segunda-feira, 31 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 20 - Emanuel Lomelino

Imagem zenklub

Diário do absurdo e aleatório 

20

Odeio que façam algo em meu lugar, tampouco gosto de adjudicar trabalhos a terceiros, porque os “voluntários” e “solícitos” julgam que qualquer uma das situações faz de nós eternos devedores de um favor que nunca foi pedido, e por vezes até já foi pago.

Odeio as frases feitas porque são sinais de alerta para a presença de alguém que nada de novo tem para acrescentar, por preguiça de formular uma opinião própria.

Odeio as conversas de circunstância que só existem para expressar o quão insonsa é a comunicação entre os envolvidos e servem apenas para matar o tempo até que algo interessante aconteça a um dos intervenientes.

Odeio as perguntas que exigem uma resposta monossilábica, porque demonstram o completo desinteresse do questionador sobre o questionado.

Odeio os exaustivos e enfadonhos discursos, multitemáticos, proferidos na sequência de uma pergunta concreta e objectiva, como se a questão fosse abstrata e abrangente.

Odeio a falsa exacerbação dramática e a exaltação excessiva de regozijo, porque ambas padecem de exagero tão desmedido quanto desnecessário.

Odeio os elogios fáceis porque são os mesmos que fazem a outros. O elogio devia ser como um cartão de cidadão ou bilhete de identidade: pessoal e intransmissível.

Odeio tantos outros comportamentos de incoerência, mas não tenho tempo para detalhá-los como estivesse a compilar uma tetralogia sobre gente de múltiplas máscaras.

EMANUEL LOMELINO

A banda e a procissão (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

E-BOOK GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Santinha, desde menina, tivera paixão pela toada da banda. Começou pela mão do pai que a levava para acompanhar as procissões. A festa da Santíssima Trindade a deixava desassossegada. Os ensaios da banda começavam na primeira segunda-feira, após a Páscoa. Era preciso esquecer toda a tristeza das melodias quaresmais. O pai não perdia nenhum ensaio e, com ele, levava Santinha. A garota seguia as músicas iniciadas a qualquer compasso da partitura, coisa que lhe mexia com os nervos. O pai não ficava nem um pouco perturbado com os descompassos. Sentado na cadeira de sempre, acompanhava a cadência do som erguendo e baixando os joelhos. Ela não podia compreender por qual razão os músicos tocavam tanta música descabeçada, sem fim, sem miolo e, na hora da procissão, saía tudo bonito, do começo ao final. No dia da procissão mais importante da cidade, a corporação, impecável, uniforme limpo e bem passado, acompanhava a imagem do Pai Eterno. Santinha, seguindo de perto o seu pai, às vezes segurando-o pela roupa, meio à multidão devota, esquivava-se dos encontrões para poder acompanhar a banda bem perto do Tuba. Entrava ano, saía ano, a festa continuava bonita e concorrida, e a corporação esmerava-se cada vez mais.

EM - TRINDADE - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

domingo, 30 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 19 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

19

Lê-se um texto, uma frase, e algo aciona o elo do código genético responsável pela necessidade criativa.

Ouve-se uma sentença, uma palavra, e algo despoleta a vontade de inventar uma história e contá-la como se de uma verdade absoluta se tratasse.

Escuta-se uma música, um som, e algo faz nascer o desejo de dar ritmo metafórico às palavras.

Sente-se o parto de um pensamento, uma ideia, e algo aponta os caminhos a serem trilhados para a parição do texto.

Sempre que acometido por uma destas singularidades, brota de mim a arte mais absurda de sentido.

Sempre que iluminado pelas forças invisíveis do estro, germina de mim o espírito peregrino de uma conjugação verbal.

Sempre que desafiado pela obsessão criativa, floresce de mim a dissertação mais fluída e natural.

Sempre que invadido pelo interruptor do entendimento, jorra de mim o conceito mais aleatório da razão que me alimenta.

EMANUEL LOMELINO

Desejo no teu olhar - MANUELA DINIZ

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Tocavas-me com um olhar intenso, penetrante, um olhar que me fazia estremecer, numa onda de prazer antecipado!
Nos teus olhos, li a palavra desejo, e o meu corpo vibrou, como uma guitarra que trinava em teus braços e que tu, com mestria, manobravas na suavidade das tuas mãos!
Fiquei perdida nesse olhar! Senti o teu beijo à distância, que em sofreguidão se apoderou dos meus sentidos!
Vieste até mim, suave. Sabias que eras senhor das minhas vontades, sabias que eu estava rendida à profundidade de um sentimento que nascia sem que eu quisesse impedir.
Fechei os olhos, só podia ser um sonho! Um sonho inebriante que me acordava bruscamente para um campo desconhecido para mim!
Senti que te aproximavas, senti o odor da água-de-colónia que emanava do teu corpo a poucos milímetros do meu!
Um arrepio percorreu-me da cabeça aos pés quando a tua respiração me alcançou sem me tocares!
Apenas os teus dedos roçaram nos meus numa carícia descuidada!
A tua voz, sussurrou no meu ouvido... “vem”
E eu... fui.

EM - EROTISMO E SENSUALIDADE - COLECTÂNEA - IN-FINITA

sábado, 29 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 18 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Diário do absurdo e aleatório 

18

Na dúvida do que está por vir e enquanto não surge a certeza do futuro, embrenho-me na escrita, tal qual a penso e sinto, mas sempre na esperança de que cada mote se justifique por si mesmo, sem me explicar.

Não falo de mim nem me denuncio, porque sou abstrato, livre e obcecado pela minha privacidade. Antes crio meadas que teço com os fios velhos que reaproveito. Antes burilo gemas sem brilho que encontro nos troços que percorro. Antes cultivo as sementes do raciocínio, que é comum ao mais comum dos mortais. Antes cinzelo ideias universais com a perícia de quem desconhece tudo, mas suspeita. Antes refino o carvão dos sentidos e dou corpo de diamante às palavras que uso. Antes lavro pensamentos vulgares com fitas coloridas e enfeitadas de verdades.

Depois sou engolido pela noção errada das interpretações que me fazem por ser avaliado pelo que escrevo, como se isso, de alguma forma imperativa, pudesse definir o meu mais recôndito, misterioso e oculto interior.

O homem existe, somente, na intimidade de mim e para conhecimento de quem está próximo. O que está além disso é apenas sombra e o instrumento que dá corpo ao autor.

Esse sim, encontra-se, em toda a plenitude e substância, regido pelo devaneio de dar a conhecer a sua capacidade instintiva de criar a partir do zero. Esse sim, tal qual um heterónimo, merece interpretação, nunca pelo que é, mas pelo que constrói com o estro vulgar que detém e trabalha.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 17 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

17

Há um contragosto fatigado e dorido que fere a vontade de mudança rumo ao júbilo.

Existe uma feroz tristeza, que é real e inibe o ambicioso desejo de subir, degrau após degrau, até patamares mais ousados.

Permanece a inoportuna febre que restringe as passadas necessárias para que o arrojo triunfe.

Há um fúnebre cansaço que pesa no corpo como quem proíbe uma progressão legítima e impede o regozijo da glória.

Permanece uma indolente escravidão, sem grilhões, mas bem mais carcerária que as celas de Alcatraz, que dificulta a mais insignificante conquista.

Há uma fragilidade prenhe de restrições que prende os movimentos suaves e singelos, como quem maniata os avanços mais naturais e precisos.

Existe um melancólico acanhamento do ânimo que, pouco a pouco, desfalece por inércia imposta pelas punitivas circunstâncias de todos os dias.

Permanece o insucesso do querer por imposição de um dever odiado, mas crucial para que as metas sejam cruzadas.

Há, existe e permanece um temor ofegante de que todo o esforço despendido seja inócuo e em vão.

EMANUEL LOMELINO

O abismo (excerto 18) - CARLA SANTOS

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

E nesse momento Ana puxou-me para ela e encostou o seu rosto ao meu, colocou os meus braços em volta da sua cintura e os dela pendurados no meu pescoço... dançámos a sentir os corações a bater em uníssono... numa sinergia que reencarnara em nós como noutros tempos, apenas um pouco mais graciosa, ousada e deliciosamente apetecível.
A noite foi longa..., mas ao mesmo tempo curta para podermos encher o vazio de tantos anos...
Depois de uns bons “orgasmos” para brindar a tudo o que quisemos...
– São 03:03h da manhã... vamos até onde agora? – perguntou-me discretamente.
– Tens alguma coisa em mente?
– Podemos ir até minha casa... – parou e olhou-me para observar a minha reação.– Ou podemos ir até à roulotte das bifanas em Benfica, que achas?

EM - O ABISMO - CARLA SANTOS - IN-FINITA

quinta-feira, 27 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 16 - Emanuel Lomelino

Imagem escolakids

Diário do absurdo e aleatório 

16

Com três batimentos cardíacos, o Coração assinalou o começo da reunião de condóminos.

- A pedido do Cérebro, vizinho das águas-furtadas, estamos aqui reunidos para decidir, de preferência, por unanimidade, quais as próximas remodelações a efectuar no nosso edifício. Devemos ter em atenção que, devido às actividades do passado, tanto os membros inferiores como os superiores já não têm a força e genica de outrora, são acometidos de constantes tendinites e, cada vez mais, sentem desconforto muscular. Os irmãos Olhos, que já sentem dificuldade em ajudar-nos nas letras miúdas, porque passaram os últimos anos a trabalhar em nosso benefício, precisam de vidros e a entrada de catering precisa de material novo porque o existente, que há muito foi reduzido, já não faz o trabalho nas melhores condições, para descontentamento do vizinho Estômago.

Ao que parece, embora não esteja tudo perfeito, os irmãos Pulmões, o vizinho Fígado, os Rins e a Dona Bexiga concordam que os problemas apresentados são realmente prioritários.

A reunião foi interrompida e adiada porque os Ouvidos fizeram-se de moucos, o empinado Nariz disse que tudo lhe cheirava a esturro, os Intestinos indignaram-se e borrifaram-se para os demais, e alguns neurónios decidiram fazer greve de zelo por ainda não terem recebido as horas extraordinárias referentes à reunião anterior.

Não se sabe em que data o assunto vai ser retomado porque está a chegar o mês de férias e a Pele não vai abdicar da oportunidade de ficar bronzeada.

EMANUEL LOMELINO

O voo Zooparky (excerto) - DALMO MEDEIROS

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Os benefícios de ter ajudado a produzir o Projeto “A Turma do Seu Lobato”, foram incalculáveis. Além de aumentar minha renda de direitos autorais, tive o prazer de ver no Youtube crianças cantando e dançando minhas músicas em escolas, nas ruas, em aulas de dança, pais brincando com filhos, avós brincando com netos, e quase todo dia eu via alguma manifestação provocada pelas músicas do Projeto. Mas, o melhor viria a seguir.

O Produtor Claudio Girardi, com quem eu tinha trabalhado em campanhas políticas, ele operando as gravações na Produtora carioca Base Sonora, me procurou com uma ideia na cabeça: Produção de um Projeto chamado “Zooparky”, idealizado por outro Produtor, o paulista Sergio Martineli.

EM - ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS - DALMO MEDEIROS - IN-FINITA

Apertou-a contra o seu peito - LUÍSA RODRIGUES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Apertou-a contra o seu peito num abraço apertado. O corpo dela permanecia ainda enrolado na toalha turca de banho. Quando os seus lábios lhe percorreram o pescoço, sentiu o agradável e leve odor a amêndoas e mel que lhe ficara gravado na pele. Mordiscou o lóbulo da sua orelha e introduziu em seguida a língua molhada no seu ouvido induzindo-lhe cócegas que resultaram numa gargalhada sonora. O corpo dela contorcia-se, fazendo a toalha precipitar-se no chão. Observou atentamente o corpo dela nu, agora refletido no enorme espelho diante dos seus olhos. As suas coxas grossas, a cintura estreita, o sexo cuidadosamente depilado e os seios volumosos que adorava segurar com ambas as mãos quando ela o montava, cavalgando-o freneticamente, fazendo o seu membro entrar e sair do seu ventre molhado de excitação. A mera recordação daquela imagem fez o seu pénis agitar-se dentro das calças do pijama e ela, percebendo o seu entusiasmo, segredou-lhe ao ouvido: Quero-te!
Sentou-a de imediato na bancada do lavatório, abrindo-lhe as pernas de par em par, e penetrou-a sem demora. As pernas dela rodearam-lhe a cintura e as unhas cravaram-se-lhe nas costas deixando-o marcado. Ele era seu. O seu vício predileto, o qual não se cansava de saborear com lentidão, pois só ele sabia como conduzi-la pelos caminhos tortuosos da luxúria e do prazer carnal, levando-a à loucura.

EM - EROTISMO E SENSUALIDADE - COLECTÂNEA - IN-FINITA

quarta-feira, 26 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 15 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

15

Vivo no bosque da vida, desde o berço, protegido por plantas e animais que nunca me foram estranhos. Ao longo do tempo fui construíndo peça a peça, tijolo a tijolo, a verdade do meu mundo. Ano após ano, mês após mês, semana após semana, dia após dia, aculturei a minha mente, fiz-me homem à minha imagem. O tempo passou na sua vertigem e o bosque transformou-se na minha casa cujos alicerces eu próprio construí. Entre certezas e receios deixei-me envolver, pouco a pouco, nas teias da falsa ilusão. Necessidade inconsciente?! Consciência doentia?! Os anos escorreram-me entre dedos e apesar da vontade e do querer, nunca me libertei totalmente das algemas que me impediam de conhecer o mundo para além desta casa-bosque onde me refugiei.

Hoje, passeando pelos jardins do pensamento, dou conta dos sussurros da razão que o tempo me escondeu nas folhagens da utopia. Oiço os chilreios fantasiados da promessa que nunca o foi e interrogo os passos que dei. Palmo a palmo caminho por novas alamedas, vagueio entre flores cujo nome desconheço e tomo consciência do tempo perdido mas não lamento o que me fugiu. Hoje, confrontado com outras realidades, questiono-me sobre o passado e choro as lágrimas que há muito deveria ter vertido. Sei que continuo preso a um momento que nunca existiu mas também sei da vontade hercúlea que existe em mim para recuperar a posse de mim mesmo. Hoje reconheço que adormeci algures na vida e todo o tempo que dormi foi tempo perdido. Mas acordei! Despertei para uma nova vida, para uma nova realidade. Confesso que não me sinto completamente desencarcerado mas aos poucos estou a conseguir desfazer os nós desta corda que me sufocou toda a vida. Cresci!

EMANUEL LOMELINO

Outros acasos da vida (excerto) - ANGELA RODRIGUES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Em 1975, eu trabalhava há dois anos com História, mas sentia falta de algo. Era um vazio que incomodava que eu pudesse expressar criatividade, cores, desafios e imaginação. Um ano e meio depois tranquei a matrícula e resolvi estagiar com o papai em Arquitetura. Tivemos momentos importantes e outros desastrosos!

Ele me instruiu a organizar seus arquivos só que eu precisava descobrir e experimentar o que fazer profissionalmente. Seus métodos de ensino não me estimulavam, apesar de coerentes e eficazes para os estagiários de Arquitetura e Design. Ao invés de ensinar a lógica de uma perspectiva, quis que eu desenhasse a janela intuitivamente. Não deu certo, minha alma não estava ali.

Conversando com minha madrinha, fui ao Centro de Artes Maria Teresa Vieira e, de quebra, descobri a minha praia, a Educação através da Arte. Foi uma descoberta e tanto! Pintei, desenhei, dei aulas para crianças e encontrei meu mundo! Com a intuição, criei formas para que elas expressassem suas emoções e colorissem suas vidas. Saí da minha zona de conforto e criei, criei, criei. Papai me inspirava na criação de estímulos e eu desafiava as crianças a trabalharem as suas questões emocionais.

EM - OS CAMINHOS DA CURA - ANGELA RODRIGUES - IN-FINITA

Organ Velle (excerto) - LUÍSA DEMÉTRIO RAPOSO

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Quero ser infinitamente o astro. O sol. Esconde-lo primeiro na boca depois entre os seios alcatroando-o até ao último empurrão e penso voltar a escondê-lo a meio lodo entre o que geme nas coxas, fornicar em desespero, fornicar com força e sem ponta de vergonha, fornicar até ao último empurrão em que o esperma explode. A carne em tempestade entre relâmpagos colados à testa, uma metade contra a outra. A mão demorada por todo o lado, e entre as cordas vocais a palavra é divina e a disponibilidade sexual é descobrir joias, virgulas e continuar a esboroar. O peso atormentado. Grave habitual em quantidades e assimetrias onde é mais acentuada a escuridão e de todas as nádegas emanam paragens violentas, subtraindo, tal como sugere a ardência e a fome o exige, e eu só me alimento do que inflama e arde no inferno. Ahhhh o inferno! Ambos gostamos de gemer entre a carne encharcada onde a baba se propaga e escorre, alimento selvagem do amanhã onde tudo cresce, pouco ou nada comum. A inocência está toda no sexo, o sal, a estrela caída que ilumina a realidade em cruéis deslaces, na grácil que a puesía simples descanta. O seio, acre e austero, lapela com vista. Nuvens a horizonte. O caralho, um trovão. O nome, não se diz. Entre as duas a boca dilui. As labaredas, o encarnado em apertadas margaridas. Lábios na chiclete. Dúzias de bocas furiosas, grunhidos, guinchos. O ruído que saí pelo nariz. Um naufrágio. A luz atira-me à janela. O sol a morar-lhe entre os pentelhos. A ideia anarquista de fugir para o meio do amarelo. A boca, dos lábios só, nome de raça.

EM - EROTISMO E SENSUALIDADE - COLECTÂNEA - IN-FINITA

Peabiru (excerto 12) - CARLOS DOMINGUEZ

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Para ele, o caminho era a ligação natural de Leste/Oeste da América do Sul. Conforme seu relato, nações indígenas se distinguiam pela língua. Os guaicurus do Sul falavam uma língua próxima ao quechua, a língua comum dos Incas. E isto está no vocabulário atual dos gaúchos, como pampa, guasca, china, tambo. Aurélio Porto, pesquisador, coloca os guaicurus do Sul, como nação formada por muitas tribos. Eram nômades, belicosos e não se adaptaram aos brancos. Viviam em tolderias e acabaram exterminados. O pesquisador fala sobre as três nações indígenas do Rio Grande do Sul: guaicurus do Sul, caingangues e guaranis. Para Sosa, os guarani se adaptaram mais à chegada dos brancos, pois eles eram mais integrados entre as aldeias e tinham outro perfil. Eram monogâmicos, com exceção de chefes ou pagés. Eram agricultores que buscavam a Terra sem Males e até hoje ainda buscam. Para o jornalista de São Pedro do Sul, os Guaranis acreditam em um outro lugar onde todos serão felizes, num paraíso.

EM - PEABIRU - CARLOS DOMINGUEZ - IN-FINITA

terça-feira, 25 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 14 - Emanuel Lomelino

Imagem pinterest

Diário do absurdo e aleatório 

14

Na rua do olvido existe um velho casario, de madeira retorcida e pintada com as cores do esquecimento, cercado por rebanhos de urze seca de tão idosa.

Ultrapassado o portão de ferro forjado por artesãos rudes, abre-se um caminho de pedra vestida de musgo escorregadio, cor-de-azeitona moída, que nos dificulta os passos em direcção à porta torta e tosca que range de dor ao ser empurrada para revelar o interior bafiento da moradia.

A ampla entrada marmoreada com a sujidade do tempo antecede uma escadaria obliqua, que esconde as paredes forradas com retratos fantasmagóricos de figuras que agora são espectros vigilantes.

Numa das molduras, revestidas com tecido aracnídeo, adivinha-se o rosto sombrio de uma velha cortesã de longos cabelos negros transformados em tranças imberbes, presas no cocuruto, como que arrumadas no sótão do corpo.

Ao lado, um rosto masculino, de bigode labiríntico, cavanhaque juvenil e suíças exageradas, trajado de militar de enfeite – com direito a pluma na aba do ridículo chapéu fora de moda.

O resto da casa fica por descrever porque, nestas coisas da memória, existem assuntos que podem ser falados enquanto outros são de foro pessoal e intransmissíveis.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 24 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 13 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

13

Nasce-se para se morrer, independentemente daquilo que se fizer no intervalo.

Já nasci e morri tantas vezes que a cronologia natural desses feitos deixou de fazer sentido.

Todas as mortes foram diferentes, enquanto os nascimentos foram tremendamente dolorosos para mim, com excepção do primeiro, cujas dores nem recordo.

Nasci e morri de tantas formas distintas que, em algumas delas, senti-me um personagem de Lovecraft.

Foram tantos os partos que nem deu tempo para fazer certidões de nascimento, porque as mortes estavam ao virar da esquina.

Foram tantos os óbitos que nem a necrologia conseguiu acompanhar e ninguém foi notificado.

Morri e renasci tantas vezes que já nem gato sou.

Com tantas parições e falecimentos foi-me permitido confirmar que, por mais que se faça tudo certinho em cada vida, de múltiplas e diferentes formas possíveis, nunca seremos capazes de impedir o desfecho final. E essa circunstância implica que no final das contas, o número de nascimentos será sempre igual ao de mortes.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 23 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 12 - Emanuel Lomelino

Imagem terranova

Diário do absurdo e aleatório 

12

É preciso abrir os olhos, para lá dos limites da fisionomia, para avistarmos tudo aquilo que, pintado com as cores da nossa inocência, nada mais é que engodo e simulação.

É preciso ver além do alcance da vista para entendermos como estes espectros furtivos, que nos iludem na invisibilidade das intensões, são seres de carácter pérfido, dissimulado, vil.

É preciso atenção microscópica e redobrada para entendermos quão elásticas (como interesseiras) são as aproximações que nos fazem, dependendo da utilidade, ou falta dela, que nos outorgam.   

É preciso dar uso a toda a prudência, que a natureza nos emprestou, para sabermos quando sugam o ar que nos mantém ou sopram o veneno que nos intoxica, como insecticida.

É preciso reparar que, quase sempre, os benefícios de um ombro, que vislumbramos como gesto puro e sincero, são maçãs armadilhadas de gentileza encantatória e enganadora.

É preciso enxergar para lá do horizonte mais próximo e observar a distância mais remota para vermos com clareza o quão camufladas são as pretensões daqueles que, com vozes sussurradas, nos entoam aos ouvidos cantos de sereia.

EMANUEL LOMELINO

O abismo (excerto 17) - CARLA SANTOS

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Uns três quarteirões mais para o lado chegámos. Já nem me lembrava bem do lugar... estava diferente, mais colorido, parecia mais espaçoso, repleto de pessoas... sim pessoas, não falo em géneros porque naquele lugar todos podiam entrar, sem medos, sem julgamentos... a sigla LGBTDQIA+ era respeitada, reconhecidas as orientações sexuais ilimitadas e identidades de género variadas. E assim deveria de ser por todo o planeta terra. Contudo, infelizmente, muitos países ainda estão muito longe dessa realidade. Assim como o próprio Vaticano. A humanidade precisa evoluir e deixar evoluir... ascender sempre na base do respeito mútuo, no amor, na paz e na luz.
– Bebes alguma coisa? – gritou-me Ana ao ouvido pois a música estava altíssima...
– Um orgasmo! – e ri-me com gosto.
– Só um?
– Para começar... sim.

EM - O ABISMO - CARLA SANTOS - IN-FINITA

sábado, 22 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 11 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

11

O ar não é respirado em uníssono e as palavras deixaram de ser comuns. Contudo, mesmo que os olhos pouco, ou nada, se cruzem, ainda temos os corações que batem do mesmo jeito – arfantes, porque arrítmicos.

Os gestos não são sincronizados e os passos são dados em direcções opostas. No entanto, mesmo com as esperanças reduzidas a novas realidades, ainda temos o sentimento vivo – pulsante, porque presente.

As vontades não são conjuntas e os objectivos distanciaram-se no espaço. Todavia, mesmo com os sorrisos pálidos e tristes, ainda existe forte conexão – elo, porque une.

Os abraços são esporádicos e os beijos são doces memórias de outrora. Porém, mesmo sabendo que, tal como dizia Mia Couto, com outras palavras, “nos acendemos uns nos outros”, ainda ardem em nós as labaredas – fogo, porque ardente.

As mãos não estão entrelaçadas e as vidas voltaram a ser independentes. Apesar disso, mesmo sabendo que o futuro passou a ser dois, ainda temos a história que será sempre nossa – eterna, porque imortal.

EMANUEL LOMELINO

Beatles em Liverpool (excerto) - DALMO MEDEIROS

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Em 2017, estimulados pela amiga Renata Cardoso, que conhecemos em visita ao Projeto Mansão do Caminho, de Divaldo Franco, em Salvador, pois ela estava de partida para a Europa, pretendo fixar moradia por lá, decidimos fazer esta viagem começando por Lisboa. Seria o segundo Réveillon em Lisboa ao lado dos nossos irmãos/amigos Lavigne e Neuza Parente.

A ideia era encontrarmos com Renata, que já estaria em Londres, e de lá ir a Liverpool conhecer o universo Beatle. Nos hospedámos num hotel bem perto da grande estação Kings Cross ou como costumam chamar os ingleses, St Pancras. A praça da estação é bem grande e tem bons restaurantes no shopping da estação, tem parada de ônibus de turismo que rodam a cidade em várias direções.

EM - ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS - DALMO MEDEIROS - IN-FINITA

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Diário do absurdo e aleatório 10 - Emanuel Lomelino

Diário do absurdo e aleatório 

10

Quando os pensamentos querem ser vistos transfiro-os para um suporte e visto-os de palavras. Essas dão os braços, umas às outras, como numa roda de dança, e fluem a seu belo prazer sem a minha intervenção.

No início, na inocência do meu desconhecimento, mal se expunham, tentava dar-lhes um sentido mais legível, mas esse processo acabava, inevitavelmente, por lhes cortar o fluxo e, o que era uma ideia sólida, diluía-se no tempo com a busca da alternativa de discurso e perdia a força da mensagem base.

Com o tempo, e a experiência, aprendi a ser paciente e comecei a esperar o fim da transição para depois, então, fazer as alterações necessárias.

É por isso que, mais do que escrever, gosto da transpiração de limar verbos, raspar pontuação, desbastar complementos, cinzelar advérbios, polir sentenças.

E se me perguntarem a razão deste trabalho eu respondo que o meu cérebro é disléxico e tem sempre muita dificuldade em estar sincronizado com os pensamentos que lê. 

EMANUEL LOMELINO

Desenrolei o novelo da infância - ANGELA RODRIGUES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Ainda criança, me sentia carregada de medos, excesso de broncas, palmadas, cara feia, comparações, falta de aceitação e carinho. A vontade de “pagar por tudo que recebi” ficou evidente na carta acima Pensei em retribuir à mamãe com “meu dinheiro” o que recebi deles e me impressionei com minha ousadia na época.

Percebi na cartinha pitadas de ressentimento, “sangue nos olhos” e muita crítica sobre a forma de ser dos meus pais. Assim, criei a imagem de que eram infantis emocionalmente e eu “teria” que assumir seus lugares e cuidar de mim. Passei a ser mais arrogante, rígida, cheia de regras e julguei-os desde então.

Os papéis invertidos não deixavam fluir a energia da vida.

EM - OS CAMINHOS DA CURA - ANGELA RODRIGUES - IN-FINITA

De história e de cenários (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

E-BOOK GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

História em cena. Na segunda-feira, a neblina dissipou-se mais cedo. As pessoas que andavam pelas ruas começaram a tirar os agasalhos, algumas os colocavam nos ombros, outras os amarravam na cintura, que o sol os fazia desnecessários. Depois de uma volta pela praça, Rodrigo e Letícia atravessaram a ponte sobre o córrego Santo Antônio, caminharam até a rodoviária e subiram o morro de São Francisco. Bem no alto do morro, fica a igreja de São Francisco de Paula, uma construção também de meados do século XVIII. Andaram à sua volta, mas não encontraram abertas as portas. No morro coberto de um gramado bem verde, pouco em frente à igreja, como a abençoar a cidade, fica um cruzeiro com os símbolos da crucificação de Cristo: em cima, o galo que cantou três vezes para São Pedro, e na parte transversal da cruz, alguns instrumentos usados no martírio. Dali puderam contemplar uma bela vista da cidade, donde se vê a Matriz de Santo Antônio a manifestar-se com toda a exuberância de seus traços.

EM - TRINDADE - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

Peabiru (excerto 11) - CARLOS DOMINGUEZ

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Lembro de Sepé Tiarajú. Imagino o momento em que a guerra contra os reinos invasores é iminente. O coração palpita mais rápido, o sangue ferve, o cérebro turva os olhos, o pensamento cede lugar à cólera e à raiva. A força de uma notícia ruim que implicará em abandonar seu lar, sua terra, seu lugar sagrado, seus laços e sua história. Abandonar uma paisagem que é única para ele. Perder seu referencial imagético de simbolização. Ter de fazer um êxodo para outras regiões e recomeçar tudo de novo. Só quem já recomeçou e trocou de lugar, sabe o esforço necessário para isso. Entretanto, muitas vezes, ficar representa a morte lenta, um padecer triste e melancólico de ver tudo em que se acredita, ser destruído pelos invasores que não amam sua terra, mas, sim, querem destroçá-la, na ânsia de riquezas fúteis e posse do que não tem dono algum, nem poderia ter.

EM - PEABIRU - CARLOS DOMINGUEZ - IN-FINITA