido o valor do dinheiro: o mesmo não caía do céu nem nascia nas árvores. Por isso, ela tinha ficado agradavelmente surpreendida quando os pais de propuseram a oferecer-lhe a caneta que tanto desejava. E Dinis já tinha demonstrado, por mais do que uma vez até, um gosto quase que excessivo pela sua caneta: mais do que admirá-la, cortejava-a descaradamente. Se isso, por um lado, incomodava-a, pelo outro, lisonjeava-a. Afinal, mais do que pertencer ao grupo de meninos bem, Dinis era parte integrante do grupo dos fixes.
Quando Ana Lis tinha dado pelo desaparecimento da caneta, imediatamente perguntou a Dinis se por acaso tinha visto a sua caneta, pois não só era ele que se encontrava mais perto, como ela sabia que a tinha tido na sua posse até há bem pouco tempo. Também imediatamente Dinis negou qualquer responsabilidade.
Mas o que convenceu Ana Lis da culpabilidade de Dinis, foi a forma como ele respondeu: com desdém e arrogância. Até soberba.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA