segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

A cruz haitiana (excerto 12) - IARA LEMOS

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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A forma como aquele Doutor se deliciava, à meia-luz de um pequeno restaurante iluminado por velas, servido por negras haitianas que mais pareciam suas escravas, deixou-me sem fome. Pelo olhar, conhecia o desconforto de Ricardo, que, apesar de ser adeptos dos bons prazeres da vida, não aceitava a forma como o seu colega de estudos tratava o povo haitiano, uma espécie de escória da sociedade mundial.
Bastaram-me 12 dias no Haiti para perceber que a falta de condições leva o haitiano a comer e viver como um ser primitivo e a submeter-se aos mais cruéis serviços, sejam sexuais ou escravos, em busca de alimento. É tudo próximo demais dos seus antepassados, do tempo em que o escravo era a classe social predominante do país.
A independência política proclamada em 1804 não trouxe os frutos esperados e, passados mais de 200 anos, o Haiti é um maior de independência fictícia. A cada ano, depende dos países mais desenvolvidos económica e culturalmente para sobreviver. É dessa situação que a Igreja também faz uso.

EM - A CRUZ HAITIANA - IARA LEMOS - IN-FINITA

domingo, 29 de janeiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 12) - C. GONÇALVES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Enquanto a Sara trata das burocracias administrativas, sento-me numa das cadeiras no corredor. Quando a porta do quarto do Santiago se abre, vejo-o finalmente; o semblante carregado.

– Salvador… – levanto-me para o alcançar.
– Desculpa ter-te ligado, mas não sabia mais o que fazer... – a sua voz soa-me angustiada.
– Ainda bem que ligaste, ela precisa do meu apoio.
– Obrigado, Ana. O meu irmão continua na mesma... parece estar a dormir – vejo a sua mão passar pelo cabelo agitadamente.
– Temos de aguardar, vais ver que tudo vai correr bem – olho nos seus olhos – e tu, estás bem?
– O que achas? O Santiago teve um acidente grave...
– Tem calma... – seguro-lhe nas mãos frias – tem calma...
– Só de pensar no que podia ter acontecido – o seu olhar fica sombrio de repente, e sinto vontade de o abraçar – nem quero pensar nisso...
– Vai correr tudo bem – sorrio para o animar – eu estou aqui se precisarem de alguma coisa.
– Posso abraçar-te?
– Sim, podes... – as minhas mãos soltam as suas para que os meus braços o rodeiem.

EM - AS NOSSAS ALMAS SOLITÁRIAS - C. GONÇALVES - IN-FINITA

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

o telefone da yoko (excerto) - FLÁVIO ULHOA COELHO

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Voltava da exposição da Yoko no Tomie Ohtake e cruzei com o Thio Therezo na rua. Acabamos almoçando juntos, pois ele queria muito saber de minha impressão a respeito dela (que, depois descobri serem elas: a exposição e a própria Yoko).
Tenho dificuldades em fazer críticas sérias a respeito de arte, muito provavelmente por conta de meu pouco conhecimento. Foi por isso que comecei contando um rumor que apareceu nas redes sociais. Uma das obras da exposição é um telefone com uma placa dizendo algo do tipo: “se o telefone tocar, saiba que estarei presente” e a ideia era que se o telefone tocasse, teria que ser a própria Yoko a ligar pois só ela teria supostamente o número daquele telefone.
Diziam os rumores da pós-verdade que, durante a preparação da mostra em São Paulo, naquele momento em que a correria toma conta de todo o espaço, o telefone tocou e, após um daqueles momentos em que os corações aceleram e demora-se a ter a iniciativa, alguém finalmente atendeu. Era a Vivo que ligava para falar com o dono da linha e tentar vender um novo plano...

EM - HISTÓRIAS DO THIO THEREZO - FLÁVIO ULHOA COELHO - IN-FINITA

Tapar o sol com a peneira (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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Chegou em casa e foi acolhido pela mãe como um pintinho molhado. Banho quente, café quente, cobertor. Menino carecia de juízo, de ouvidos, de olhar. Não vira ele que despencava um chuvão e ainda à cata de araçás! Companheiro nem encontrara para tamanho empreendimento, isso ela podia jurar. Ficar de cócoras debaixo de árvore esperando raio cair. Nem imaginava ela a existência da loca. Céu negro e subir a serra sem mais ninguém. São Jerônimo. Santa Bárbara. Só reza de mãe para evitar de acontecer coisas. Dia seguinte, cidade inteira falava no descaminho do Jota. Havia saído de casa beirando duas da tarde, antes do começo da chuva e não havia voltado para casa. Tivesse perto do rio que encheu de derramar, teria a correnteza o levado.
Não sabia ele do Jota. A última vez que o havia visto havia sido no domingo. A chuvarada caiu na segunda, na terça. Ele mesmo já acreditava nisso. Como o tempo passa e passando passa borracha no sucedido, meses, anos depois, ninguém mais falava no sumido. A não ser o pai e a mãe do filho único que haviam esparramado todas as fotografias dele pela casa inteira. A mais nova e mais bonita haviam dado para a polícia que tratou de mandar fazer cópias e distribuí-las por toda a banda. Foi publicada até nos jornais da capital. Tanto empenho em vão.

EM - CONTOS E CASOS - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

O Prédio (excerto 6) - SUSANA PIRES

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Demoradamente, muito demoradamente, entro na mercearia junto ao prédio, para voltar a inaugurar a despensa de tempo, nesta reconstrução de mundo, um mundo em cápsula de grito, teatros, cinemas, cafés, esplanadas, gargalhadas e espetáculos suspensos de expressão num sonambulismo vaiado pelo ontem!
Sinto o cheiro da castanha assada, vejo o cão vagabundo na esquina da venda, em memória, o velho não está nem a venda é permitida à audácia da ginjinha nas calçadas, tropeçando o gosto em Alfama, junto à Sé.
Rezo ao veículo do momento que não me permite esconder dos olhos vigilantes à condenação deste meu respirar.

EM - O PRÉDIO - SUSANA PIRES - IN-FINITA

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Faz De Conta Que Eu Sou Um Palhaço - JACKMICHEL

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De repente, me olhei no espelho, metendo o bedelho: faz de conta que eu sou um palhaço nesse mundo de ilusão! Faz de conta que eu pinto meu rosto tal qual um mata-borrão! Faz de conta que eu rio e choro, se me dão um bofetão! Faz de conta que eu vivo vestido num larguísimo macacão! Faz de conta que eu conto piada, quiçá adivinhação! Faz de conta que eu atiro num alvo, apontando meu mosquetão! Faz de conta que eu ando voando, imitando um avião! Faz de conta que eu colhi uma braçada de edule jambolão! Faz de conta que eu dei cambalhota no circo da imaginação! Faz de conta que eu comi torta misturada com macarrão! Faz de conta que eu falei sério, e não, de gozação! Faz de conta que eu disse um chiste a uma parva multidão!...

EM - ALMANAQUE PALHAÇO - JACKMICHEL - IN-FINITA

quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

A cruz haitiana (excerto 11) - IARA LEMOS

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A cabra é uma exceção entre os animais que servem como fonte de proteína na reduzida dieta haitiana. O animal se cria na montanha desmatada e alimenta-se na rua. Na própria alameda onde cresce, também é morto e cortado aos pedaços. A cena é chocante para quem vê pela primeira vez. O sangue dos animais, quando retirado, mancha as vias públicas, colorindo as calçadas próximas aos “marchés” de um vermelho tão mórbido quanto a falta de esperança de muitos haitianos em ver um futuro com menos sofrimento. O sangue serve para alimentar os animais que ali estão, especialmente cães, gatos e ratos, que disputam cada espaço. Na carne exposta e à venda por preciosos Gourdens, insetos diversos fazem a festa e escurecem os pedaços, produzindo um zumbido ensurdecedor.
Acima de qualquer especificação sanitária, a maior das preocupações dos haitianos é ter do que se alimentar. Quando não há cabra, restam o cão e os ratos. Um rato adulto em solo haitiano chega a custar US $1. Uma verdadeira fortuna quando se fala em condições de sobrevivência no Haiti. Ele é consumido geralmente assado e, dependendo do tamanho, serve de refeição para uma família inteira. Não cheguei a ver haitianos a comer ratos. E confesso que me faltou coragem para pedir para provar.

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terça-feira, 24 de janeiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 11) - C. GONÇALVES

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Quando entro em casa, o silêncio sufoca-me. É sempre assim, cada vez que me vejo privada dos meus filhos. Não sei porque ainda me admiro, porque ainda me dói tanto. Talvez porque eles, são a razão da minha vida, eles são o ar que respiro. Sem eles, sinto-me afogada entre a mágoa e a solidão. Na ausência dos meus filhos, sinto-me frágil e perdida. Inconscientemente, vêm à minha memória as suas palavras, és uma excelente mãe e uma mulher de coragem, e não consigo evitar um sorriso. Não te apegues Ana; digo para mim própria. Isto não passará de uma distração, de alguém que tal como tu, está sozinho e que precisa de companhia.

Dou a noite por terminada, e esqueço a roupa por lavar, as coisas por arrumar. Tomo um duche revigorante e quando me deito na minha cama, só quero que o tempo passe bem depressa e que domingo à noite venha rápido.

Acordo em sobressalto com o som do telemóvel a tocar. Tacteio a mesa-de-cabeceira para o alcançar, e por momentos acho que me esqueci de desligar o despertador semanal.

EM - AS NOSSAS ALMAS SOLITÁRIAS - C. GONÇALVES - IN-FINITA

domingo, 22 de janeiro de 2023

cidadão do mundo - FLÁVIO ULHOA COELHO

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Raro não era, o Thio Therezo e meu pai se estranhavam e discutiam por besteiras. Pragmático pai em embate com o Thio que todos conhecíamos tão bem, para desespero de minha mãe que tentava apaziguar o ambiente e, em um impulso de mostrar a harmonia familiar, sobrava para a gente, nessas horas, as deliciosas sobremesas que ela fazia, sobremesas individualizadas e generosas. Nem tudo estava perdido...
Naquele dia, o Thio disse, com a boca cheia, que era cidadão do mundo, assim mesmo ele disse. Ao que o pai retrucou do alto de sua razão.
– É... cidadão do mundo... bah! mas mesmo assim você precisa de visto para entrar nos EUA...
Naquele dia, teve rapadurinha de amendoim, minha predileta...

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O caso de Ana Thereza de Jesus (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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Pelos idos 1872, em Santana do São João Acima, Ana Thereza de Jesus era infiel ao marido Vicente Pereira. À boca miúda, era dito que Vicente gostava de ficar no bem-bom e recebi de boníssimo grado a recompensa financeira que Ana Thereza de Jesus havia dos homens com os quais dormia. No entanto, Izahias, suposto amante estável de Ana Thereza, não lhe dava tostão sequer. Nem carecia. Beijava-a com paixão e ternura. Oferecia-lhe flores. Ela? Saciava-se com seus afagos, sua brandura, seu enlevo. Assim sendo, supõe-se que a mulher ansiava por mais intensa quentura, diversa da que lhe ofertavam os que lhe pagavam em moeda. Distinta também da que o indolente parceiro legitimado no cartório lhe concedia.
Se Vicente Pereira, o legítimo esposo, sentia-se enciumado?... Podia ser que tivesse era inveja do outro, do qual Ana Thereza recebia o de melhor. Assim sendo, entendeu-se marido traído. Em defesa da honra, tudo era permitido, ora... Até mesmo usar de sua força de macho para cobrir a mulher infiel de pancadas. (E ainda há quem suponha isso permitido ser.)

EM - CONTOS E CASOS - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

O Prédio (excerto 5) - SUSANA PIRES

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Sinto a cidade suja, despida de gente, sem o décor dos corpos e cores, garridos casacos de flanela aquecendo o cais. A cidade entristece o vazio, cansada e envelhecida com rugas alusivas à ignorância cada vez mais à mão inclusa de um poder autoritário adverso e pouco ciente daquilo que, em história, tentamos conquistar e deixamos, estrangulando futuros, ziguezagueando soluções, sempre e infelizmente depois do enterro das ditas observâncias, cansado está o Governo.
Num talvez País à beira-mar esquecido, cada vez mais, pelos de direito e interceptado pelas vigilâncias coloridas dos airosos visitantes.
Devia ter-se pensado melhor nos outros - mercados - no vendaval de feição que todos são importantes ao crescimento económico, social, educativo, cultural.

EM - O PRÉDIO - SUSANA PIRES - IN-FINITA

sábado, 21 de janeiro de 2023

O palhaço Pantulfo X - JACKMICHEL

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Num rápido giro da varinha de condão do Mago Palpiteiro, o menino viu que voltara para casa e que estava sentado em sua cama.
Miguelzinho sentiu também que, em um dos bolsos de sua camisa havia um papel dobrado que ele, curiosamente, abriu e leu:
“Se sentir saudades, volte! Pois você já conhece o caminho! Assinado: Mago Palpiteiro.”
“Quem sabe, um dia!” Refletiu Miguelzinho.
Neste exato momento, ouviram-se passos: eram seus pais que, preocupados, abriram a porta de seu quarto e perguntaram:
“Por onde você andou, filhinho?”.
Miguelzinho, então, respondeu:
“Passeando pelo campo.”.
E entregou-lhes, como de costume, um besouro e uma borboleta.

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

A cruz haitiana (excerto 10) - IARA LEMOS

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O sabor do pão de argila comprado por poucas moedas pela freira, e que foi servido naquela manhã como um dos pratos principais do nosso primeiro café no Haiti é bem diferente dos pães caseiros da cozinha italiana. Crescido à base dos fermentos de batata, típico das receitas das “nonas”, é dele que Adorema lembrava quando perguntada sobre o que tinha saudade de sua infância.
“Aquele cheirinho de pão caseiro que impregna a casa toda. Bate tanta saudade”, afirmou, pensativa.
Ainda quando criança, a religiosa aprendeu o valor de degustar uma boa alimentação. Herança da família de descendentes de italianos que ela deixou em Faxinal do Soturno, cidade gaúcha pertencente à Quarta Colônia de Imigração Italiana, na região central do Rio Grande do Sul.
Adorema sabe que, se cuidar do que come, a saúde agradece. É essa uma das missões que a freira, graduada em Enfermagem, busca levar aos haitianos desde meados de 2006, quando se mudou para o país “de mala e cuia”, como ela brinca, fazendo uso de uma expressão típica do Rio Grande do Sul.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 10) - C. GONÇALVES

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– Se precisares de alguma coisa, liga-me – coloco as mochilas no porta-bagagens do carro do Miguel – não te esqueças que a Carolina tem a festa de aniversário da Matilde, amanhã às 15:00, o Martim tem o medicamento para as alergias na bolsa da mochila e...
– Até parece que não sei tomar conta dos miúdos Ana, podes parar? – o Miguel olha para mim de esguelha.
– Não fui eu que me esqueci do aniversário do Rodrigo...
– Tu então és perfeita, nunca te esqueces de nada...
– Agora não Miguel... – digo agastada com tudo isto – mas temos de falar... já sabes mais alguma coisa acerca do outro assunto?
– Já, mas falamos depois, estou cheio de pressa, fica bem – ele entra no carro – domingo no sítio habitual.

Enquanto vejo o carro afastar-se, não consigo evitar uma angústia no peito. Os miúdos acenam-me e sorrio para não chorar. Sinto-me tão triste nessa hora, que faço o caminho até casa da Sara, cabisbaixa e sem ânimo. É sexta-feira, o costume…

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terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O Prédio (excerto 4) - SUSANA PIRES

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Como se existisse naquele sótão uma janela pequena aberta para o mundo, esta minha nova Alma, trazendo o cheiro outonal, aos cantos do apartamento, onde o suporte musical enlaça nas ombreiras das portas a feminilidade da tua erótica passagem, sinto-te tanto.
Espasmos ecléticos em horizonte, pássaro viajante ou vento em trovoada de segmentos que infinitamente sacodem as incertezas grandes, mascaradas de sociedades vis.
Não existe razão contigo. Que luz me iluminaria nas ausências vazias de todo o meu ser?
Os dias vagos nos espaços entre os pensamentos, o último sabor do café tomado junto ao mar. Na maresia que os socalcos das encostas não fustigaram os segredos nem o porte das gaivotas dançando no areal, esta cantiga geográfica que nos traz em ombros, numa paisagem espiritualmente ímpar.

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Menina morta (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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Do incêndio ela nunca se nunca esqueceu. O quarto ardente. A lamparina acesa. O cheiro do querosene. O negror da fumaça. A irmã caçula a dormir na rede. Estava ela aos oito anos de idade. A irmã, um bebê de seis meses. Anoitecia. O pai andava por aí. A mãe, com as irmãs mais velhas, havia ido à missa. Ela separava roupas para alisar com um ferro a brasa. As que a mãe deixara em cima da cama. No dia seguinte, quando a mãe pusesse fogo no forno para assar as quitandas, a irmã mais velha pegaria as brasas para o ferro de passar. Em tempo algum, ela entendeu direito como foi. A irmã caçula ameaçava acordar. Ela balançou a rede para ninar a criança. Esbarrou na lamparina. De repente, um fogaréu. O querosene derramara nas roupas em que ela mexia. A fumaça preta subia. O fogo ardia. A rede. A menina. Havia sido assim?

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palavras exibidas - FLÁVIO ULHOA COELHO

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Vez, em uma conversa amigável, o interlocutor do Thio Therezo disse, sem pestanejar, que "a moda é a expressão máxima da individualidade..." O Thio pensou, pensou e pensou, mas não conseguiu evitar de ter pena das palavras. Coitadas, elas se submetem a cada coisa para poderem aparecer em uma sentença...

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

O palhaço Pantulfo IX - JACKMICHEL

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A alegria, agora mais do que nunca presente, estava personificada nas muitas carinhas dos palhaços risonhos e falantes:
“Eu sou o palhaço Pano-pano.”
Disse um palhaço de pano.
“Eu sou o palhaço Palhudo.”
Disse um palhaço de palha.
“Eu sou o palhaço Pezilano.”
Disse um palhaço de madeira.
“Eu sou o palhaço Pife-Pafe.”
Disse um palhaço de plástico.
“Eu sou o palhaço Pelufo.”
Disse um palhaço de miçanga.
“Eu sou o palhaço Polemar.”
Disse um palhaço de papelão.
“Eu sou o palhaço Pifalho.”
Disse um palhaço de areia.
“Eu sou o palhaço Polemin.”
Disse um palhaço de ferro.
“Eu sou o palhaço Pé-de-Vento.”
Disse um palhaço de lã.
“Eu sou o palhaço Pulogiro.”
Disse um palhaço de vidro.
Quando o último palhaço falou, mais do que satisfeito, Miguelzinho desejou voltar para casa e o seu desejo transformou-se em realidade.

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domingo, 15 de janeiro de 2023

A cruz haitiana (excerto 9) - IARA LEMOS

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No Haiti, o popular pão de argila e farinha, e não raras vezes só de terra, é batizado de “kabichá”. Nas minhas longas preparações para o primeiro desembarque ao Haiti, li várias reportagens em que os meus colegas jornalistas, tanto brasileiros quanto estrangeiros, contavam sobre o pão de argila que os haitianos usavam como alimento rápido e barato. Nenhum, contudo, explicou como era o sabor daquela “iguaria” caribenha, “assada” sob o sol forte, geralmente no chão. Naquela manhã de sol intenso, depois de ter acompanhado a produção de perto, eu estava experimentando o famoso kabichá (também conhecido como “argile”), que é quase como um símbolo da pobreza haitiana.
Saí inteira daquela experiência, ao menos no momento. Duas semanas depois, voltei para casa, no Brasil, com uma infeção intestinal que resultou em quatro quilos a menos. Teria sido do pão de argila? Não creio. Avalio que foi uma composição de diferentes fatores, especialmente relacionado com a água sem tratamento que consumimos.

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sábado, 14 de janeiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 9) - C. GONÇALVES

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Nem tudo é mau na minha vida. Ou complicado. O escritório de advogados onde trabalho, fica no Parque das Nações, perto de casa e da escola. Consigo levá-los e chegar ao escritório antes das 8:30. Dá-me algum jeito, e principalmente, consigo ir buscá-los relativamente cedo. Hoje, sinto-me particularmente descontraída; os meus pais vão buscá-los para jantar e não preciso andar a acelerar todo o dia. Fazem isso todas as segundas-feiras. Adoram estar com os netos, e sei, que sobretudo, querem aliviar-me da carga horária que tenho todos os dias. Aproveito sempre para cuidar um pouco de mim, ou para simplesmente beber um café à beira-rio, colocar as ideias em ordem.

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

O Prédio (excerto 3) - SUSANA PIRES

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Nas variantes sonantes de se ter conhecido gente, no nome das coisas, no impercetível dedilhar de mãos que tocaram o piano, o copo em reflexo de corpos, avesso de pessoas de porte e gesto visceral. Cenários oxigenados de paisagens carregadas de cheiros sem teto. As paisagens nunca têm tetos florindo nas calçadas, capas de feiticeiros cobrindo estrangeiros de fantasia. Levianos em surrealismos, bancos de jardins despertando o sol desabotoado pelo casaco vermelho, perdido no bafo do cumprimento, na última hipótese de encontro.
Trouxe-o comigo, na pele, por o ter tocado, não sei a quem pertence, inalo nele a exaustão dos corpos, tropeços de encontros no Bairro Alto, vozes cantadas pelos segundos plurais das peles, a juventude, um todo em sorrisos.
O cheiro dos livros, nas livrarias abertas ao mundo, pequenas, outras atrevidas de recantos, conteúdos encadernados, grossos de estórias, papel ligeiro suave, encandeando os imaginários terrestres e outras narrativas além de sílaba, de verso, de parágrafos suspeitos pela menina de olhos verdes e cabelo ruivo, facilitando fantasias aos leitores.

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Conto de janeiro (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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Morrer, todo mundo um dia vai. Sempre ouvi. Mas, nesse dia, a frase feita, dita, ouvida, reouvida, atingiu de pungente meus ouvidos. Ou a mente. Ou a razão. Não fosse o coração. Essa história de morrer. Ser chorado por um bocado de gente que está pensando em como deverá ser distribuído seus pertences, quanto vale a casa onde você mora, quem vai ficar com aquele relógio de ouro que havia sido do avô... Ser levado para a morada final dentro de um caixote de madeira todo fechado é de mexer com a ideia. Razão. Mente. Não fosse o coração.
No fim da vida, o avô fabricava caixão. Segundo marido da avó perdera fazenda e meia jogando. De tudo. Bicho, baralho, loteria. Jogou até a sorte grande. A única sorte grande saída na cidade em toda sua existência. Se sonhou ganhar, sonhou, de sempre, desde. Quando se casou com a avó, de dote levou cinco filhos e fazenda inteira a menos de légua da cidade. A mulher nada levou a não ser dois filhos do primeiro marido e duas mãos danadas de boas para fazer quitanda. Enquanto o avô desapossava gado, pasto, roças de milho e de mandioca, a avó cuidava dos cinco filhos dele, de seus dois e das cinco filhas que vieram a ter. À família, deu de comer e de vestir com a mão na massa.

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e o jogo de bocha (excerto) - FLÁVIO ULHOA COELHO

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Além de exímio jogador de Bocha, Thio Therezo é um profundo estudioso desse fascinante jogo. Desde suas origens históricas, e o Thio assessorou muitos arqueólogos nessa busca, até as influências socioculturais do jogo na sociedade moderna (o Thio descreve, frequente e divertidamente, a versão do Bocha Erótico, muito em voga nos delirantes anos 60´s), nada escapa ao seu arguto olhar quando se trata desse jogo. Sim, o Thio é o expert mundial nesse assunto.
Nem por isso, e aí devemos sempre lembrar da satânica inveja que frequentemente corrói os seus inimigos e o alcance de suas ações, o Thio fez parte da equipe brasileira que ganhou o campeonato mundial de Bocha em 2006, momento de auge do esporte nacional, só comparável, ao ver do Thio, ao penta do futebol ou às medalhas de nossos atletas no salto triplo. Sabemos todos o quanto não participar dessa conquista rendeu de sofrimento ao Thio, mas, justiça feita, ele foi o torcedor símbolo da equipe, mesmo à distância. E, no fundo, os campeões mundiais, seus chapas do dia a dia, reconhecem que, sem o decisivo apoio do Thio, mesmo nos bastidores, não teriam chegado a essa glória. Humilde que sempre foi, o Thio os proibiu de sequer mencionar isso em público para que essa importante vitória esportiva não fosse maculada pelas vozes de seus eternos detratores. Ele bem sabe o que faz.

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quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

O palhaço Pantulfo VIII - JACKMICHEL

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Miguelzinho disse ao mago que já havia visto aqueles palhaços; mas, que agora, eles pareciam ter se multiplicado ainda mais.
Então o mágico explicou ao menino que, todas as noites, ele trabalhava na confecção de palhaços; por isso, eles se multiplicavam cada vez mais.
Então, Miguelzinho pediu ao mago:
“Por favor, faça com que todos esses palhaços criem vida!”.
“Seu pedido é uma ordem!” Respondeu o mágico.
E, quando a varinha girou, a vida ali chegou!

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