terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Amestrar - ANTÓNIO CAPELLA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Franqueio-me e no zunir do teu baraço amestrado lá acabo
numa cambaleante rotação.

Não recebo ritos, o que me sufoca!

Tenho um caminho de estrelas mortiças e aporto num mar
que as tuas pernas, com sal aprisiona.

Nele tombo e asfixio-me em trovoadas secas e bebedeiras
de mosto novo e arrotos de vinhos velhos.

Em ti aprisiono-me e assim contigo sem fuga, viajo e vou-me
pasmando nas ondulações de espumas cortadas, pela quilha
do teu bote de “charme” fabricado.

Ah, como rio dos peixes por ti entontados, com raspas
de promíscuo e baboso mel, que neles se vão chapando.

EM - PALAVRAS ESCRITAS, PALAVRAS PINTADAS - ANTÓNIO CAPELLA - IN-FINITA

As nossas almas solitárias (excerto 18) - C. GONÇALVES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Entramos na Hamburgueria do Bairro, ainda não são 20 horas. O Salvador marcou mesa, e por isso, cortamos a fila que já se faz à porta e entramos em seguida. Já sentados, escolhemos na ementa o que iremos comer. O Martim e a Carolina pedem um Menu Reguila; para o Salvador um Duplex, para mim um Caco. Enquanto esperamos, os meus filhos mantêm-se entretidos; o Martim no tablet, a Carolina inventa histórias para a sua boneca. O Salvador parece mais descontraído e serve-nos as bebidas, vai ajeitando os copos e os talheres e quando chegam os hambúrgueres, oferece ajuda para lhes arranjar os pratos. Eu, pareço uma miúda, encantada com tanta mordomia. Até os meus filhos estão calmos e sossegados. Um jantar normal e sem atropelos, sem pressas. Nisto, consigo esquecer o constrangimento e disfrutar da refeição em paz.
Quando terminamos, já depois do cheesecake para todos, pedimos a conta, prontos para ir embora.

EM - AS NOSSAS ALMAS SOLITÁRIAS - C. GONÇALVES - IN-FINITA

A cruz haitiana (excerto 18) - IARA LEMOS

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Assim como Romélus, as religiosas brasileiras do Imaculado Coração de Maria também não se mostraram favoráveis à presença da Minustah, apesar de não emitirem opiniões tão polémicas quanto às que eram feitas pelo bispo no momento em que falavam sobre a atuação militar no Haiti. De forma indireta, as missionárias acabaram se beneficiando, em parte, da atuação militar, até mesmo para facilitar um pouco mais a já complicada permanência em terras caribenhas. A água que saía das raras torneiras disponíveis na casa das religiosas, em Jérémie, por exemplo, só era possível devido ao abastecimento feito pelo carro-pipa da Minustah, que a cada dois meses ia até a casa das religiosas encher a caixa d ‘água do precioso líquido. A própria alimentação em momentos de colapso, como as que o Haiti enfrentou com uma série de fortes tempestades em meados de 2008, só chegou até às religiosas por meio das tropas militares. Não foi diferente quando ocorreu o terremoto em janeiro de 2010.
Para permanecerem no Haiti e desenvolverem os seus trabalhos, as missionárias aprenderam, no decorrer dos anos, que medir as palavras que dizem diante da população por elas atendidas é tarefa fundamental, sobretudo, quando o assunto em questão é a conturbada política social haitiana.

EM - A CRUZ HAITIANA - IARA LEMOS - IN-FINITA

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

etiquetas (excerto) - FLÁVIO ULHOA COELHO

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Não há pessoas normais que não tenham a sua usual cota de TOCs. Há quem verifique inúmeras vezes se as luzes de casa estão apagadas antes de sair, assim como eu. Ou que voltem, depois de já ter entrado no shopping center, ao seu estacionamento para se certificarem que o carro está trancado, assim como eu. Ou mesmo que mantenham incontáveis backups, em igualmente incontáveis midias, de qualquer arquivo que tenha digitado. É o famoso vai que...
TOC, TOC, TOC, há quem não os tenha?
O do Thio Therezo, ou melhor um deles, é não suportar ver uma etiqueta para fora da roupa, sua ou de outrem. Não essas etiquetas que, na moda, nasceram só para aparecer, e assim o fazem todas exibidas. As etiquetas que impacientam o Thio são aquelas, as inibidas, as discretas, e que, mesmo assim, insistem em se mostrar por fora de camisetas, blusas, calças e, por vezes, cuecas e calcinhas.

EM - HISTÓRIAS DO THIO THEREZO - FLÁVIO ULHOA COELHO - IN-FINITA

Histórias do pescador Getúlio (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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Findava abril. Sentado à beira da janela tinha ele a certeza de que a meta de escrever uma história a cada mês não havia sido cumprida. Havia chovido muito após o Natal. Naqueles primeiros dias de férias nada fizera a não ser levantar-se da cama para abrir e beber de mais uma garrafa de vinho das muitas que haviam sobrado das festas natalinas. A casa alugada conforme referência de amigos que já haviam estado naquele lugar de mar cristalino, montanhas e matas parecia-lhe a ideal. Havia decidido que passaria alguns dias isolado do mundo. Além da chuva que colaborava com seus anseios de nada fazer, havia o serviço do caseiro invisível. Ele vinha em silêncio, não era sabido a que horas, se do dia ou da noite, abastecia a casa de comida e fazia a limpeza com capricho. Uma locadora de imóveis alugava algumas casas de praia dessa forma. O assunto era tratado por telefone e o combinado é que os hóspedes encontrariam a casa sempre limpa e abastecida de comida e bebida de acordo com os pedidos feitos por escrito.

EM - CONTOS E CASOS - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

O Prédio (excerto 12) - SUSANA PIRES

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Ali estamos livres, expostos de nós, sentindo o espaço, ainda mais plural, intacto de vida sem permissão, de um sermos sem máscara visceral num governo claustro em obediências e sugestões, pelintra de deslumbre.
Encontramo-nos no eco da Alma de uma Lisboa sedenta de movimento e gestos com vícios desnudados em turismo, deixando-nos vigilantes neste espectro de vultos à deriva, subo a palco, as pernas dormentes, o peito esvoaça, não vejo, sinto, declino à mente a projeção que a palavra eleva na voz de um poema, o encontro da liberdade.
Em coro e refrão “liberdade” exercendo à cena um palco comum, encaixada o suficiente para que todos em voz uníssona desventrem as heresias no ênfase lírico de um verso desnivelando as calçadas de ecos e energia, jovens que embarcam neste não acreditar num todo de céu aberto.

EM - O PRÉDIO - SUSANA PIRES - IN-FINITA

domingo, 26 de fevereiro de 2023

O palhaço Pantulfo V - JACKMICHEL

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O menino, ao pegar o palhacinho, notou que ele era feito de pano e recheado de algodão; e pôs-se a olhá-lo de alto a baixo.
Reparou como ele era gordinho vestido em sua colorida roupinha de morim, como em seu rostinho pintado em cores vivas havia alegria, que se juntava ao seu vermelho nariz de borracha e ao tufo de lã amarela que cobria sua cabecinha careca!
Num passe de mágica, o Mago Palpiteiro apareceu bem na frente de Miguelzinho e disse:
“Vejo que você gostou do palhaço Pantulfo! Assim sendo, porque não o escolhe para ser seu melhor amigo?”.
Miguelzinho olhou para o palhacinho, sorrindo; sabendo, já, que resposta daria ao mago.

EM - ALMANAQUE PALHAÇO - JACKMICHEL - IN-FINITA

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Migrar e maternar (excerto) - CLEIDI PEREIRA

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“Torna-te quem tu és”. Chega certa altura da jornada em que nos restam apenas dois caminhos: seguir o conselho de Nietzsche ou permanecer com o véu da ilusão. Quem eu era antes de ser aquilo que disseram que eu era ou que deveria ser e que, por insistência alheia, acabei me tornando? Há algumas formas de viver intensamente tal processo de autoconhecimento. A maternidade e a imigração são dois exemplos. Irmãos gêmeos, ambos são solitários e transformadores, nos tiram da trilha e dos trilhos.
É como se passássemos a vida a seguir um roteiro. Crescemos ouvindo que precisávamos “ser” alguém, como se existir não bastasse. Estudar, trabalhar, comprar casa, casar, ter filhos… Até que (compulsoriamente ou não) nos tornamos mães ou imigrantes – ou mães-imigrantes. E, por mais que saibamos dos desafios, o impacto é o de um tsunami.
De repente, rasga-se o roteiro e estamos diante de um palco e um público desconhecido. O nervosismo nos faz improvisar, ainda que a boa memória nos leve a repetir gestos e falas. Nesse improviso, muitas vezes, temos a chance de nos reencontrar, de conhecer aquela versão dopada, que mora em baixo de tantas camadas e máscaras.

EM - MULHERES EM DIÁSPORA - PLATAFORMA GENI - IN-FINITA

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 17) - C. GONÇALVES

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Subitamente, ele levanta-se da cadeira e puxa-me para si, as suas mãos agarram nas minhas costas, enquanto ao mesmo tempo, a sua boca rouba-me um beijo duro e arrebatador. As minhas mãos alcançam o seu pescoço e estico-me para o tocar. Consigo sentir as formas do seu corpo no algodão do pijama que trago vestido e há um formigueiro doce, há muito desaparecido, que corre nas minhas veias. Quando nos separamos, fixamos os olhos um do outro, sem dizer nada.

– A tua sorte, é que tenho de ir embora… – sinto o desejo na sua voz – temos de falar, mesmo…
– Sim… temos – digo baixinho.

EM - AS NOSSAS ALMAS SOLITÁRIAS - C. GONÇALVES - IN-FINITA

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Toco-te - ANTÓNIO CAPELLA

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Toco-te no amor e com parcimónia afago o teu desamor.

Se o afagar não chegar desamarrarei destas acariciantes mãos,
as mais fantásticas cores, para coloridamente te atar e não
hesitarei em te levar pelo caminho da morada há muito traçada,
lá para além dos pés da montanha desdentada, onde colheremos
a luz da Lua cheia de muita e ofuscante prata,
que parcimoniosamente para nós continua a ser amontoada.

Logo com o aparecer de um lusco-fusco, afagarei todos
os guardados quentes raios, para se volatizarem no teu olhar.

Não te deixarei de fitar, até que redigas com o teu
desconcertante, velho e velado sorriso de me adoçar:
Seu mau!
Nenhum destino, voltarás a procurar, pois é em ti que,
definitivamente, quero habitar.

EM - PALAVRAS ESCRITAS, PALAVRAS PINTADAS - ANTÓNIO CAPELLA - IN-FINITA

A cruz haitiana (excerto 17) - IARA LEMOS

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A escolha de Romélus pela Congregação do Imaculado Coração de Maria se deu pelas caraterísticas do trabalho desenvolvido pelas religiosas brasileiras, voltado especialmente para as crianças e para as mulheres, áreas até então debilitadas de atendimento naquela região do país. A opção foi também estratégica, já que Romélus5 não queria que, em sua comunidade, a educação das crianças fosse entregue às congregações masculinas.
Enquanto fora do interior as coletividades de padres se espalhavam de forma rápida no atendimento às crianças, algumas delas, com seus representantes preocupados em satisfazer seus prazeres acima de qualquer regra religiosa ou moral, o bispo de Jérémie tomou medidas para evitar problemas como esses em sua região. Por esse motivo, o presbítero optou pelas freiras. O resultado foi que, até os dias mais recentes, não havia denúncias públicas de casos que envolvam abusos sexuais na região em que o bispo Romélus comandou a chegada das congregações. Em Jérémie, são as mulheres da Igreja que seguem dominando o trabalho da educação de crianças e jovens.

EM - A CRUZ HAITIANA - IARA LEMOS - IN-FINITA

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

lugar predileto - FLÁVIO ULHOA COELHO

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Thio Therezo era muito discreto ao dar suas opiniões sobre qualquer coisa que parecesse um ranking, achava uma imensa e completa baboseira isso de o melhor sei-lá-o-quê, ou aquelas intermináveis listas de os dez melhores ou os cem piores ou o que seja que tanto inventam por aí.
Por isso, nunca ouvimos dele qual era o seu lugar predileto no mundo, ele que tanto viajou, tantas esquinas frequentou, tantos cantos... Mas nós temos a certeza, pelo brilho de seus olhos, que se o esquecermos em um daqueles imensos vales perdidos no meião da Irlanda, cuidando de meia dúzia de ovelhas e tendo como companhia poucas e bem selecionadas pessoas, ele seguramente não iria reclamar...

EM - HISTÓRIAS DO THIO THEREZO - FLÁVIO ULHOA COELHO - IN-FINITA

Tizé (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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− Mãe, vou matar a senhora. Recebi um aviso de Deus. O mundo não demora a acabar. O pai está com o Pai do Céu há muito tempo, a senhora disse. Agora mesmo, Deus, num clarão, me avisou que o pai quer a senhora junto dele. Fui o escolhido para lhe encaminhar ao pai. Então, logo depois da senhora, vou para o paraíso também.
A mãe, que cuidava da lida da cozinha, olhou fundo nos olhos do filho de dezoito anos, que desde menino cuidara da roça com o maior zelo e que, de supetão, acabava de entrar em casa. Há dez dias, ele estava desaparecido. Por esse tempo, padrasto e vizinhança toda andara léguas e léguas à caça de Tizé, moço que até então havia sido bom de fazer gosto. Desse jeito, sem mais nem menos, surge ele a brandir uma faca na mão esquerda, a dizer que estava ali para matar a mãe. Na mão direita, retinha ele o chapéu de feltro herdado do pai, que não largava em momento algum.

EM - CONTOS E CASOS - TEREZINHA PEREIRA - IN-FINITA

O Prédio (excerto 11) - SUSANA PIRES

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Convidaram-me a declamar no Rossio, lá fui eu com a licença na algibeira, esperança do encontro entre os pares.
Os negacionistas à hora programada dirigem-se descendo a avenida como uma nuvem de fumo, aproximam-se lentamente, o som progressivo no ressoar dos tambores anuncia a causa em gritos tribais, muito antes do corpo estar presente no local da entrega em que o físico dará lugar à alma, como o uivo dos lobos descendo apenas à civilização quando a fome lhes põe em causa a sobrevivência.
Rostos destapados, sem receios, corpos em espiral energética rodopiando a avenida, preenchendo os espaços até então vazios de odor, sentindo o roçar dos zumbidos nos ideais comuns, por eles ali tão humanamente partilhados. Alinham-se voluntariamente virados para o palco em frente à estátua onde nós, os eleitos da palavra, vocalizamos em peito solto.

EM - O PRÉDIO - SUSANA PIRES - IN-FINITA

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

O palhaço Pantulfo IV - JACKMICHEL

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Miguelzinho realmente não sabia o que iria pedir ao mago.
De repente, pôs-se a andar por todo o imenso Reino da Palhaçada; e não demorou muito tempo para descobrir o porquê daquele nome: havia milhares de palhaços dos mais diversos materiais, jogados por todo o chão.
O pequeno se encantou com os muitos palhaços que viu, dos mais diversos materiais: pano, palha, madeira, plástico, missanga, papelão, areia, ferro, lã e vidro.
O menino ainda continuou olhando os palhaços por muito tempo quando por acaso viu, no meio dos outros, um palhacinho de gordo rosto papudo.

EM - ALMANAQUE PALHAÇO - JACKMICHEL - IN-FINITA

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Trabalho doméstico como herança - CAROLINA VIEIRA

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Demorou anos até entender que saber fazer os afazeres da casa e servir aos homens era a herança para mim delegada. Nunca achei certo ser eu a única mulher de 3 irmãos a ser obrigada a fazer as tarefas domésticas que beneficiavam a todos e do alto dos meus 10 anos já questionava qual era a diferença entre eu e meus irmãos homens que comiam, bebiam e dormiam igualmente a mim.
Um dia minha avó disse: é que você é menina e precisa cuidar deles. Minha avó, uma mulher a frente do seu tempo tão machista quanto os piores machistas que já conheci. Nunca lavei as roupas, pratos ou guardei sapatos dos meus irmãos, fui chamada de ruim, ingrata, difícil de lidar e má pessoa.
Hoje com 34 anos entendo que as tarefas domésticas era a herança a mim delegada, me orgulho de saber me virar sozinha desde cedo mas não quero isso para a filha que um dia talvez virei a ter, espero que diferente de mim ela cresça sabendo que sua herança será tudo o que eu conseguir lhe passar e isso inclui afazeres domésticos também pois precisamos ser adultos que saibam se cuidar mas jamais essa será minha prioridade pois ela pode ser mais que a mulher que serve um homem.

EM - MULHERES EM DIÁSPORA - PLATAFORMA GENI - IN-FINITA

domingo, 19 de fevereiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 16) - C. GONÇALVES

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Sento-me no outro sofá e bebo o meu café calmamente, enquanto faço zapping pelos canais de televisão. Apanho um filme já a meio e deixo-me estar encolhida no sofá, como tantas vezes, quando estou em casa sozinha. Mas hoje não estou só. Hoje, sinto um cheiro diferente no ar da minha sala. Hoje, outro adulto que não eu, respira comigo do mesmo ar. E mesmo que durma como uma criança, não deixa de ser um homem; aquele que dorme em minha casa, esta noite. Não consigo deixo de olhar para o seu rosto másculo, a barba que já desponta, as pestanas que recaem sobre os olhos fechados. O seu cabelo, meio ondulado, encaixa-se com perfeição na minha almofada colorida. E tudo de repente me parece tão certo, tão completo... é isso que sinto. O seu rosto é perfeito e levo a mão à sua testa, acariciando-lhe os cabelos suavemente. Os meus dedos estremecem quando sinto a sua pele quente, deitado simplesmente ao meu lado emanando tanta sensualidade. Percebo que preciso disto, se calhar mais do que queria. Mas isso agora não importa.

EM - AS NOSSAS ALMAS SOLITÁRIAS - C. GONÇALVES - IN-FINITA

sábado, 18 de fevereiro de 2023

A cruz haitiana (excerto 16) - IARA LEMOS

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O processo de expansão da Igreja Católica em território haitiano foi uma missão desenvolvida de forma diferenciada em cada uma das dezenas de congregações que no país se instalaram desde a chegada dos primeiros missionários católicos, entre os anos 1860 e 1890. Sediadas em diferentes regiões do país, cada uma das coletividades tem objetivos específicos na missão única de difundir o catolicismo num território onde o Vodu é considerado um problema a ser enfrentado pela Igreja Católica.
Não é diferente a missão das religiosas brasileiras do Imaculado Coração de Maria em terras caribenhas. A tarefa delas apenas soma-se às demais, embora possua caraterísticas diferenciadas, especialmente na condução dos trabalhos junto à comunidade.
Adeptas da Teologia da Libertação, a corrente criada por meio do Concílio do Vaticano II nos anos de 1960, que parte da premissa de que o Evangelho tem opção preferencial pelos mais necessitados, as religiosas focam os seus trabalhos nas prioridades e no bem-estar do povo haitiano. Isso as diferencia de outras congregações, especialmente masculinas, em que o conforto do clérigo é colocado acima de qualquer questão moral e política, interferindo diretamente nas condições do povo haitiano, usando especificamente de suas fraquezas.

EM - A CRUZ HAITIANA - IARA LEMOS - IN-FINITA

Tomo I - ANTÓNIO CAPELLA

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Quando sonho que estou no teu sonho, acordo antes do epílogo
e abruptamente regresso a uma tremida razão, no entanto logo
sinto a cancela de corisco a circundar sexos apertados, bem
como os muito poucos laxados.

Tenho noites que ficam muito aquém da incansável e fria
taramela em noite fechada e severa.

Sabe que é nestes tormentos que te olho adormecida e que,
sorrateiramente, tento atar-te à minha volta, enquanto me vai
crescendo maliciosa maldade sem qualquer regra.

EM - PALAVRAS ESCRITAS, PALAVRAS PINTADAS - ANTÓNIO CAPELLA - IN-FINITA

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O Prédio (excerto 10) - SUSANA PIRES

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Pelas manhãs cedo, viajávamos num barco de pesca simples desfrutando da companhia, que os golfinhos saboreavam a tarde nos humanos atrevidos.
Era tudo jovem, perfeito. Às sextas-feiras o Sabbath na família judia, entrando o teu encanto junto à encosta no tchim-tchim de futuro.
Os suspiros rompem em ascendência o eco das escadas como vultos ofegando às superfícies da vida - outra vida - que não nos torture neste todo de desencanto.
Escuta-se o ranger da água que se congela aos poucos nos canos velhos do prédio em submissão, as Igrejas vazias, a arte sacra vigia-se a ela mesma não necessitando do olhar dos fiéis, desse tempero em uníssono deixando agora as procissões num nevoeiro esperando a chegada de um D. Sebastião.

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Arlinda (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

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Era uma quase tarde de abril, o frio ameaçava chegar, quando um carteiro entregou um envelope à Arlinda, que leu o escrito, sem compreender os dizeres. Dobrou o papel, repetindo as dobras, que devia ser coisa de muita importância e colocou-o em cima da cristaleira. No quase noite, quando o filho haveria de chegar de suas andanças desnorteadas, poderia lhe fazer entender, por qual motivo a Caixa Econômica lhe enviara tal correspondência. Tudo o que havia conseguido fazer em toda a sua existência estava depositado na Caixa. Era com os juros desse dinheiro que inteirava a minguada pensão do falecido, para o de comer e para o remédio do filho que havia ficado doente da cabeça ao chegar na idade adulta. Do marido que muito amara, herdara uma casa de seis cômodos e a pensão para cuidar de si e do menino de então dois meses, que passou a ser o único motivo de alegria e de riso.

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o tal futuro (excerto) - FLÁVIO ULHOA COELHO

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Está em estudos a fabricação de um chip que, implantado no cérebro das pessoas, as ajudariam a corrigir suas ideias, assim como o corretor dos smartphones faz com as mensagens de zapzap.
É claro que nesse último caso nem sempre a coisa funciona bem. Você escreve, por exemplo, “um feliz natal” e envia e, vai entender a mente perturbada do programador desse corretor, quando você olha de novo está escrito “infeliz natal”. Serão necessários meses de investimento emocional para recuperar a amizade que acabou de perder.
Mas o chip, dizem os entusiastas, funcionaria assim. A pessoa pensa em dizer alguma coisa, mas, antes que as cordas vocais possam entrar em ação, o chip teria ainda a possibilidade de corrigir a sua fala, revisá-la por assim dizer. Ninguém mais falaria algo sem pensar. E mais, por meio de inúmeros algoritmos especificamente criados para tal, sua fala estaria adaptada plenamente ao seu perfil (e quem melhor do que esses algoritmos para dizer com certeza os seus gostos e convicções, não é?).

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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O palhaço Pantulfo III - JACKMICHEL

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Assim que o pequeno chegou ao Reino da Palhaçada viu logo o seguinte cartaz pregado na porta: “AQUI SÓ É PERMITIDA A ENTRADA DE PESSOAS ALEGRES E BRINCALHONAS. OS SÉRIOS NÃO PODEM ENTRAR.”.
Miguelzinho continuava olhando tudo: as paredes de chiclete, o teto de algodão, o piso e as portas de biscoito quando, subitamente, foi surpreendido pela visão fantástica de um homem muito alto, com enorme nariz e risonhos olhos azuis que lhe tocou o ombro e falou:
“Olá, Miguelzinho! Eu sou o Mago Palpiteiro. E gostaria de transformar todos os sonhos em realidade!”.
O pequeno continuou calado, diante da oferta do mago, pois não sabia ainda o que pedir.

EM - ALMANAQUE PALHAÇO - JACKMICHEL - IN-FINITA

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

O retorno (excerto) - ANA LUIZA DE VASCONCELOS MARQUES

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Joana tinha deixado a cápsula para retomar a aldeia de sua mãe. O mundo passava a ser outro rastro diante dos seus olhos. A realidade agora tinha limites para além de uma tela, embora a inteligência artificial tivesse tomado conta de quase tudo que restou naquele mundo. Na sua trajetória até o destino final teve a possibilidade de vislumbrar o céu, sentir o queimar do sol na sua pele e até observar os contornos das nuvens que pareciam sorrir para si. Nem se lembrava da última vez que havia admirado qualquer paisagem que fosse natural. Respirava fundo pra sentir o ar entrando e saindo pelos pulmões. Há muito tempo não se recordava desse movimento que antes era tão natural, pois o mundo parecia ter tomado seu fôlego e a sua vida sacrificada ao piloto automático regido pelo slogan: “meu corpo, minha sentença”.
Optou por fazer o caminho com as próprias pernas ao invés de deslizar pelas esteiras ou voadores que tinham por todo o lado na estrada. Sabia que a partir do momento que atravessasse a fronteira o seu universo perderia a conexão. Era aquele o seu limítrofe onde deixaria as suas redes para trás. Desconectaria de sua própria imagem que, de tão semelhante a tantas outras, não se reconhecia mais. Quem afinal era?

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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

As nossas almas solitárias (excerto 15) - C. GONÇALVES

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Lentamente, os nossos corpos encostam-se e as nossas bocas encontram-se mais uma vez, num beijo lento e demorado. Inconscientemente, aperto-lhe os nós dos dedos enquanto sinto o seu peito rijo encostado ao meu. Na vertigem, percebo o quanto me é difícil resistir-lhe e o quanto seria fácil, ceder ao instinto e entregar-me. Mas não o quero fazer; pelo menos não já. Não antes de perceber o que sinto por ele, não sem antes ter argumentado mil vezes contra o meu corpo frágil e solitário, nunca antes de ter enfrentado guerreiramente as ondas rebeldes do desejo que se espalham em mim quando me toca.

Jantamos como dois velhos amigos. Conseguimos rir e conversar com satisfação, enquanto o tabuleiro de lasanha vai desaparecendo. Na sala, da televisão ligada no Vh1, o Adam Levine canta aos nossos ouvidos:

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