sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Cangalha do Vento (excerto XXIV) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Saibam do autor neste link
Conheçam a In-Finita neste link

Foi ao anoitecer do último ano de dependência político-administrativa do Junco, visto que já havia um movimento em torno da emancipação do lugar, ano de muita seca, o prefeito de Inhambupe procurava um lugar para cavar um açude. Alguns achavam uma loucura sem igual o cavar daquela aguada e outros pensavam que o povo de Inhambupe queria acabar com o Junco porque quando enchesse aquele açude, seria tanta água que o lugar seria inundado. Pois eis que, quando procuravam um lugar para cavar o açude, descobriram petróleo. Os homens da Petrobras vieram estudar o caso, acamparam por aqui, trazendo movimento para o arruado. Mas não havia por onde os carros da empresa trafegar e os homens abriram clareiras e fizeram mais uma estrada, dessa feita larga, para trafegar carros e caminhões, não como a que havia antes que servia só para levar o gado para as soltas dos tabuleiros e para o transitar de carros de bois.

EM - CANGALHA DO VENTO - LUIZ EUDES - IN-FINITA

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

O tiro - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link

O mar o atrai. Entrou, olhos fixos na imensidão. O sol a pino lançava
chispas ao céu, que se refletiam sobre as águas transparentes,
ofuscando-lhe a visão e a mente.
O homem se lembrou de quando conheceu o mar. Era um
domingo e ele, menino ainda, fartou-se em banhos e caranguejos.
A primeira vez que se vê o mar, com seu cheiro bom, suas ondas,
sua cores, guarda na lembrança, na pele, no coração, o deslumbramento.
Risadas soltas, brincadeiras e correrias absorvem a atenção dos
banhistas. A primeira onda alcançou-o e ele não teve dificuldade
em saltá-la. A segunda quis derrubá-lo com violência. Tentou
firmar-se, mas o chão parecia escapulir. Não pode evitar a queda.
Um tiro ecoa no ar e um corpo ensanguentado torna-se visível
na areia. De repente as águas, sempre verdosas, são tingidas de
vermelho. Olha para os lados, para trás, para frente, para o verde
do mar, tentando fugir da imagem do corpo estendido no chão,
do sangue escorrendo... O estampido ainda ecoa em seus ouvidos
e a retina teima em manter o registro da imagem.
Como naquela canção que toca no rádio, olhou o corpo no
chão e fechou a janela de frente pro crime.

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Tens que aguentar (excerto) - CLÁUDIA CAROLA

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link

Nunca tive muita empatia por crianças, não era daquelas jovens
que desde sempre sonhava em ser mãe, que já sabia o nome da
criança se fosse menina ou menino. Durante a minha juventude
disse muitas vezes que eu seria uma mulher independente, sem
filhos e sem casamento.
A vida, no entanto, tinha outros planos e aos vinte e quatro
anos estava casada com uma filha a chegar. Tive a gestação mais
tranquila que se pode ter, trabalhei até o fim, engordei pouco e
me sentia bem, apesar de ter passado o verão de 2003 grávida,
não me custou nada. Eu me sentia mais pesada e cansada, mas
nada daquilo que ouvia de outras pessoas com enjoos e afins.
Achei que, afinal, não havia nada a temer e que tudo era menos
complicado do que pensava…
Foi com esse espírito tranquilo que numa madrugada, por
volta das seis e meia, acordei o meu marido para irmos para a
maternidade. E foi nessa manhã que tudo mudou…
As dores começavam a apertar e eu achava que não iria aguentar.
Quando estava perto do nascimento da criança, chamaram o meu
marido, pensei que seria mais fácil com o seu apoio, estava errada.
A única coisa que eu dizia era que: “Dói, isto dói muito!!!”, ao
que o meu marido se limitou a responder: “És uma medricas! Tens
que aguentar.”.
Aquela frase dita com uma frieza que jamais esperava de quem,
era suposto estar ali para me apoiar, me deixou sem chão. Depois
disso, retraí tudo o que sentia: a ansiedade, as lágrimas, as dores
e nada mais disse.
Quando a colocaram em cima de mim não me controlei mais
e chorei, o meu corpo começou a tremer como nunca tremera
antes. Sei hoje que era o libertar emocional de tudo o que tinha
bloqueado até a criança nascer, mas na altura nada sabia. Não
conseguia controlar o corpo, como se estivesse na rua em pleno
mês de dezembro com frio e totalmente despedida. Foi algo que
só anos mais tarde consegui estudar e entender/perceber aquela
reação, que igualmente passou despercebida ao meu marido.

EM - MÃES - COLECTÂNEA - IN-FINITA

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Cangalha do Vento (excerto XXIII) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Saibam do autor neste link
Conheçam a In-Finita neste link

Ir à Fazenda Baixa Funda, os descendentes de seu Aristeu não iam, mas ao Oca Toca todos gostavam de ir. Fernando era frequentador do bar. Aprendeu a conviver com a noite e os notívagos nas suas idas ao Clube Social Oca Toca. O seu pai era amigo de Zé Grosso desde a época em que ele ligava o motor da luz, isto num tempo em que o Junco era iluminado das seis da tarde às dez da noite por um gerador a óleo diesel e era o festeiro Zé Grosso quem o ligava e desligava. Nas noites de festas era um tal de pede-pede ao velho trompetista, com promessas de cerveja farta nos eventos que aconteciam, por vezes no Matadouro Municipal, em outras na velha praça empoeirada, quando os músicos tocavam sobre a carroceria de um caminhão.

EM - CANGALHA DO VENTO - LUIZ EUDES - IN-FINITA

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

A pandemia - SARA TIMÓTEO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link

Era o tempo em que as coisas morriam; ele via divagar pelo velho
rio cinzento os troncos arrancados ao chão da lezíria, bem como
as gaivotas envenenadas que arquejavam, moribundas, sobre as
ilhas de plástico que quase pareciam belas sob a luz cinzenta da
tarde eterna.
Nesse tempo falava-se de uma pandemia, algo que havia mudado
o bom curso da natureza das funções animais, humanas e
vegetais. Dos minerais não se conhecia história desalmada de perdas
e nem notícias deles havia, exceto daqueles que se calcavam
por via da labuta dos dias.
Era o tempo em que as coisas morriam. O nascimento era,
agora, reservado aos muito ricos, os únicos a conspirar para alcançar
uma velhice onde se alquebravam e enlouqueciam, vertendo
líquidos e sólidos sem memória das funções do corpo e destituídos
da glória alicerçada em feitos passados.
Pandemia outra não conhecera que não a da ganância humana,
uma ambição desmedida como uma fúria sem dono. E também
ele estrebuchava, animal, quando o desejo o possuía como uma
corrente alterosa de fraqueza e lume.
Morria, sabia-o com todo o unto que lhe desgrenhava os cheiros
e texturas do corpo. Era uma não-memória destinada a perecer à
sombra do dia esculpido pela fome.

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Cangalha do Vento (excerto XXII) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Saibam do autor neste link
Conheçam a In-Finita neste link


O incómodo residia em presenciar toda aquela situação de abandono e dor. É verdade, é muito doloroso ver a sua história sendo devorada pela ação impiedosa do tempo a devastar todo um passado de alegria, de amor, de luta, de trabalho e de vida. O tempo estava a ser implacável e a transformar tudo num futuro de abandono e dor. 
– Não, não virei mais aqui. Nunca mais. Não posso ajudar a alimentar os fantasmas que habitam neste espaço. 
Voltaram à cidade. Café levava fotos, Fernando culpa, e José Paulo as dores da lembrança. 
Aquele sentimento de culpa estava muito forte e violento em Fernando. Não deveria ter levado o seu pai a visitar a Fazenda Baixa Funda. Sentia remorso por ter feito aquilo. Precisava sair para arejar os pensamentos.

EM - CANGALHA DO VENTO - LUIZ EUDES - IN-FINITA

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Evasão - SANDRA RAMOS

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link

Todos os dias as mesmas rotinas: limpeza, distância, contenção.
Todos os dias o foco nas notícias: contaminados, curados, mortos.
Todos os dias a ligar aos meus, aos que prezo, aos que amo.
Todos os dias, sabe-se lá por quantos mais dias...
Saio para o trabalho, e a cidade está deserta.
Como na música dos Ornatos, afinal:
“Ouvi dizer que o mundo acaba amanhã e eu tinha tantos
planos para depois…”
O mar não fechou, por isso saio, cautelosamente.
No porta-luvas um salvo-conduto para o trabalho.
Sigo paralela ao rio, nessas estradas vazias.
Impassível, o Tejo corre, os pássaros voam.
E eu, condutora em quase domingo, sigo,
enquanto saboreio o som da natureza em descanso
dos carros, do barulho, das vociferações humanas.
Entro num edifício cheio de ausências.
Desinfecto novamente as mãos.
As tecnologias permitem-me trabalhar,
colocar num ecrã os rostos e as vozes com quem usava
partilhar os dias.
Assim passo o dia, na solidão física, no contacto de espírito
e almas.
Almoço o que trouxe de casa, que já não há onde comer,
nem restaurantes, nem cafés.
A máquina dispensadora da empresa há muito que prescreveu.
Saio para a rua, só, entro no carro, naquele local, ao sol,
escolhido criteriosamente na vastidão do parque.
Acondiciono o corpo no banco reclinado.
As pernas esticam-se, procurando o sol.
Embalo a alma com as folhas do livro.
Sigo adiante, inebriada pelo vento que trespassa as janelas.
Adenso-me na trama, distraidamente afago o cabelo,
reponho o desinfectante.
Levam-me ao Tarrafal, sinto o calor húmido, as águas fétidas.
As agonias dos homens que sofrem,
as mulheres de crianças nas costas,
que trabalham por entre o pó.
A dor, a doença, a involuntária contenção.
Fecho o livro, incapaz de abarcar mais desgraça.
Fecho os olhos, foco sem pejo, sem medo, directamente o sol.
Encandeada, face a ruborizar, deixo que o calor me inunde,
me relaxe, me leve sem resistência,
numa consciente e progressiva inconsciência,
Em que o som se afasta, languidamente,
o discernimento é paulatinamente ofuscado,
Como naqueles dias de praia,
em que me estendia ao sol, o astro queimando-me a pele,
Eu numa indolência crescente,
saboreando a onírica e tão desejada,
Evasão.

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Estava escrito (excerto) - ROSE PEREIRA

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link


Tinha medo de me tornar mãe de menina. A ausência de proteção
e confiança, imprescindíveis na infância, me fez acreditar na
incapacidade de resguardar uma vida desde o nascimento, principalmente
se acaso gerasse em mim um ser feminino.
De toda forma, os seios lambuzados pelas lembranças, definitivamente
não alimentariam este pecado. E no conflito entre ser
mãe, não desejar ter filhas, doente de alma, suplicante de fé, meu
ventre germinou.
Nasceu meu primeiro menino, conforme anunciado em sonho
poucos meses antes: no castelo, erguido sobre nuvens no céu, um
jovem arrumava o cabelo em frente a um espelho. Vestia uma
túnica preta e trazia consigo o livro sagrado. Virou-se, abriu as
portas duplas da entrada, um caminho de luz direcionava seus
passos... e eu ali, admirada, sem conseguir ver seu rosto e sem que
ele notasse minha presença. Sumiu em meio a abóbada celeste.
Vaguei na muralha de pedra, sentindo as contrações daqueles instantes,
e de repente, uma senhora apareceu e me disse: “É Gabriel!
É Gabriel.”
Ele cresceu como um verdadeiro anjo, cercado dos cuidados
que minha pouca maturidade soube conferir. A luz, contudo, o
guiou sempre e fez dele um bom filho, um profissional atencioso,
um esposo dedicado, um pai amoroso, um cristão a serviço de
Deus.
A segunda gestação veio quinze anos depois. Meu subconsciente
ainda afirmava os mesmos medos. Que fosse saudável, mas
que não fosse menina! Não consentir que outro feminino sofresse
as mazelas da vida, se tornou um comprometimento moral,
e minha culpa aliviava somente depois do nascimento. Então,
Guilherme nasceu.

EM - MÃES - COLECTÂNEA - IN-FINITA

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Cangalha do Vento (excerto XXI) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Saibam do autor neste link
Conheçam a In-Finita neste link

Já havia muito tempo distanciando-os daquela terra onde cresceram todos. Aquela terra antiga na Fazenda Baixa Funda, cuja história da família tivera início com a chegada do antepassado Paulo Vieira de Andrade, que aportou no Junco no remoto ano de 1875, vindo de Bom Conselho, atendendo ao chamado do seu compadre, João da Cruz. Esse Paulo Vieira, que era avó de Aristeu, o Galego, e bisavó de José Paulo, Israel, Fernando, Juvêncio e todas as meninas e outros irmãos. 
O último que tentou manter a terra foi Juvêncio, ao regressar da sua empreitada no sul. E a luz voltou a brilhar naquela casa, agora com toalhas brancas a forrar as mesas, vasos de plantas, xaxins de chorão e samambaias pendurados nos alpendres a decorar a entrada da morada, pés de buganvílias trepando pela cancela e no rol, à sombra do pé de flamboyant, a cadeira de balanço do velho Galego, devidamente reformada, onde ao final de mais uma jornada de lides rurais Juvêncio balançava-se com o olhar perdido no horizonte a observar mais um dia que se encerrava tingindo o céu de escarlate.

EM - CANGALHA DO VENTO - LUIZ EUDES - IN-FINITA

sábado, 6 de fevereiro de 2021

Cangalha do Vento (excerto XX) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Saibam do autor neste link
Conheçam a In-Finita neste link

Contou ao filho sobre aquelas manhãs. Os velhos cajueiros, quem sabe estariam lá? Ele levá-lo-ia para ver um dia. Tudo parecia mais claro naquelas manhãs. O pai, circunspecto, vigiava os irmãos e as irmãs que, quando folgadas do serviço de casa, brincavam de roda, ou agachavam rindo com mexericos, ou pintavam o rosto com o cuidado de não parecerem mulheres da vida. O velho Aristeu consentia, sabia que a mulher deveria ter sua vaidade, não queria ser um bronco como o pai fora.
– Todas as coisas que te digo, meu filho, fazem parte de ti. Por isso é bom ouvir as coisas do passado, pois um dia terás um para contar também aos teus filhos.

EM - CANGALHA DO VENTO - LUIZ EUDES - IN-FINITA

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

ADRIANA MAYRINCK FALA DE... POLICROMIA PARA CEGOS

O tempo. A vida. A invisualidade. A poesia. A imortalidade. E tudo o que envolve e está inserido nesses elementos, o livro POLICROMIA PARA CEGOS traz em todo o contexto da obra e além das entrelinhas. Um trabalho bem elaborado e lapidado por quatro mãos. As mãos que direcionam as palavras que bailam na não visão, mas que fazem ecos no sentir. A percepção dos poetas que atrevem-se a vivenciar experiências que não lhe são comuns para despertar a atenção para aqueles que nos rodeiam e diferem por estarem em paralelo e, ao mesmo tempo, em um mundo íntimo e desconhecido para nós, que temos um sentido a mais.

A liberdade de expressar o que supostamente é percebido de um modo diferente, em forma de poesia, com palavras utilizadas em completude e sintonia por dois poetas que fizeram da arte da escrita, e de vivências distintas, uma pequena e significativa obra que enternece e alimenta a alma, a cada página virada. O lirismo que escorre por entre as linhas e por nossos olhos úmidos, ao depararmos com a harmonia e a leveza poética de um estado não comum em nosso pensar. Perceber o outro, a vida e os seus significados além do que se vê. Entrar em um mundo tão particular, se deixar ficar, explorar e vivenciar sem pré-conceitos ou resistências.

Jesús Recio Blanco e Emanuel Lomelino mergulharam a fundo nessa escuridão que antevê a luz, a sensibilidade do olhar para o que não se vê, o tempo de construção poética, a arte intrínseca no mundo que se faz descoberto sem a experimentação, a percepção do sentido do outro, com suas vivências, dificuldades, agonias e libertação, a essência individual na análise cotidiana e a visão de quem está do lado de fora olhando para o não comum, convida o leitor a apurar os sentidos e desnudar-se do habitual.

POLICROMIA PARA CEGOS fala do tempo com ou sem limitações, fala da vida interior, do seu transbordar e da lição que ela nos traz, fala dos invisuais e de suas percepções, fala da imagem de uma escuridão iluminada, das experiências do outro que se faz oculto por um limite imposto, da imensidão do sentir dos poetas, da solidariedade e atenção, fala das diferenças. Fala da arte das palavras, desde a imagem da capa, ao pulsar inerente de cada poema, que transforma o instante da leitura em um fio condutor para o despertar da imortalidade, de uma outra visão, a interior, que ultrapassa a última página.

DRIKKA INQUIT

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Danos irreparáveis - MARINA MARINO

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link

Liberdade

Maravilhosa sensação de ir e vir para onde se desejar;

Estado de ser e de viver de quem sabe que é dono do próprio
nariz;

Grau máximo de autonomia que se adquire ao longo da vida;

Mesmo entendendo não ser a liberdade totalmente real nesse
mundo, sua ausência causa danos irreparáveis à alegria.

Assim me percebo neste período em que o mundo estacionou
na contramão da estrada que me levaria à concretização de sonhos:

Murcha e sem alegria.

Como as plantas de minha varanda, eu também preciso ser
regada, nutrida, iluminada pelo Sol...

As viagens, os passeios, as risadas, os beijos que seriam dados,
nutririam a alma, é certo, mas nada acontece nesse inverso do
tempo.

Apenas o olhar, perdido na única paisagem possível através da
janela, ainda tem um quê de liberdade.
Mas também ele, o olhar, limita-se ao vazio que se tornou a
vida e não enxerga mais saída.

Sigo aqui, sob as algemas colocadas por esta parada obrigatória.
Arrumo gavetas, separo roupas, cozinho e me entupo com os sentimentos
que borbulham dentro de mim.

Bagunça interior é bem difícil de se arrumar...

A estrada vazia, as ruas vazias, os cachorros irreconhecivelmente
silenciosos, a vida vazia.

Aprendi a te valorizar exatamente no momento que te perdi,

Todavia, me proponho a reencontrar-te, de preferência aqui
dentro de mim e, mesmo que os dias lá fora sejam cinzentos,
contigo meu colorido há de voltar,

Liberdade.

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Sabor de mãe: atos entrelaçados (excerto) - ROSA GONÇALVES

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Conheçam a IN-FINITA neste link


Com uma pitada de sabores, o ser mãe perpassa por etapas variadas
a fim de concretizar sonhos, carregar no colo e nos braços,
durante o percurso da vida, as suas proles.
Sou mãe de dois meninos. Na verdade, nem me imaginava
capaz de gerar outros seres. No entanto, tive o privilégio de ser
presenteada e de carregar no meu ventre, os meus amados e eternos
filhos.
No dia em que me vi mãe, pela primeira vez, houve uma mistura
de emoções e de sentimentos mesclada com medo. Estava
com 26 anos e cursava o último período do curso de Letras. Descobri
a gravidez no quinto mês da gestação, quando precisei mudar
minha rotina.
Em 1999, nasce o meu primeiro filho. Ele trouxe muita luz à
nossa família. O brilho dos seus olhos, permitiu-me a certeza de
se tratar de um menino iluminado. Com apenas um ano e dois
meses, através de uma brincadeira com um alfabeto móvel de
madeira, comecei a ensinar ao Daniel o mundo das letras. Havia
muito amor envolvido. Por sinal, escolhi a palavra “amor” para
representar a letra “A”. Lembro-me que lhe falei: “Filho, este é o
‘a’ de ‘amor’”. Em seguida, embaralhei as letras e lhe disse: “Filho,
pegue para a mamãe o ‘a’ de ‘amor’”. A emoção se apossou de
mim quando a letra solicitada foi pega pela pequena mãozinha.
Passamos momentos de aprendizagem contínua, comecei a
comprar livros e a incentivá-lo para que os lesse. Aos três anos, já
era um pequeno leitor. As paredes da casa foram transformadas
em um ambiente alfabetizador cheio de letras, números e poemas.
E, é claro, também algumas paisagens desenhadas pelo meu filho.
Líamos, antes de dormir, os clássicos, dentre eles, os livros infantis
de Clarice Lispector e contos de Machado de Assis.

EM - MÃES - COLECTÂNEA - IN-FINITA

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Cangalha do Vento (excerto XIX) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Saibam do autor neste link
Conheçam a In-Finita neste link

José Paulo estava alegre como no dia em que pegou dez castanhas no paiol do pai e plantou no quintal de casa dentro do roçado do feijão de corda. Nasceram dez pés de caju e as formigas cortaram dois deles, mas isso não o impediu de, alguns anos depois, colher frutos amarelos e saborosos nos outros oito cajueiros. Com os cajus José alimentava os porcos e as castanhas ele deixava por uma noite dentro de bacias com água ao relento para que na manhã seguinte estivessem mais pesadas. E antes que o sol se encarregasse de esquentar as manhãs com os seus raios fúlgidos, as castanhas eram ensacadas e levadas para comércio no trapiche do primo João.

EM - CANGALHA DO VENTO - LUIZ EUDES - IN-FINITA