Em 2013 escrevi um pequeno texto sobre este tema
demonstrando o meu desagrado sobre a forma como todo o processo tinha sido
conduzido até então. Dois anos passados, sou confrontado com a obrigatoriedade
legal desta aberração. Antes de começar este texto, fui ler o que escrevi em
2013 e, pasmem-se, poucas diferenças existem entre aquilo que escrevi e aquilo
que me proponho escrever agora. Dito isto, reproduzirei na integra o primeiro
texto e depois juntarei mais algumas palavras.
"Muito
se tem escrito e falado sobre o acordo ortográfico; contra e a favor.
Independente da minha opinião e ignorando os argumentos de ambos os lados,
aquilo que me apraz dizer é que, seja qual for o destino final desta
iniciativa, ela nasceu torta e assim ficará ad aeternum.
Em
primeiro lugar e, quanto a mim, o maior erro de todo este processo foi a forma
arrogante como este acordo foi apresentado. Tal como vem sendo habitual na
nossa sociedade, as decisões finais ganharam forma de irreversibilidade sem que
em primeiro lugar tivesse existido uma discussão séria e equilibrada sobre
todas as matérias. Discussão essa que deveria ter sido feita previamente e não
ulteriormente, como veio a acontecer.
Se
por um lado, os mentores deste acordo não se deram ao trabalho de ouvir todos
aqueles que deveriam ser ouvidos, por outro lado, quem deveria ter sido
escutado remeteu-se ao silêncio quando deveria ter falado e só se fizeram ouvir
as vozes da discordância quando o acordo tomou corpo de lei, isto é, depois que
foi aprovado.
Entre
tanto ruído que se fez após a aprovação deste acordo ortográfico, aquilo que
mais me intriga - tendo em consideração que este é um acordo da lusofonia - é a
indisponibilidade do Brasil em aplicá-lo de imediato, por considerar existirem
dúvidas na aplicabilidade de alguns pontos e a recusa dos PALOP em lhe dar
legitimidade. Feitas as contas, o único país onde o acordo está efectivamente
aplicado é Portugal.
A
conclusão óbvia de todo este processo é simples: aquilo que pretendia ser a
uniformização de uma língua esbarrou na impossibilidade de se uniformizar o que
nunca será uniformizável."
Tal como aconteceu neste texto que escrevi em 2013,
nas linhas que vou acrescentar também não utilizarei nenhum exemplo prático da
aberração que nos impõem com força de lei, pois, por incrível que pareça, de
agora em diante estamos "OBRIGADOS" a respeitar as directrizes que
emanam desta imbecilidade sem que nos tenham instruído e, principalmente,
esclarecido convenientemente. No entanto não deixarei de dizer, à laia de
exemplo da incongruência de tudo isto, que a palavra ELECTROTECNIA, seguindo os
trâmites exigidos por esta aberração, pode ser escrita de 18 formas distintas (chamam
a isto uniformizar).
Mas peguemos no conceito uniformizante desta
iniciativa. Sabe-se agora, (nada que não estivesse na cara e sobre o qual tenho
vindo a falar em diversas ocasiões) que as motivações base deste processo
sempre estiveram relacionadas com a possibilidade das editoras portuguesas
entrarem mais facilmente no mercado brasileiro. Isto é, não se trabalhou sobre
a língua portuguesa como alguns mentores tentaram impingir-nos, trabalhou-se
sim na possibilidade de dar, a meia dúzia de chupistas, algum proveito
económico usando aquilo que pertence a todos os lusófonos - a língua
portuguesa.
O argumento da uniformização (bandeira dos defensores
da imbecilidade) só conseguiu algum peso quando, para grande admiração da
generalidade das pessoas de bom senso, alguns sectores da nossa sociedade, com
responsabilidade e tradição seculares, se uniram a troco de nada e por pressão
política; falo da comunicação social e dos chamados intelectuais
universitários; estes últimos comprados com nomeações para diversos cargos. O
único caso em que a tentativa de compra não resultou foi quando nomearam o
recém-falecido Vasco Graça Moura para responsável do CCB e uma das suas
primeiras medidas foi impedir a alteração ortográfica dos documentos oficiais
da instituição.
Com o apoio daqueles que, teoricamente, teriam mais
força para vetar a implementação da iniciativa, os mentores da uniformização
conseguiram que o restante rebanho se mantivesse, quieto e sereno, a observar o
desenrolar dos acontecimentos sem que se apercebessem das tremendas incoerências
dos argumentos pró-fantochada.
Contentes com esta uniformização estão as editoras que
vão ganhar rios de dinheiro (será?). Mas atenção! Os autores que editarem por
essas chancelas ficam proibidos de usar palavras como "autocarro" ou
"atacador" pois o uso dessas e outras palavras vão obrigar a
traduções e depois lá cai por terra a uniformização tão importante para a
economia da nação.
Para terminar mais esta minha alucinação sobre teorias
da conspiração, resta-me dizer que relativamente às posições tomadas pelos
restantes países da lusofonia, elas mantêm-se iguais às que tinham em 2013.
Isto é, o Brasil continua a demonstrar indisponibilidade para aplicar o que
Portugal já transformou em lei e os PALOP negam-se a ratificar, e com
legitimidade comprovada, este atentado à língua portuguesa.
MANU DIXIT