sábado, 30 de julho de 2022

Tempero de amor (excerto) - ITANIRA SOARES

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Quero entrar nessa casa com cheiro de tempero fritos no óleo de coco, na gordura do porco, no gosto do gosto que ficou na memória do meu paladar.
Quero entrar com pés de criança que medem anos, pernas que correm em um corredor de recordações.
Olhos encharcados lavarão paredes tateadas de emoção, mãos agarradas as portas fechadas quase não querendo abrir-se para me deixarem entrar.
Teias de aranha nos cantos, bordam fios de histórias, páginas e páginas com nossos personagens pais, irmãos... cenários vividos pulando dos meus olhos, inquietude dos atores em encenações diversas, ouvindo pássaros engaiolados cultura antiga, comum na época, mas bem tratados. Um cupido de canto estridente dispensando caixas de som, acordando cada cena nos distintos compartimentos da casa.
Quero entrar como se o passado me desse um empurrão de cair no presente, como se me açoitasse o presente por querer voltar ao passado, essa vontade impregnada do que foi bom, do que foi proveitoso, do que foi alvissareiro.
Do cheiro do óleo de peroba nos móveis, da cera de carnaúba no piso de mosaico brilhante, cheiro dos lençóis lavados na água da bica, engomados pelo ferro em brasa, cheiro de criança, cheiro de gente, cheiro de amor.

EM - PELOS CAMINHOS DO MEU UNIVERSO - ITANIRA SOARES - IN-FINITA

Episódio: O Mestre e o Discípulo (excerto) - LAURINDA RODRIGUES

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O mestre e o discípulo chegaram ao monte alentejano, num dia de frio e sol.
Mal pararam o carro, viram que, na enorme figueira, mesmo em frente da casa, estava um pássaro, preso na rede (que protege os figos dos devoradores), esbracejando, sem conseguir encontrar o caminho de regresso ao espaço.
O discípulo desceu a correr, para ir tentar soltá-lo, enquanto o mestre arrumava o carro.
A tarefa, a que se juntou o mestre, não foi fácil: a ave tinha uma pata completamente envolvida na rede e já ferida. Tiveram de cortar a rede, para retirá-la.
Depois, ambos começaram a ainda mais difícil tarefa de retirar os pedaços dr rede da pata ferida. Delicadamente.
À vez, um agarrava a ave entre as mãos e o outro ia desembrulhando…

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

Gênero e Imigração (excerto 12) - CAMILA FRANCO HENRIQUES

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Ao participar como voluntária da Rede Solidária da Plataforma Geni, criada como forma de dar apoio a mulheres brasileiras que se encontravam em Portugal durante a pandemia da Covid-19, tive contato com diversos casos que guardavam em comum situações de violência. As violências dos casos selecionados para análise foram geradas, direta ou indiretamente, por relacionamentos amorosos, passados e presentes. E a verificação da situação de maior vulnerabilidade pela qual estas mulheres passavam, por meio de seus relatos, foi o principal motivo que levou à escolha do tema e desenvolvimento deste trabalho.
Assim, diante da constatação da soma de marcadores de vulnerabilidade da mulher imigrante e a partir dos casos da Rede Solidária, pretende-se responder a seguinte pergunta: “em que medida a condição de mulher imigrante brasileira em Portugal agravou sua situação de vulnerabilidade durante a pandemia da Covid-19, a partir das violências decorrentes, direta ou indiretamente, de seus relacionamentos amorosos?”. O objetivo geral é, então, relacionar as situações de violência vividas por mulheres imigrantes brasileiras, a partir de casos reais decorrentes de relacionamentos amorosos em Portugal, com suas situações sobrepostas de vulnerabilidade. 

EM - GÊNERO E IMIGRAÇÃO - PLATAFORMA GENI - IN-FINITA

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Superstições (excerto) - PEDRO SILVA

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- Alho: É um alimento muito importante no campo do misticismo. Ao que parece, será capaz de afugentar os vampiros, pois lhes provoca profundo terror. Em alguns países, uma cabeça de alho deve seguir dentro do bolso do casaco de alguém que pretende evitar o mau-olhado ou demais bruxarias, estando, portanto, no campo dos amuletos. Estamos em crer que, acima de tudo, sempre foi utilizado, com efeitos positivos, no campo da medicina, ganhando aí o seu nome positivo. Uma pequena erupção cutânea deve ser esfregada de imediato com o interior de um alho cortado ao meio, impedindo a infecção de avançar. Actualmente, as dificuldades em curar o cancro levam a que muitos comem alho cru na esperança de evitar o aparecimento ou propagação, no interior do corpo, dessa terrível e mortal maleita. O que é confirmado é que se trata de um bom tratamento para a hipertensão. Seja como for, egípcios e gregos não apreciavam o alho, proibindo em certos locais, mas sempre reconhecendo as suas propriedades contra algumas infecções. Os soldados romanos costumavam comê-lo antes das batalhas, por crerem na sua protecção e que lhes daria mais força.

EM - O OUTRO LADO DA HISTÓRIA DO MUNDO - PEDRO SILVA - IN-FINITA

quinta-feira, 28 de julho de 2022

Arco-íris - JOSELMA NOAL

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Demorou para dormir. Só fazia pensar na manhã seguinte. Adormeceu agarrada no ursinho. Sonhou com o passeio ao ar livre. Despertou com o barulho da trovoada. As lágrimas da menina competiam com as gotas da chuva, quando a mãe chegou gritando no quarto: Levanta, guria, já está tudo pronto para o piquenique!
No colo da mãe chega até a sala. No tapete: toalha xadrez, almofadas coloridas, bolinho, sanduíche, frutas, suco e achocolatado. Na janela, vários desenhos coloridos colados com fita adesiva: sol, árvores, flores.
Do rosto da menina, molhado de choro, brotou uma risada.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

Grinalda de emoções (excerto 24) - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA

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Tivemos muitos dissabores e momentos em que não estávamos de acordo uma com a outra, as nossas opiniões divergiam em quase tudo. Ela era uma senhora muito conservadora e gostava de comandar em tudo e em todos. Eu era rebelde e queria viver, queria ser como as outras crianças e, mais tarde, adolescentes, mas nunca o fui! A opressão, as proibições e a forma como a minha mãe achava que me devia criar, formaram um abismo entre nós, que se prolongou pela vida fora. Mesmo já depois de adulta e ter compreendido que tudo o que ela fez e a forma como fez foi com a convicção de que era o melhor para mim, nunca consegui ultrapassar a barreira que fora criada entre nós.
Quando penso em tudo isto, muitas vezes sinto-me revoltada comigo mesma, por não ter sido adulta suficiente para conseguir resolver este problema dentro de mim. Peço perdão à minha mãe, olho-a de frente, na foto que tenho sobre a minha secretária, outro local onde gosto de me sentar a pôr em ordem os pensamentos e os sentimentos, e sei que ela me perdoou. Sinto-me aliviada até nova revolta.

EM - GRINALDA DE EMOÇÕES - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 27 de julho de 2022

Navegando juntos (excerto) - ANANDA LIMA

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Muitas mulheres são abandonadas por seus companheiros quando mais precisam deles. É muito comum, infelizmente, mulheres diagnosticadas com câncer se verem sozinhas neste processo. Alguns homens dizem não suportar a convivência com a mutilação e com o tratamento que leva anos.
Quando escolhemos uma companhia afetiva para a vida, normalmente imaginamos a partilha de alegrias, cumplicidade na vivência, amparo nas torrentes. Não é uma realidade para muitas mulheres, pelo contrário, além dos desafios impostos pela doença, ainda há o sofrimento envolvendo a vida afetiva e familiar.
Fazer um tratamento de câncer significa sofrer alterações no corpo, seja em decorrência de uma cirurgia ou uso contínuo de medicamento. As cirurgias estão cada vez mais procurando preservar a mama, a autoestima das mulheres. A mama é símbolo da feminilidade, tem relação com a vaidade e estima de muitas mulheres.
Essa experiência dolorosa me mostrou a força do amor, como ele se faz presente nas sutilezas da vida, especialmente nas adversidades.

EM - 2020 PARTINDO PARA ALTO MAR - ANANDA LIMA - IN-FINITA

terça-feira, 26 de julho de 2022

A sereia e o caminhante (excerto) - RUTH COLLAÇO

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Naquela tarde, tinha decidido que ao chegar a casa, deixaria tudo para trás.
Ia encher a banheira, preparar o seu banho, hoje não queria espuma, queria apenas a essência de sândalo e as pétalas vermelhas que ao boiar em volta do seu corpo lembrariam o curioso toque dos dedos brincalhões que ontem a tinham tocado.
Pegou num livro de poemas, uma obra completa de uma outra alma que como ela conhecia as veredas da paixão marcadas na sua memória como a água do banho iria marcar as pontas dos seus dedos, engelhados pelo frio da saudade que a sua pele já sentia.
Pegou na sua esponja, submergiu-a na água e num gesto corajoso, procurando alívio espremeu-a sobre a sua cabeça, coroando o momento que ela tão vividamente gravara.
Que dia aquele, pensara enquanto gotas acariciavam o seu couro cabeludo, provando um leve arrepio, sensação gostosa... ela queria apenas o silêncio, não um silêncio qualquer, nem o som distante das ondas do mar, nem a brisa lhe chegaria.

EM - BEIJOS E CONTOS - RUTH COLLAÇO E HETERÓNIMOS - IN-FINITA

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Solidão - ITANIRA SOARES

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Solidão não é estar só.
Uma parede onde o corpo se encosta é companhia.
A cama que concilia meu sono é companhia.
Meu próprio olhar faz-me companhia. Na confidência faz-me ver coisas de uma forma brilhante.
Não é solidão quando minha boca fala em silêncio enquanto grito companhia.
Entre a tristeza e a alegria não há solidão.
Até a morte encontra barulho na visita inesperada.
O mantra do silêncio acústico faz eco dentro de mim.
Até meus próprios braços me abraçam
Até a solidão tem parceria com o silêncio
Portanto não é solidão estar só.
Solidão tem sempre uma parceira. É uma música, o sopro do vento, a claridade, a escuridão, o travesseiro, o som ou o próprio barulho da solidão.
E no silêncio de todos os silêncios a oração é a minha companheira.
E dentro de todas as companhias que abordam o termo solidão está ELE que não nos desampara jamais.
Só lhe dão – sempre AMOR
Só lhe dão – constante CARINHO
Só lhe dão – nunca! SOLIDÃO.

EM - PELOS CAMINHOS DO MEU UNIVERSO - ITANIRA SOARES - IN-FINITA

Gênero e Imigração (excerto 11) - MARIANA BRAZ

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A experiência de coordenar o Brasileiras Falam tem sido muito positiva e gratificante porque através dele tenho percebido que também posso contribuir para que outras mulheres se sintam mais amparadas e menos sozinhas, e enxerguem que é possível enfrentar essas situações de violência e ainda assim conseguir alcançar os próprios objetivos no exterior. Ouvir as experiências de mulheres que estão vivendo fora do Brasil há pouco tempo também acaba por me lembrar os meus primeiros meses em Portugal e as dificuldades com que me deparei assim que cheguei aqui. Ter encontrado outras mulheres brasileiras que me ajudaram em diversas situações foi indispensável para que eu conseguisse me adaptar e ter motivação para continuar em busca dos meus objetivos, e é algo que ainda me ajuda e que é fundamental até hoje. Cada dia estou mais convencida de que essa união entre as mulheres brasileiras que vivem em outros países é extremamente necessária em todo esse processo de adaptação, e também no combate a discriminação e na desconstrução de estereótipos. Poder retribuir um pouquinho do apoio que recebi devolvendo isso a outras mulheres e a sociedade tem sido imensamente recompensador.

EM - GÊNERO E IMIGRAÇÃO - PLATAFORMA GENI - IN-FINITA

domingo, 24 de julho de 2022

Superstições (excerto) - PEDRO SILVA

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- Sexta-feira: O único aspecto positivo deste dia da semana é que se crê que desmamar uma criança, a uma sexta-feira, será torná-la mais forte para o resto da vida. Para além disso, é considerado, unanimemente, o mais aziago dos sete dias que compõem o ciclo completo semanal. A razão para tal parece provir directamente de Adão e Eva, sendo neste dia que o elemento masculino cedeu à tentação. Iniciar um emprego neste dia não augura nada de bom para a vertente profissional, ao passo que não é comum que alguém escolha contrair matrimónio neste dia. Mais recentemente, a sexta-feira 13 celebrizou-se pela negativa, pois junta o treze (doze apóstolos mais Jesus Cristo, em que um deles traiu o seu Senhor, assim como nunca convém colocar treze pessoas a uma mesma mesa pois um dela falecerá em breve) ao mau prenúncio natural da sexta-feira. Mas muitos defendem que o pavor à sexta-feira 13 se deve ao facto de ter sido nesse dia que Jacques de Molay, último mestre templário, foi queimado vivo, agonizando e amaldiçoando os seus algozes. Esta é uma das teorias mais correntes para explicar o facto de todos andarem mais atentos quando este dia da semana se cruza directamente com o número do azar.

EM - O OUTRO LADO DA HISTÓRIA DO MUNDO - PEDRO SILVA - IN-FINITA

sábado, 23 de julho de 2022

A Amadora (excerto) - JANE LIMA

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Quando uma mulher elegante, com rosto fino, pálido e vestida de preto sentou-se bem em frente à escultura-chafariz para apreciar o jardim do antigo Palácio do Catete, o sol já se alaranjava. De vez em quando ela passava o lenço nos olhos que lacrimejavam como se fosse possível regar o “jardim das musas”.
Ela sempre suspirava de saudades da Belle Époque carioca, toda vez que voltava àquele lugar. A sensação que dava ao visitar o passado era como se ela pudesse ouvir as fanfarras presidenciais em dias de festas e o sino do bonde que soavam como vozes em um sonho. Mary Sayão Pessoa tinha fortes motivos para justificar sua ligação às lembranças de muitos episódios indeléveis que ali ocorreram. Perfeito “Palácio de Memórias” que provocava um encontro com ela mesma.
Fluindo lentamente por aquelas frias salas e corredores, ia Mary sem esperar surpreender-se com mais nada. Mas de repente, um quadro a fez parar. Como ela amava seu autorretrato! E por um longo instante, ele transportou-a para seu tempo de aluna do mestre Rodolfo Amoedo, na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Foram duas exposições que participara. E mesmo tendo sido considerada uma excelente pintora amadora pela crítica, sua carreira fora prejudicada com a participação das mulheres, proibida, nas aulas de anatomia. É que na arte a mulher não era o sujeito, mas o objeto.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

Grinalda de emoções (excerto 23) - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA

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A seguir ao demorado almoço, pois alguns dos meus meninos-idosos já demoravam muito tempo a mastigar e também a engolir, por vezes, ajudava as trabalhadoras do lar, a dar os alimentos aos mais necessitados de apoio. Mas, ia eu dizendo, a seguir ao almoço, fomos para a sala das distracções, como nós lhe chamávamos, jogar e fazer puzzles, algo que eles adoravam e os ajudava a passar o tempo e que, por outro lado, também exercitava a memória.
Mais um dia muito bem passado, quer para mim, quer para os meus meninos-idosos.
Fui para casa, não sem antes, e como de costume, passar pelo café da Marianita para dois dedos de conversa e matar saudades de uma popia, acabadinha de sair do forno quente, da avó Joaquina. E o cheirinho a pão quente, acabadinho de sair do forno, fazia crescer água na boca, mesmo sem a manteiga feita pela tia Rosinda, que era pura e sem misturas, mesmo sem ela, aquele pãozinho sabia que nem o melhor manjar do mundo.

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sexta-feira, 22 de julho de 2022

À deriva em alto mar (excerto 5) - ANANDA LIMA

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Hospital grande. O barulho de macas indo e vindo é enorme. Aquilo, aparentemente simples, causa-lhe uma expectativa, um frisson. Mais cedo estava ansiosa com a mudança de horário, mas as músicas e preces em áudio me ajudaram acalmar.
Ao despedir-me do meu marido, quis chorar, mas tentei conter. Fui para a minha jornada. A enfermeira passou o cinto e começou a empurrar a maca. Lembrei-me de várias mensagens recebidas dias antes, que diziam: confie na luz, entregue-se à luz.
Pensei por um instante: a luz aparecerá no centro cirúrgico? A luz será de um dos meus chakras? Irei me desdobrar e verei a luz próxima a mim ou em mim?
Eram tantas hipóteses para aquelas mensagens. Agora estava deitada, passando por inúmeros corredores e quando olhava para cima eram tantas luzes em sua extensão. Seriam aquelas luzes? – Pensava.
Se fosse, já tinha perdido várias oportunidades de mergulhar nelas, pois já tinha passado por diversas.
Enfim, chegamos no elevador. Subimos. Chegando ao destino, a porta se abriu. Era um ambiente animado, música suave. Dei um leve sorriso. Pensei: aqui é bom, tem uma atmosfera legal. Tinha um homem e uma mulher conversando, todos de azul, com aquelas roupas especiais. Já fui deduzindo que seriam os médicos responsáveis por minha cirurgia.

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quinta-feira, 21 de julho de 2022

A fogueira da espera - RUTH COLLAÇO

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"... apertou os olhos ao sentir aquele arrepio forte que lhe sacudiu o peito e busto, dando forma à memória que trazia no corpo. De momentos suados, em que se negam promessas e se descobrem segredos, dos cantos mais recônditos de cada sonho que se acalenta ao longo da vida.
Ali, sozinha, enrolada numa coberta, alucinou vê-lo chegar, cheio de frio, gola do casaco subida, mãos trémulas, mas não por sentirem frio... boca gelada, arfava serenamente, abrindo caminho para o beijo que já dela fluía.
Sabia muito bem que não seria dia de o ver, muito menos de o ter, mas o que faz quem ama quando não tem quem ama, senão sonhar, deixar que o pensamento rapte os sentidos e suba colina acima procurando o deslumbre de quem é esperado e desejado.
Livre era o seu querer, como o vento que lambe as montanhas e beija as frágeis flores primaveris. Vestia os minutos da espera com echarpes de seda que deixava que lhe deslizassem pelo corpo, suave e lento, paciente... era a saudade pronta para ser morta, entregue aos caprichos de quem chegaria...
Lá fora chovia... ele chegou e afogou-lhe os sentidos ao chegar.
Perdidos na noite, uivava o vento e gemia o quarto..."
Estremeceu.
Apertou-se no aconchego da manta, abeirou-se da lareira, e enquanto esperava, adormeceu.

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quarta-feira, 20 de julho de 2022

Perseguidora de sonhos - ITANIRA SOARES

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Caçadora saio pelas ruas de mim, sem bastão, sem farol, sem caminho, sem rumo, sem direção.
Fala por mim apenas os sinos da catedral erguida em meu lá dentro retumbando o bronze sonoro que ecoa latente nas paredes de mim.
Genuflexos o joelho se dobra, impõe o respeito, exercita a humildade, proclama a fé, implora o perdão.
Em cada tripé de sonhos recarrego as baterias e a energia me alimenta com sonhos irrecusáveis, beijos ininterruptos, felicidade sem fim.
Desbravo em cada segundo a profissão da fé, em procissão seguindo debulho contas que falam orações, evoco preces de mãos postas puxando esperança, farol aceso com olhar lacrimejante de pedinte, de esmoler da terra, emitindo fé, até quando a dor se transformar em prazer, o sorriso em gargalhada, o caminhar em saltitantes luzes de esperança.
O caminho é íngreme de pedras que dificultam a passagem, obstáculos perniciosos, luta onde o olhar atinge o infinito e é lá aonde não sei chegar.
Nas trincheiras do meu caminhar o que me abre alas nessa batalha, um desafio nesse mundo sem regras, sem lei, sem delimitações, aparências que confundem, armas sem munições deflagradas no meu caminho de sonhos, chameja dentro de mim a força, a luz, a fé que envolve essa vontade infinita de viver plenamente o amor.
Não desisto. Quero ser feliz!

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Gênero e Imigração (excerto 10) - MARIANA BRAZ

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Ao longo do Projeto, infelizmente, nos deparamos com algumas situações desagradáveis. Mesmo com todos esses cuidados no planejamento e na gestão do Brasileiras Falam, ainda tivemos algumas experiências negativas que nos deixaram ainda mais atentas à questão da segurança das mulheres participantes. Recebemos mensagens de alguns homens estrangeiros interessados em participar das reuniões, mesmo sabendo que o grupo é destinado apenas a mulheres brasileiras que enfrentaram algum tipo de violência no exterior, alegando que as reuniões precisavam ser “mais democráticas”, como se as vivências dessas mulheres tivessem de ser discutidas, validadas e explicadas por um homem estrangeiro. Depois desse acontecimento, passamos a solicitar que as câmeras estivessem ligadas durante as reuniões para evitar maiores problemas. É lamentável que tenhamos de nos preocupar com questões relacionadas à segurança em grupos de apoio emocional a mulheres imigrantes, mas ainda parece haver, por parte de algumas pessoas, uma resistência muito grande de que a xenofobia seja falada e discutida.

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terça-feira, 19 de julho de 2022

Fecha essas pernas, menina! (excerto) - ISA MARTINS

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– “Fecha essas pernas, menina!”
A ordem sempre vinha acompanhada de um chute na minha vagina. O local latejava por horas.
Aos seis anos, eu não entendia o que havia de errado em brincar com as pernas abertas.
Então, Doutora, eu vivia esquecendo e mostrando as minhas calcinhas de algodão, geralmente estampadas com bichinhos ou flores coloridas. A minha favorita era uma de fundo branco, com pequenas rosas amarelas e três babados de renda branca no bumbum. Lembro-me de ter ficado aliviada por não estar usando-a quando sangrei.
Ao chutar a minha vagina daquela vez, minha tia estava com um sapato duro. Além da enorme dor, senti muita vergonha pelo fato do meu tio e do meu primo estarem olhando para mim.
Quando ela viu que eu estava sangrando, me mandou trocar de roupa. Enquanto eu ia para o quarto chorando, ouvi meu tio dizer que aquilo era um exagero. Minha tia respondeu que estava me educando. “Onde já se viu, uma menina de pernas abertas, mostrando tudo para todo mundo!!??”. E ainda completou que não era a primeira vez que eu fazia aquilo. Mas que eu iria aprender a ficar de pernas fechadas. “Custe o que custar.” Disse.

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Superstições (excerto) - PEDRO SILVA

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- Gatos: Muito provavelmente, será o animal mais conhecido no campo da superstição. Em algumas civilizações, é sinal de mau agoiro, principalmente o gato preto, que de acordo com os celtas, deveriam ser sacrificados aos deuses. Hoje em dia, teme-se cruzar com um gato preto, algo que significará sete anos de infortúnio. Para além disso, se acidentalmente alguém matar uma gata em pleno período gestacional, por cada cria morta somar-se-á um ano de infelicidade. No Egipto antigo, os gatos eram considerados deuses (tal como a gata Bast) e substituíram o leão em alguma iconografia mística. Porém, a verdade é que em outras culturas, o facto de se cruzar com uma gato preto é sinónimo de boa sorte, sobretudo se formularmos um desejo. Mas, regra geral, o gato não é portador de boas novas, antes pelo contrário. E, estamos em crer, que tal se deve por ser um animal furtivo, com olhos penetrantes, que se acreditavam estarem intimamente ligados a bruxarias. Ter um gato como animal doméstico será a procura de evitar que o seu eventual poder maléfico se propague ao lar. Tratando-o bem evita-se o infortúnio. E, curiosamente, o gato tem mais tendência para se revoltar contra a dona, por ser do sexo feminino. Na Idade Média, São Domingos representou o diabo sob a forma de um gato, tornando esse animal num campo demoníaco. Muitas superstições estão intimamente ligadas ao gato, a saber: se um gato se deitar em cima de uma campa, significa que o defunto arde no inferno; se o animal olha de forma continuada para a janela é prenúncio de chuva; e, por exemplo, se a gata dorme com as patas escondidas é sinónimo de mau tempo.

EM - O OUTRO LADO DA HISTÓRIA DO MUNDO - PEDRO SILVA - IN-FINITA

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Grinalda de emoções (excerto 22) - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA

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Consegui controlar-me. Olhei em redor e apreciei as minhas flores, rejuvenescidas pela primavera. Ouvi o pipilar assíduo dos pardais que pousavam no beiral. Tanta beleza me rodeava, eu só podia sentir-me feliz e privilegiada.
O relógio da torre da vila toca à uma hora da tarde, claro. Tinha guardado no frigorífico umas sobras de caldeirada de bacalhau que aqueci no micro-ondas e comi regaladamente, com a companhia sempre atenta, do Faísca. O melão fresquinho soube-me tão bem que repeti a talhada! Um café deu por terminado o almoço.
Ainda não tinha falado do Raul à Paulinha e também não me apetecia fazê-lo naquele momento.
Olhei pelo postigo da porta principal e vi a rua deserta, parecia que já ninguém morava naquela vila. Outros tempos. Outras gentes.
Também não me apetecia ler.

EM - GRINALDA DE EMOÇÕES - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

domingo, 17 de julho de 2022

À deriva em alto mar (excerto 4) - ANANDA LIMA

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Até o momento não conhecia o médico que faria a cirurgia. Ouvir aquilo de uma paciente, era um excelente parâmetro. Conversamos um pouco mais, então quis me recolher interiormente. Fui assistir uma palestra espírita, não conseguia me concentrar em leitura. Estava ansiosa. Até que o sono veio.
A madrugada foi movimentada. Primeiro, entrou uma enfermeira cantando no quarto e medicou as pacientes que já tinham feito cirurgia. Voltamos a dormir. Depois, apareceu uma médica. Acordei com ela junto de mim dizendo que o horário da cirurgia havia mudado, em vez de 7 h seria às 9 horas. Fiquei até com dificuldade de discernir se era sonho ou realidade. Fiquei meio aérea, até que a ouvi falando outras coisas com outras pacientes. Concentrei-me na informação dada. Aquilo era importante. Minha mente, minhas emoções, tudo estava concentrado para as 7 horas da manhã. Antes do dia amanhecer, mais uma enfermeira passou pelo quarto. Ríamos de tudo o que acontecia. O assunto principal a cada “acordada” era a fome que tomava conta de todas ali, comida de hospital é bem restrita. 

EM - 2020 PARTINDO PARA ALTO MAR - ANANDA LIMA - IN-FINITA

sábado, 16 de julho de 2022

Alforria (excerto) - IDÊ FERREIRA

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Ela já estava saindo, quando o telefone toca.
– Mãe, fica com a Nina pra mim?
– Oh, filha, tenho hidro, já estava saindo!
– Mãe por favor, tenho que ir trabalhar e hoje Nina não tem aula.
– Tá bom, trás ela, então!
– Já estamos aqui na porta. Tchau, passo aí depois das seis para pegá-la.
– Mãe, fica com o Caio prá mim?
– Ah, filha, marquei com minhas amigas um jogo de buraco. Estou até atrasada.
– Ah, mãe, joga outro dia. A babá deu o cano de novo!
– Então tá, pode deixá-lo aqui. Não se esqueça de trazer fraldas e mamadeira. Da outra vez você não trouxe nada dele.
– Acho que já vou deixar umas fraldas aí, para não ter problemas. – Estou chegando!
No sábado o marido disse:
– Bem ,hoje é sábado, vamos sair para jantar? A gente não sai mais, você só fica olhando os netos.
Quando os dois já estão prontos para sair, a campainha toca.
– Mãe, fica com as crianças para mim? Eu e Zé Mauro vamos encontrar com nossos amigos, e não dá para levar criança para barzinho, concorda?

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A essência dos deuses (excerto) - RUTH COLLAÇO

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"Não esperas por mim?"
Deixou que o lençol lhe escorregasse do corpo, pisou-o suavemente, um pé de cada vez, soltou o cabelo, enfiou o dedo na ranhura que deixava escapar o vapor de um banho de chuveiro que se anunciava quente e relaxante.
Por trás da porta deslizante adivinhava o contorno do corpo que há momentos também deslizara pelo seu, descobrindo em cada curva segredos jamais contados.
Também ela deslizou, para dentro daquele cubículo, onde a ternura se sentia mais perto dos seus poros que a própria água que lhe tocava a pele. Gota a gota de uma paixão ainda húmida, lentamente se escapava de cada poro, entre os dois havia mais calor, mais desejo e até mais uma certa inocência naquela descoberta, que os dois sem querer, nem contar desvendavam.
Com olhos felizes e serenos, aceitou a sua presença, tão viva, tão pura tão intensa que não precisou abrir os olhos.

EM - BEIJOS E CONTOS - RUTH COLLAÇO E HETERÓNIMOS - IN-FINITA

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Sejamos todas Tituba! (excerto) - HELOÍSA FERNANDES DE MENDONÇA

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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À Tituba e todas as mulheres levadas à morte pelo fogo ou privadas de sua sanidade, meu mais sincero pedido de perdão!
Conta a história que Tituba foi uma escrava de Barbados que vendida foi viver nos Estados Unidos da América, na aldeia de Salem, onde foi presa por bruxaria, todos sabem da história da histeria coletiva que deu causa a uma das maiores (entre inúmeras) injustiças da história do Santo Ofício contra a vida das Mulheres.
E dentro dessa história nunca se deu voz às ditas bruxas, pelo menos até agora quando seu eco foi ouvido por Maryse Condé, escritora guadalupense, que nos apresenta a história da própria tituba, a negra de Salem, seus pensamentos, sentimentos, tristezas e arrependimentos. É uma ficção, mas poderia não ser!
A ficção que Maryse nos conta, de forma tocante, passeia pela realidade do século 17, pela caça às bruxas, e traz reflexões sobre a figura do feminino de forma atemporal. Quem nunca ouviu ou será que se deixou esquecer que toda mulher é força da natureza?
Tituba prova ser conexão com a Divina Mãe Sagrada Terra, mesmo sofrendo a violência dos grilhões da escravidão, ela desaguava sonhos e esperanças perdidas.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

Pausa - ITANIRA SOARES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Uma pausa no meio do caminho, no meio da história, no meio do tempo, no meio da vida...
Uma pausa!
Cansaço, lentidão, cinismo, atropelo, pau, pedra, caminho...
Pausa para emudecer palavras.
Pausa para só olhar sem ver, receber pancadas sem sentir, vibrar sem alegria, entorpecer sem álcool, cantar sem música, tocar sem instrumento...
Pausa, pausa, pausa...
Pausar! Pausar! Pausar!
O ponteiro do meu tempo não para e eu exausta querendo pousar.
É o cansaço desmaiando meu corpo.
É a embolia pulmonar embarreirando o respirar.
É o choque cerebral desligando os neurônios em curtos circuitos.
É a parada cardíaca dando um basta ao tic tac da vida.
Pausa... pausar...
Pouso... pousar...
Enfim repousar.

EM - PELOS CAMINHOS DO MEU UNIVERSO - ITANIRA SOARES - IN-FINITA

Gênero e Imigração (excerto 9) - MARIANA BRAZ

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Em julho de 2020, momento no qual Portugal ainda vivia uma fase mais restritiva do isolamento causado pela pandemia da Covid-19, foi criado nas redes sociais Instagram e Facebook o Projeto Brasileiras Não Se Calam, que consistia, inicialmente, em uma página que publicava relatos de mulheres brasileiras que enfrentaram algum tipo de assédio, discriminação e xenofobia no exterior. O objetivo inicial do Projeto era criar um espaço seguro onde mulheres brasileiras que vivenciaram alguma situação de discriminação, assédio ou xenofobia em outro país pudessem expor suas experiências de forma anônima. Parecia haver a necessidade de um espaço onde essas mulheres pudessem relatar suas experiências negativas no exterior de modo que não se sentissem ameaçadas ou com medo de enfrentar algum tipo de retaliação e assim, a possibilidade de compartilhar suas experiências de forma virtual e sem que precisassem ser identificadas, promovida pelo Projeto através do uso das redes sociais, teve uma adesão impressionante entre as brasileiras que vivem fora do Brasil.

EM - GÊNERO E IMIGRAÇÃO - PLATAFORMA GENI - IN-FINITA