Entrego
o que não consigo fazer/dizer no cotidiano, aquelas palavras presas, os gritos
que arranham a garganta, mas não reverberam sonoramente, a dor que arrebenta o
peito, machucando, e que não sinalizo. Há uma entrega inteira, sem impor às
palavras os medos, as críticas e os silenciamentos que a vida, de uma forma
geral, nos impõe.
2
- Criar textos é uma necessidade ou um passatempo?
Necessidade.
A escrita para mim é uma espécie de processo de cura, ou melhor, de espaço
terapêutico. O que não consigo expressar falando, exprimo escrevendo. Organizo
melhor meu pensamento através da palavra escrita, e a palavra poética perpassa,
no meu cotidiano, inclusive, as questões mais burocráticas. E a necessidade de
dar vida aos textos proporciona também fruição, o que a torna um passatempo, às
vezes.
3
- O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado
linguístico?
Acredito
que a espontaneidade é primordial no processo de escrita. As palavras e as
regras da escrita, em seu sentido usual, são castradoras e acabam, muitas vezes
por travar o processo imaginativo. Defendo a ideia de que o texto seja escrito
como num rompante, quando as ideias surgem, e posteriormente seja revisado,
reescrito, observado os cuidados linguísticos, caso o texto se proponha a isso
(porque há textos em que o “descuidado” com a linguagem é um movimento
proposital da flor que rompe o asfalto, se me permitem a metáfora).
4
- Em que género literário se sente mais confortável e porquê?
Sinto-me
mais confortável ao escrever o gênero lírico. Digo isso porque acredito que a
poesia permeia nosso dia-a-dia, e está em cada uma das situações que
vivenciamos, mesmo aquelas que consideramos mais prosaicas. Basta olharmos mais
atentamente para perceber que há uma essência lírica, subjetiva, que nos acena
em cada momento do dia, em cada lugar, em cada acontecimento.
5
- Que mensagens existem naquilo que escreve?
Escrevi,
por muito tempo, poemas de cunho autorreflexivo, mais voltados para questões
existenciais. Depois passei a trazer questões sociais, que não deixam de ser
questões minhas também. Então as mensagens que acredito existir naquilo que
escrevo dizem respeito a mim, mas dizem respeito, também, ao mundo em que vivo,
às reflexões sobre o tempo, sobre questões sociais, raciais e de gênero.
Algumas mensagens são tristes, entretanto há um quê de doçura e talvez
esperança na maioria delas.
6
- Quais as suas referências literárias?
Falar
em referência literária é tão difícil… porque estamos assumindo a consciência
de que deixaremos alguns nomes de fora da lista. Mas escolho falar das minhas
primeiras referências literárias: minhas avós paterna e materna. A primeira,
com quem tive pouco convívio (devido à sua partida precoce), sempre me enviava
cartas na infância, mesmo quando eu ainda não sabia ler, e nas cartas sempre
havia alguns versinhos, que me deixavam encantadas.
A
segunda, minha avó materna, não teve a oportunidade de aprender a ler e
escrever, na realidade dura de mulher do sertão. Mas ela entoa cantigas que
contam tantas histórias, com uma voz afinadíssima, e conta enredos de uma forma
deslumbrante. Ela faz literatura oral sem ter aprendido sequer o conceito de
literatura. É minha autora favorita!
7
- O que acredita ser essencial na divulgação de obras e autores?
As
coletâneas são excelentes iniciativas. Ajudam muito a quem ainda não teve a
oportunidade de se lançar no mercado editorial com projeto solo. Além disso, as
redes sociais hoje permitem um processo interativo que alcança outras paragens,
e conectam os leitores com os autores.
8
- O que concretizou e o que ainda quer alcançar no universo da escrita?
Participo
de inúmeras antologias, integro o grupo Confraria Poética Feminina, o qual
possui várias publicações, entre elas agenda literária e 05 livros, tenho
textos publicados em jornais, revistas, perfis de redes sociais, até um poema
musicado, entretanto ainda não parti para a publicação de um livro solo. Essa é
a realização que quero alcançar em breve.
9
- Porque participa em trabalhos colectivos?
Como
disse, integro a Confraria Poética Feminina. O trabalho que fazemos na
confraria é extremamente motivador. Lemos e discutimos as produções umas das
outras, além de assuntos em geral, apoiamos e incentivamo-nos mutuamente, e
essa coletividade é um refúgio de sanidade em tempos tão estranhos. Por isso,
os trabalhos coletivos, as antologias interessam-me; elas permitem conhecermos
outros autores, proporcionar momentos de trocas, e ter maior divulgação da
nossa escrita, além de criar essa rede subjetiva através da literatura.
10
- Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Pergunta
difícil essa… Mas talvez, diretamente, “Quem é Marcela Soares?”. Eu
responderia, de forma evasiva: “São muitas. É aquela garota tímida, cuja
exagerada autocrítica e baixa autoestima a fez acreditar por anos não ser capaz
de obter qualquer tipo de reconhecimento... É também aquela professora, da voz
baixa, que aprende tanto com os estudantes e se realiza quando percebe que
consegue tocá-los através da literatura... É a poeta que acredita no poder
transformador das palavras, para quem escreve e para quem lê, mas que guarda
muitos de seus textos por não achá-los bons... É Mar, calmo, revolto, de
infindas profundezas e mistérios... É Cela, com grades, mas de portas abertas,
por entender a necessidade do abrigo, mas sobretudo por alcançar a liberdade do
voo...