sexta-feira, 26 de julho de 2024

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 4 – Emanuel Lomelino

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30-04-2024

As nomeações para cargos públicos são, sem sombra de dúvida, momentos que retiram credibilidade à classe política.

Por mais argumentos que sejam usados, tanto pelos membros do governo ou da oposição, fica cada vez mais claro que os posicionamentos assumidos pelas partes defendem os interesses dos diferentes quadrantes ideológicos em detrimento daqueles que poderiam beneficiar as instituições e/ou a nação.

A velha máxima “jobs for the boys” transformou-se na forma privilegiada de conduta, transversal a todos os partidos e nenhum deles parece dar valor à competência. Depois, quando confrontados com permanentes irregularidades administrativas, todos sacodem a água do capote e recusam assumir as suas, inequívocas e óbvias, responsabilidades.

EMANUEL LOMELINO

Compromissos de Abril (excerto) - Joel Balsinha

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Passados 50 anos de um Portugal inacabado, falta nos tempos atuais, não esquecer a história, as memórias e a responsabilidade, independentemente das heranças, no cumprimento dos direitos e obrigações para um país livre, democrático, mais justo e igualitário. Cabe a cada um de nós acreditar, assumir e honrar que nada foi em vão e que é possível um mundo melhor, sem esquecer a diversidade, individualidade e pluralidade de um todo. É fundamental uma homenagem aos Capitães de Abril, heróis da Revolução, merecedores da nossa gratidão renovada, nesta data carregada de simbolismo, embebida num espírito jovem de aspiração contra o populismo, as desigualdades, a corrupção, o medo e o ódio.

EM - LIBERDADE - COLETÂNEA - IN-FINITA

Horóscopo - Sandra Regina de Souza

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ele é canceriano, diz. Ele diz coisas que me lembram o mar. A doçura das águas que salgam as lembranças... Ele é canceriano. Gosto dessa coincidência zodiacal. Leio no jornal todo os dias: Câncer. Não sei por que ele às vezes me parece melancólico. Mas ele é canceriano. Ou seria de Gêmeos (sempre a noticiar mistérios e mazelas alheias)? Já ouvi dizerem que é Virgem (de tão meticuloso), Leão (indomável e generoso). Prefiro acreditar nos astros: na astrologia somos feitos um para o outro.

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quinta-feira, 25 de julho de 2024

Contos que nada contam 3 (Livre-arbítrio) - Emanuel Lomelino

Livre-arbítrio

Quando Júpiter, Thor e Zeus fizeram ribombar os céus, todas as divindades decidiram lançar, sobre a Terra, a promiscuidade para que os humanos fossem livres como os deuses.

Mas de boas intenções, Plutão, Hades e Hel, estavam cheios, por isso acrescentaram livre-arbítrio à enxurrada divina, na certeza de que isso originaria conflito entre os mundos celestes e terrenos.

Então a humanidade sublevou-se e decidiu fundar outras religiões e dirigir os seus agradecimentos, pelos poderes divinos, aos deuses recém-criados.

Os deuses originais enfureceram-se e formaram o maior exército de bestialidades alguma vez reunido. Ares, Marte e Odin eram os generais e tinham sob o seu comando Cérbero, Kraken e Minotauro, entre outras aberrações divinas.

Mas, com o livre-arbítrio em seu poder, a humanidade, que agora conhecia, de olhos fechados, o poder de Nirvana, nada temeu e tratou da saúde dos deuses, um a um, através de ludíbrio, engodo, embuste e promessa de memória eterna aos titãs Atlas e Prometeu, seus progenitores, Ásia e Oceano, e aos semideuses Hércules, Atena, Apolo, Dionísio, Baco e Perseu.

Muitas foram as maleitas que acometeram os deuses primevos através das doses de humanidade venenosa que lhes foram servidas em cópias de Santo Graal, forjadas pelos Ciclopes enganados por Minerva.

A história é longa e contém muitas outras histórias que não cabem aqui neste espaço. No entanto, deve ser dito que, apesar da artimanha montada, Plutão, Hades e Hel, cujas cabeças foram cortadas, tal como feito com Medusa, não escaparam à astúcia humana e foram substituídos por Lúcifer, o actual senhor das trevas que nos ensombram.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 8 - Emanuel Lomelino

Arthur Schopenhauer

Professor Arthur,

No estudo do seu manual “A arte de ter sempre razão” prescindi do conhecimento sobre todos os estratagemas quando me deparei com a descrição ipsis verbis de uma tese que, não tendo desenvolvido com a sua erudição, tenho articulado em alguns textos de minha lavra.

A conclusão óbvia é a constatação de que existem comportamentos transversais no tempo e que hoje (século XXI) a superioridade arrogante da humanidade em relação ao passado é tão evidente quanto ridícula. Mais ainda por ser falha de originalidade.

Saiba o professor que, por absurdo que possa parecer, essa conduta de rebanho que identificou no seu século XIX, qual epidemia, alastrou-se até aos meus dias, com a curiosidade de o meu diagnóstico ser exactamente o mesmo usado por si: tudo se deve à preguiça de pensar.

Sim, professor, ainda hoje basta que alguém advogue um conceito não comprovado, que logo será coadjuvado por alguns acólitos de ocasião e, como milagre bíblico, multiplicam-se na propagação da ideia porque, como disse, bem melhor que eu, a maioria prefere acreditar na falácia por preguiça de despender tempo a analisar a veracidade do conceito advogado, enquanto outros são naturalmente incapazes de formar opinião própria porque, para eles, é mais fácil morrer do que pensar.

Mero observador do mundo

Emanuel Lomelino

terça-feira, 23 de julho de 2024

Contos que nada contam 2 (O besouro) - Emanuel Lomelino

O besouro

A vida é um infinito encadeamento de instantes - acções que geram reacções. Por isso, quando um besouro emerge da sua tumba íngreme há pedras que rolam e empurram outras, rumo ao precipício. A minúscula avalanche que se forma assusta o gamo que começa a correr ladeira abaixo e atravessa uma estrada asfaltada, onde, no mesmo instante, passa um veículo que não consegue evitar a colisão. A violência do embate faz com que o condutor da máquina perca o controlo e o carro saia disparado, qual pássaro na primeira tentativa de voo, na ravina que ladeia a estrada. Após quatro mortais e três piruetas, a máquina estatela-se numa bola de fogo que, rapidamente se alastra ao bosque que aí existe. As línguas de fogo lambem, inclementes, toda a vegetação e chamam a atenção do peregrino que está a descansar no miradouro que existe do outro lado. Apesar do choque, essa alma boa mantém o sangue-frio e alerta as equipas de emergência que, imediatamente, ocorrem ao local dos sinistros. Na tentativa de apagar o gigantesco incêndio que se formou, um bombeiro, que nesse dia deveria desfrutar de folga, ficou inconsciente por inalação de fumo, e outro, que veio directamente do tribunal por causa do divórcio, sofreu graves queimaduras por ter tropeçado num pedregulho ocultado pela fumaça espessa. Lá no alto, ao deparar-se com o cadáver do herbívoro a servir de repasto a duas aves necrófagas, um polícia, que na véspera tinha assistido ao nascimento da primeira filha, chega à conclusão que não tem estômago e decide mudar de profissão. Depois de muito esforço para desencarcerar o corpo da viatura sinistrada, o chefe da divisão de trânsito reconhece o pendente e a aliança da vítima e entra em choque, precisando de atendimento médico.

As exéquias são celebradas dois dias depois da ocorrência, no cemitério que existe no topo da montanha. Estão presentes todos os que estiveram no local, com excepção dos dois bombeiros feridos, do recém papá e do chefe da divisão de trânsito que teve de ser internado com um esgotamento nervoso pelo falecimento do filho. Também está presente o peregrino que, coincidentemente, é o padre daquela paróquia e teve de cancelar a peregrinação. Ele assistiu a tudo desde o início e agora, que o corpo da vítima já foi enterrado, imerso em mil pensamentos samaritanos, os seus olhos veem um pequeno besouro que mergulha na terra recentemente revolvida, sem imaginar que tudo o que aconteceu foi apenas o resultado de uma corrente de eventos iniciados por aquele mesmo insecto.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 7 - Emanuel Lomelino

Mário Quintana
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Prezado Mário

Mesmo que os anjos voem de cabeça para baixo, por terem asas nos rabos, não há disformidade alguma que lhes retire o ar celestial e a inocência dos rostos.

E isto porque as divindades são seres de fino humor, tão sarcásticas quanto benevolentes, que usam artifícios forasteiros ao entendimento humano, só para que as tenhamos sempre presentes nos nossos raciocínios falhos.

Elas fazem tudo com hiperbólica premeditação, na certeza de que a razão que nos assiste não é suficientemente astuta para decifrar as teias com que urdem os passos que nos impõem.

Assim, nobre poeta, limitemo-nos a confundi-las com os nossos estros, amputados pelos cornos da criação. Quem sabe, desse modo, consigamos ficar mais perto de receber as nossas próprias asas. Mesmo que colocadas nos rabos.

Impiamente

Emanuel Lomelino

A lenda da senhora-menina (excerto) - Isabel Sofia dos Reis-Flood

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Da introdução e outros pensamentos
Eu cá sou o narrador desta história. Aquela da pequena aventureira que se ergueu do nada, para surgir num todo luxuriante coberto de sol e mar. Assim iniciou sua epopeia, com uma boa dose de bom humor mas sem nota de distração. Voo o tempo, esse seu companheiro de asas abertas e trouxe-lhe as vagas que apertam as ilhas de coqueiros fiéis aos seus habitantes, sejam a pedra, flor, animal marinho, terrestre ou esvoaçante, e deixou escapar por entre eles o mais célebre, o mais domesticado pela sua escala evolutiva e de um sapiens se tratou.

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domingo, 21 de julho de 2024

Contos que nada contam 1 (Reunião de condóminos) - Emanuel Lomelino

Reunião de condóminos

Com três batimentos cardíacos, o Coração assinalou o começo da reunião de condóminos.

- A pedido do Cérebro, vizinho das águas-furtadas, estamos aqui reunidos para decidir, de preferência, por unanimidade, quais as próximas remodelações a efectuar no nosso edifício. Devemos ter em atenção que, devido às actividades do passado, tanto os membros inferiores como os superiores já não têm a força e genica de outrora, são acometidos de constantes tendinites e, cada vez mais, sentem desconforto muscular. Os irmãos Olhos, que já sentem dificuldade em ajudar-nos nas letras miúdas, porque passaram os últimos anos a trabalhar em nosso benefício, precisam de vidros e a entrada de catering precisa de material novo porque o existente, que há muito foi reduzido, já não faz o trabalho nas melhores condições, para descontentamento do vizinho Estômago.

Ao que parece, embora não esteja tudo perfeito, os irmãos Pulmões, o vizinho Fígado, os Rins e a Dona Bexiga concordam que os problemas apresentados são realmente prioritários.

A reunião foi interrompida e adiada porque os Ouvidos fizeram-se de moucos, o empinado Nariz disse que tudo lhe cheirava a esturro, os Intestinos indignaram-se e borrifaram-se para os demais, e alguns neurónios decidiram fazer greve de zelo por ainda não terem recebido as horas extraordinárias referentes à reunião anterior.

Não se sabe em que data o assunto vai ser retomado porque está a chegar o mês de férias e a Pele não vai abdicar da oportunidade de ficar bronzeada.

EMANUEL LOMELINO

Domitília (excerto) - Raquel Naveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O piso assoalhado range um pouco sob meus pés. Em cada cômodo, pinturas, pedaços expostos da parede de taipa de pilão e pau-a-pique. Alguns canapés, o piano, a penteadeira e a pequenina cama da Marquesa, de madeira entalhada e florões, desnuda e sem dossel. 
A um canto, o quadro retratando Domitila, essa personagem fascinante. O vestido é de seda cor de pérola, com uma faixa trespassada, um broche em forma de medalhão perto do decote. Os cabelos dispostos em cachos negros de cada lado do rosto um pouco duro, de olhos escuros e enviesados. Quais os segredos dessa mulher? Que mistério há nesse sorriso de lábios finos? Que gestos teriam esboçado essas mãos agora pousadas sobre o colo de marfim?

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sábado, 20 de julho de 2024

Epistolas sem retorno 6 - Emanuel Lomelino

Adam Zagajewski
Imagem jornal i

Senhor Zagajewski,

Para mim a miséria não está à distância de um gueto varsoviano, tampouco no exílio forçado em Montmartre às expensas de compatriotas desvalidos. A minha penúria resulta da inexistência de mecenas, da liberdade, fraternidade e igualdade, dispostos a apoiar a criação de textos, tão desgraçados quanto eu. A indigência que transporto, e me verga, advém da minha origem ocidental, sem gene áfrico, oriental ou hebreu, como se os males do mundo nascessem desta costela caucásia. E para meu infortúnio, todas as palavras que garatujo, de alma limpa, serão interpretadas como fazendo parte do discurso de um privilegiado, mal-agradecido por ter visto a primeira luz da vida nestas terras soalheiras, à beira-mar plantadas. O pior é que as tendinites nos membros – por carregar sacos de massa e gesso cartonado – os dedos inchados - pelas marteladas falhadas, em buchas e pregos – e os cortes na pele – pelo ricochete dos estilhaços de betão – não atenuam a culpa que me outorgam por acreditar que estou longe de ser beneficiado.

Com sinceridade,

Emanuel Lomelino

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 3 – Emanuel Lomelino

Imagem 123rf

04-02-2024

A propósito da campanha publicitária da IKEA, e das notícias sobre as tentativas, de autarcas e governo, para que a mesma não visse a luz do dia, foram inúmeros os “analistas de ocasião” a usarem esse facto para “provarem” que não vivemos em democracia.

Infelizmente, tenho de alertar, os mais desavisados, que o conceito de democracia é incompatível com o gosto, ou percepção pessoal, de cada um. Antes, é um ponto de equilíbrio entre diferentes ângulos de análise.

Neste caso concreto, a democracia foi levada ao extremo. Uns usaram-na para efeitos de publicidade, com humor, sagacidade e oportunismo legitimo, outros usaram-na no seu direito de opinião.

A falta de democracia existiria se a campanha tivesse sido anulada pelos interesses de alguns incomodados. Ora, isso não existiu.

Alguns dirão: - Ah, mas a tentativa de censura existiu e isso é antidemocrático! – A esses respondo: - Tentativa não é facto. E atitudes antidemocráticas não significam ausência de democracia.

Deixemos de gritar “olhó lobo” por tudo e nada. Um dia o lobo aparece de verdade, ninguém acredita, e depois é tarde…

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 18 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 5 - Emanuel Lomelino

Machado de Assis
Imagem casavogue

Prezado Machado,

Confesso que só recentemente tive acesso a parte da sua obra, mas prometo embrenhar-me o mais fundo que puder, seguindo as recomendações de quem conhece milimetricamente o seu acervo.

Embora o primeiro contacto tenha acontecido em segundas núpcias – o mesmo é dizer: por ter trabalhado na adaptação de um livro baseado num dos seus romances de maior renome, “Dom Casmurro” – fiquei a conhecer um pouco das suas dinâmicas e fiquei com apetite de saborear a riqueza das letras que nos legou.

Entretanto, nesse pouco que consumi, encontrei um aspecto que nos une em pensamento. Tal como você, dei o melhor de mim para não transmitir a nenhuma criatura a miséria do meu tempo, e alegro-me por também ter conseguido ser bem-sucedido.

Expectante

Emanuel Lomelino

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 4 - Emanuel Lomelino

Agostinho da Silva

Mestre,

Sei que abomina a titulatura, no entanto, seja por defeito ou teimosia, o trato que lhe faço está relacionado com o meu conservadorismo literário.

Ao contrário de si, avesso aos epítetos hierárquicos, a maioria dos autores deste tempo não tem pejo em autonomear-se algo, mesmo quando estão longe de reunir os elementos necessários para merecer tais honrarias.

A situação chegou a um grau de desfaçatez tão grande que, aos meus pobres olhos, todos os títulos honoríficos deixaram de significar aquilo que representavam na sua origem, para ganharem valores depreciativos.

Coitados dos vates de outrora que, pelos trâmites de agora, passam a ser apenas mais uns quantos neste desfile carnavalesco, onde todos podem usar as máscaras que bem entenderem, fazendo-se passar por aquilo que nunca foram e jamais serão.

Sempre aprendiz

Emanuel Lomelino

terça-feira, 16 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 3 - Emanuel Lomelino

Jorge de Sena

Prezado Jorge,

Houvesse justiça divina – ou genérico – estaríamos agora a celebrar a unificação linguística lusófona, tal como foi possível partilhar autores maiores, em vez de nos deixarmos aprisionar pela amputação das regras básicas da fonética, como quem se resigna ao autofagismo.

Mas como apenas nos outorgaram legitimidade para expressarmos desacordo – porque todas as outras legitimidades foram-nos vedadas – restou-nos a possibilidade de manifestar o nosso posicionamento através da não aplicação das normativas impostas.

O mais chocante em todo este processo foi o alheamento, quase total, da comunidade literária, como se a uniformidade linguística não os afectasse directamente.

Infelizmente, os autores maiores – conhecedores da real importância da diversidade linguística - já se foram e, com vocês, também a força argumentativa que nos faltou.

Inconformadamente,

Emanuel Lomelino

Cravos de Abril (excerto) - Florinda Timóteo Miguel Dias

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Abril tão nova eu era, tinha no ventre, um filho a gerar e tinha em Angola o meu progenitor a trabalhar. Senti. Senti muito. Sim. Senti medo e senti amor. Acreditei na vitória e que em nada alguma vida, me podia falhar. A partir daí, só pensava que nada queria perder, só queria mesmo ganhar. Queria o meu filho a nascer e o meu Pai à Pátria com vida a voltar e poder pessoalmente o seu primeiro neto. Conhecer. Não foram fáceis os primeiros anos. Haviam. Soldados Haviam muitos soldados. Para à sua Pátria poderem com vida voltar e haviam famílias. Muitas famílias a chegarem com dificuldades, e ficarem com o nome de retornados. A pouco e pouco, tudo se recompôs, e agora passados cinquenta anos, (meio século) O tempo, passa a correr.

EM - LIBERDADE - COLETÂNEA - IN-FINITA

Uma conversa com o artista (excerto) - Polly D'Ávila

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Minhas pernas estavam cansadas de caminhar pelo enorme museu. Ao avistar o primeiro banco, resolvi dar uma pausa. Sentei-me. Levantei os olhos na direção de um homem com vestes escuras. Ele me observava. Eu já sabia quem ele era, muito famoso, por sinal, mas me fiz de desentendida, sem apresentar qualquer expressão peculiar. Ficamos alguns minutos em silêncio apenas olhando um para o outro. Vi sua face enrugada e iluminada, com olhos que, às vezes, se perdiam em um lugar indefinido. Ele também me traduzia. 

EM - ESSAS MULHERES - COLETÂNIA - IN-FINITA

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 2 – Emanuel Lomelino

 21-01-2024

Considero-me um cidadão de espírito aberto porque, mesmo nas questões em que não me revejo, consigo respeitar as convicções alheias. Mas também tenho um lado mais conservador que me incapacita de manter imparcialidade quando vejo a inversão completa de prioridades, em nome dos novos paradigmas.

Não há muitos anos debatíamos a possibilidade de incluir, nos programas escolares, a disciplina de educação sexual. Hoje discute-se a criação de equipamentos sanitários mistos.

Correndo o risco de parecer um “velho do Restelo”, concordei com a primeira, discordo da segunda. Por muito básico que pareça o argumento, pelo menos a primeira incluía a palavra educação… E essa não pode, em circunstância alguma, ser negligenciada.

Não havendo capacidade para solucionar todos os problemas em simultâneo, resolva-se primeiro o problema dos índices de aprovação escolar, ou corremos o risco de ver algumas gerações serem estupidificadas, bem ao estilo norte-americano.

EMANUEL LOMELINO

A revolução dos cravos - Francisco Silva

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Passavam vinte minutos e dezanove segundos, das zero horas do dia 25 de Abril de 1974, quando a senha se fez ouvir através da Rádio, era o sinal, o mote... para que os militares envolvidos nesta operação saíssem dos lugares de estratégica rumo à Capital. A primeira quadra de Grândola, “Grândola, vila morena / Terra da fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti, ó cidade. Era a Democracia a chegar pelas “vozes” das Forças Armadas. Trazida na esperança de quem idealizou e se preparava para derrubar o “regime”. Que desde 1933 governava Portugal. A madrugada mais apetecida, mais desejada estava a chegar. Era a “Revolução” que de forma pacífica, acabava com o Estado Novo. O povo português deixava de ter a voz embargada. Podia respirar de alívio, o direito à liberdade de expressão era vivido de forma entusiástica, cada cantiga de intervenção era uma arma. Gritava-se a plenos pulmões Liberdade... liberdade. 25 de Abril sempre. Viva a democracia. O Movimento das Forças Armadas. O fim da guerra colonial, a independência para Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e S. Tomé e Príncipe.

EM - LIBERDADE - COLETÂNEA - IN-FINITA

domingo, 14 de julho de 2024

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 1 - Emanuel Lomelino

 17-01-2024

Sou acérrimo apologista da liberdade de expressão e defendo que esta prerrogativa é universal, inviolável e ninguém pode ser impedido de a exercer.

Posto isto, mesmo não concordando com as causas patrocinadoras de algumas manifestações, que têm acontecido nos últimos tempos, não posso opor-me ao direito que assiste aos que nelas se reveem. E condeno todas as acções que violem esse direito.

Posso, sim, exteriorizar a minha preocupação pelo radicalismo que grande parte dos manifestantes demonstra, principalmente, ao reagir com fúria e, até, violência, contra quem tem opiniões distintas ou opostas.

Esse comportamento condenável só pode ter origem em uma de duas motivações – impor uma convicção, ou elitizar os direitos.

Seja qual for o propósito, ambos são completamente antagónicos à mesma liberdade que tem permitido a existência de manifestações, que não podem ser déspotas.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 13 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 2 - Emanuel Lomelino

Carl Jung
Imagem thesap

Prezado Carl,

Apesar de conseguir entender a generalidade dos argumentos usados em defesa da Teoria das Sombras, permito-me considerar que, em alguns casos, a aplicação seria bem mais nefasta do que benéfica.

Acaso previu a arbitrariedade intelectual do génio humano? Porventura, refletiu sobre toda a extensão interpretativa que a sua tese permite?

Lembro-lhe que a humanidade é heterogénea, logo, também engloba elementos com tendência para fazer leituras erróneas, interpretar de acordo com os seus interesses mundanos e desvirtuar conceitos, por mais claros e dogmáticos que possam parecer.

Dito isto, creio que aprofundar o conhecimento dos aspectos mais negros pode ser fulcral para que cada um possa conhecer-se melhor, no entanto, fazer uso permanente desse entendimento não garante a otimização do carácter de todos os indivíduos.

Com estima

Emanuel Lomelino

Liberdade um bem maior (excerto) - Fátima Pinto Camilo

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Importa passar aos mais novos, a mensagem de que até meados da década de setenta, Portugal era um país pobre e desigual, onde a maioria da população portuguesa vivia com parcos recursos financeiros, malnutrida, pouco informada e analfabeta, o que a tornava muito submissa e vulnerável.
Os trabalhadores tinham salários muito baixos, as férias remuneradas resumiam-se a alguns dias anuais, o descanso semanal era ao Domingo, e o horário de trabalho nem sequer se aplicava a algumas classes de trabalhadores. Os rurais, por exemplo, trabalhavam a terra de Sol a Sol.

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sexta-feira, 12 de julho de 2024

Epístolas sem retorno 1 - Emanuel Lomelino

Fernando Pessoa
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Caríssimo Fernando,

Sabes que a única semelhança, que detecto entre nós, reside na esquizofrenia que nos define. Tudo o resto nem cabe na mesma frase.

Pois bem, estive a reflectir e cheguei a uma conclusão definitiva (perdoa a redundância). Embora padecendo da mesma condição, ao contrário de ti, nunca tive a capacidade para me desmultiplicar e, só por essa razão, continuo a manter-me uno.

Para além disso, até na teoria do nosso deslocamento temporal comum tu levaste vantagem, uma vez que profetizaste o destino e alcance do teu acervo criativo (parabéns por isso), enquanto eu tenho de contentar-me em viver todos os dias que me restam com a certeza de que o meu lugar era num tempo que aconteceu antes mesmo de ter nascido.

Cada um com o seu fado.

Com admiração,

Emanuel Lomelino

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Diário do absurdo e aleatório 366 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

366

Esta é a última página do Diário do absurdo e aleatório, no entanto, é o primeiro texto a ser escrito para este projecto, que nada mais é do que um desafio pessoal ao nível dos exercícios de escrita que me habituei a criar.

Aliás, escrever estas palavras iniciais acaba também por ser um desafio, tendo em conta que estou a fazê-lo com um ano de antecipação e não faço a mínima ideia do rumo que a vida e este desafio terão levado.

Feita a introdução, deduzindo que não aconteceu nada impeditivo e haja alguém que tenha acompanhado as páginas do diário, as próximas linhas serão escritas como se estivesse a fazê-lo depois de publicados todos os restantes textos. Pelo menos para alertar sobre o desfasamento temporal entre a produção dos textos e a respectiva publicação nos blogues e sequente partilha nas minhas páginas das redes sociais.

Assim sendo, esclareço que a ideia deste desafio foi exercitar a minha capacidade de escrita em prosa, através de pequenos textos, de forma continua e disciplinada, mas sem grandes preocupações literárias ou estilísticas. Essas deixo-as para as minhas criações poéticas, que só veem a luz do dia quando publicadas em livro.

Não podendo dissertar sobre o conteúdo dos textos, mas sabendo quem sou, como funciono e penso, não tenho dúvidas que a maioria dos textos tem alguma ligação ao universo literário, e os livros foram o ponto de partida para muitos exercícios.

Por esta altura, completados os 366 dias de validade deste desafio, já devo ter mais algum em marcha, certamente não tão longo, mas também desafiador, bem do meu jeito.

Para finalizar, e uma vez mais na perspectiva de ter havido alguém a acompanhar as absurdas e aleatórias páginas do diário, agradeço todas as reacções, tenham sido comentários ou simples “gostos”.

EMANUEL LOMELINO