quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto XII) - LUIZ EUDES

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Segundo o que se contava, havia pessoas que alimentavam a terra com patacas de ouro e prata, querendo subornar a terra para não serem devoradas. Alimenta-me ou devoro-te. A alimentação com ouro e tesouro não surtia efeito e aquele que em vida havia enterrado o seu pote de ouro, no final do arco-íris, acabava transformando-se em alma a penar sem destino certo, em busca de alguém com coragem bastante para desenterrar o tesouro e livrá-lo da culpa. Como agradecimento ficaria com toda a fortuna. Duas condições eram impostas: a primeira é que fosse um cabra corajoso; e a segunda, que levasse uma beata para rezar assim que o exército das profundezas surgisse. A essa beata seria destinada a metade do ouro encontrado.

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Quarentena de Lara - EUNICE SISTI

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Há uma metáfora no abismo que separa o Brasil rico do Brasil pobre,
no mundo de Lara. De um lado residências cercadas, asfalto,
água potável, eletricidade, luxo. Do outro lado bairros com casebres
de chão lamacento sem saneamento básico, esquecimento
e ausência do Estado e, na concepção de Lara, até dos deuses.
Lara tem 26 anos, magérrima, negra, dois filhos pequenos, olhos
arregalados como a perguntar os porquês das diferenças. Sentada
em um banco tosco próximo a um córrego fedorento- esgoto a
céu aberto, com um bebê sonolento no colo, meio a dejetos recolhidos
da reciclagem de lixo, olha para os céus e pergunta para si
mesmo quase num sussurro: - “até quando, pai?”
“O coronavírus não é democrático ele dissemina e mata entre
os pobres”(li isso em algum lugar...). Lavar as mãos com frequência
não é possível para Lara nem para 34 milhões de pessoas (16%
da população brasileira que sequer tem água encanada (SNIS).
Lara abre um armário e constata que só conseguirá cozinhar polenta
(farinha de fubá, água e sal) num fogo entre quatro tijolos
no chão da única peça da casa. Alimento único para aquele dia.
“-Preciso conseguir trabalho”, pensa Lara.
“ Quem atua em serviços ditos essenciais são corpos empobrecidos
de negros ou brancos das periferias que se aglomeram no
transporte coletivo e que, se forem por ventura infectados pelo
vírus não conseguirão ficar em isolamento em suas casas”, falou
um repórter de TV, e os motivos serão muitos. Lara sabe disso.
A ajuda humanitária é esparsa. Lara queria muito entrar no
auxílio emergencial de seiscentos reais que o governo federal dá
aos necessitados e carentes(?) e muito lhe ajudaria na alimentação
dos filhos, mas não conseguiu porque não tem mais CPF nem CI,
documentos perdidos na penúltima enxurrada. “- A Assistência Social
me deu uma cesta básica, no mês passado, mas acabou logo...
a rádio diz que é para ficar em casa em quarentena, mas isso é
fácil pode e tem tudo... até fazem compras pelo celular... Já fui
nos prédios lá de cima pedir comida, mas poucos ajudam, teve
uma que ao invés de me dar um pão, me deu uma máscara, o pai
dos meninos saiu há dois meses e até agora não voltou, talvez o
tenham matado (fazendo o sinal da cruz), mas ele não é ruim,
não rouba, só fuma maconha como a maioria daqui... tenho esperança
que ele volte, mas que volte com comida...”
Lara olha para o céu e estremece, a casa vai inundar novamente
porque é precária, insalubre com um espaço de dois por
dois metros. Lara entende o problema que está acontecendo mas
não compreende a gravidade do vírus e nem da necessidade da
quarentena, já vive isolada do mundo colorido, de brilho e luzes...
o dela é pardo e cinza , o que mais a preocupa não é ficar em quarentena
e sim é ter a casa inundada e não ter o que dar de comer
aos filhos.
Há vários brasiis neste vasto país, o das Laras é de fome, ausência
de vida digna e do mínimo para sobreviver.
Lara pensa no marido: “já era difícil sobreviver quando ele
estava aqui antes da pandemia. Agora é milagre.”

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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Carta - DEUSIANA SILVA

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Cachoeira, 06 de agosto de 2020

À Amiga Margarida

A você que está tão distante como as asas destas aves que avisto
da janela em dias de pandemia. Inspira-me a escrever esta carta
as primeiras horas da manhã. Priorizo a Gratidão a Deus e em
seguida meu corpo fala em movimentos Aeróbicos e de Pilates na
sacada do quarto. Retornei as aulas de inglês (online) e ativei meu
Blog flordolacio. Nos fins de semana preparo novos pratos culinários
e quando tudo passar te convido para degustá-los. Passei
de olhar contemplativo para cuidador pelas plantas do jardim e
unidas brotamos um verdadeiro amor. A partir do livro de desenhos
em preto e branco com alusões à natureza terrestre e aquática
aprendi a selecionar as cores e ao colorir dei vida a estes seres.
Até realizei um sonho ao ser selecionada com três poesias para
integrarem uma Antologia Poética no Grupo Vidas Perfumadas.
Tornei-me um pássaro sem medo de voar. Só preciso resignificar
e refletir estes novos caminhos com sabedoria. O exercício da empatia
cada vez mais vem fazendo parte do meu cotidiano. Espero
que você acredite na luz que há na Vida!

Sinta meu abraço abraçado e afetuoso.

Amiga Deusa

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto XI) - LUIZ EUDES


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Zé Prego foi conversar com Olegária, que já sabia da história. Acertaram tudo. Na hora marcada encontraram-se em frente ao restaurante Portal do Junco e seguiram viagem em busca do tesouro. Dona Olegária rezou e orou por quase uma hora enquanto Zé Prego cavava o chão seco do Barrocão do Junco embaixo das galhas do pé de caixão. Diziam que aquela árvore era assombrada. Zé Prego não estava com medo, pois sentia-se seguro graças às orações de Olegária. Sentia o cansaço tomar o seu corpo quando ouviu o barulho da enxadeta num pedaço de madeira. Uma alegria invadiu o seu corpo. Dona Olegária fortaleceu as orações, pois é nesta hora que todos os soldados do exército das profundezas surgem para proteger o tesouro. Olégária foi corajosa e Zé Prego sentia as mãos ferverem em brasa como se estivessem adentrando o próprio inferno ao tocar naquela arca. Com sacrifício, conseguiu arrancar o baú de dentro da terra ressecada quando os primeiros raios do sol invadiam o lugar. Com a luz solar as criaturas da noite foram-se e os parceiros puderam enxergar toda a fortuna contida no baú.

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domingo, 20 de dezembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto X) - LUIZ EUDES

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Fernando tinha olhos que brilhavam de querer saber. Quando o pai falava de São Paulo, e das coisas que vivera por lá, escutava quieto e curioso. 
Por mais que o planeta já fosse outro, moderno até mesmo no Junco, onde o acesso à internet permitia descobrir o mundo todo, o menino gostava das histórias, dessas que vão-se desdobrando no decorrer do tempo e desembocam diferentes, mas quase iguais, de geração em geração. Quando o amigo Dusa Oliveira surgiu com alarde no seu quarto ele sabia que não era uma desgraça que viera contar, mas sim um caso. 
– Oh, rapaz! O que você ainda está fazendo nesta cama com tanto furdunço acontecendo na cidade? Fernando foi acordado pelo colega esbaforido. Acabava de chegar da padaria de Edvar, onde o comentário era um só: o homem que foi à busca de uma botija cheia de ouro enterrada no cemitério. Falavam em coisas de outro mundo.

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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Pérola venceu o vírus - CARMEN SARAIVA

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Anoiteceu, uma sombra negra se alastra no mundo trazendo incertezas
e contato brusco com a finitude. Surgiu uma angústia
numa onda desconhecida, que cresceu rapidamente e se transformou
numa pandemia. Torna-se necessário parar tudo e se
isolar em casa! A dor é real! O vírus é um inimigo invisível que
nos atinge como um foguete e aflige toda a terra! Pessoas morrendo
longe dos seus entes queridos, sem abraços ou aconchegos!
Tão perto e tão distante, virtual, impalpável!
Nesse contexto, Pérola, viaja para visitar o pai, antes da sua
partida, ele estava numa UTI, sem chances de vencer o coronavírus,
o pico de contaminação já estava diminuindo, ela pode se
despedir. Poucos dias depois, pronta para voltar a sua cidade, teve
febre e cansaço, foi levada a AMA (Assistência Médica Ambulatorial).
Interessante, esse nome acolhedor para quem está num momento
de tão grande fragilidade! Parece dizer, você é importante
para mim, há um apoio você, vida valiosa.
Pérola teve que ser transferida para um hospital imediatamente,
pois sua saturação de oxigênio estava 70%. No hospital,
a acompanhante de enfermagem que ficou com ela durante todo
o atendimento, disse: não tenha medo, Deus vai colocar anjos
para cuidar de você aqui nesse lugar, eu não posso mais ficar ao
seu lado porque tenho que voltar com a ambulância, mas vai ficar
tudo bem, seja forte.
Um enfermeiro a acolheu no hospital e a acompanhou durante
todo o tempo que ela realizou os exames, até o momento
que precisou ir para UTI e ele lhe falou: não foque no sofrimento
ou choro que você verá lá dentro, tenha esperança...
Pérola se sentiu amada e bem tratada, confiou que Deus daria
força para ela vencer essa batalha. Ficou apenas um dia na UTI e
enxergava amor e compaixão em cada profissional de saúde que
cuidava dela. Lembrou de um jardim de girassol, onde uma flor
acolhe a outra quando o sol se esconde. Gratidão a todos os profissionais
de saúde que lutam incessantemente por vidas que estão
adoecendo nessa pandemia, maior é o número de pessoas que
estão sendo curadas e restauradas na alma, mesmo nesse vale de
dores. Gratidão no vínculo do apoio e compaixão.

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quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Enferm(idade) - CARLOS NORTE

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Infectada... pela distância, acusas positivo na dor, que alastra com
a saudade, do cansaço que te faz vítima do que não se vê.
Confinada ao recanto, onde te fechas no (ar)dor... que é chão e
colchão, do corpo que já não te pertence. Na dormência que mói,
num querer... parar... só um pouco... mas sentes que não são as
tuas pernas que se movem...
... é o chão que te foge! (per)Corres(te) num esforço que dói
para além do físico, sobre os estéticos tacões, com que disfarças
e escondes os pés feridos e cansados. Desafias a tua própria dor,
numa constante contenda, por te superares... dando (de)mais de ti.
Cais, mas não te é permitido parar, és engolida pelo chão...
... e já que aí estás, deixa-te estar...
... nesse buraco à minha espera.
Nesse cais que é porto de abrigo! É aí, contigo e em ti, que
procuro atracar o meu (querer) ser. O ponto de encontro, a segurança
do agarrar!
(a)vida passa... corre... rasteja... cansada...
... porque amanhã, sabes que, mesmo cansada, vais-te fazer erguer...
pois a minha mão, irá aparecer, sempre estendida para ti.
Até lá, esse chão parece-me confortável. Chega um pouco para
lá... e deixa-me ficar enfermo de ti.
Juntos... sofremos e (com)padecemos daquela doença (in)
curável... que se chama Amor.

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terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto IX) - LUIZ EUDES

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Ao longo desses anos José Paulo conseguiu descobrir que não há céu na terra. As coisas tornaram-se difíceis desde que os militares assumiram o governo. São Paulo não era mais um sonho, e não era o lar que ele gostaria de dar para o seu filho, que estava para nascer. São Paulo não era definitivamente um mar de esperanças, mas uma selva de pedras que a muitos subjugava. Agora estava decidido a voltar e a ideia de ter uma roça confortava-o, não tanto pelo valor daquele naco de terra, mas pelo fato de algo no Junco ser seu, além das lembranças que carregava consigo. É verdade que, desde que pegara um pau de arara cheio de ilusões, ninguém mais havia estado na Fazenda Baixa Funda. Conhecia a terra e nela trabalhou desde menino, na plantação de mandioca somou dinheiro suficiente para embarcar na busca do Eldorado. Agora regressaria à terra materna, aquela que conhecia realmente e isso era reconfortante. Pensava em tornar-se um pequeno comerciante. O dinheiro da indemnização dos anos trabalhados na empresa, desde aquele dia em que o cachorro comera sua marmita, dar-lhe-ia a possibilidade de viver em paz no Junco.

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sábado, 12 de dezembro de 2020

Enfermidades X Humanidades - ARTTON RODRIGUES

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A nova ordem mundial vem nos falar que neste tempo de pandemia
corona vírus ou COVID-19, é tempo de enfermidades
todos os dias é e se faz necessário e preciso para deixemos de ser
tão individual passamos e sejamos coletivo.
É precisamos passar por esse momento injusto e ao mesmo
tempo juntos, para estarmos juntos, na próxima fase.
A fase da humanidade pois só assim o senso de colaboração
é o que nos fará evolução, caridade, fraternidade, humildade e
principalmente humanidade de seres humanos melhores serres;
evolutivos sem enfermidade na alma humana sem maldade com
mais, e muita responsabilidade por si e pelos os outros em nossa
volta na revolta, da conjunção com renovação e atitudes dentro da
amplitude para o bem social; do nosso mundo inteiro com mais,
igualdade de todos e por todos com cada um com sua visibilidade
do futuro dentro do caminhar da nosso evolução espiritual de
reencontro com o encontro com seu próprio encontro dentro de
nós próprio dentro de cada propósito do ligado entre o universo
e a humanidade mas e mais, humana dentro do contexto conectados
na fonte que interliga o ser humano e a humanidade; deles
dentro do apse da doutrina de aprendizagem; e do ensinamento
de ajudar uma a outro em comunhão e em união a tão chamada
tempo de evolução da nova era da nova humanidade nova pro e
pelo seres humanos da nova era.

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quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto VIII) - LUIZ EUDES

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Agradecido, ele voltou ao trabalho e ficou a lembrar dos ensinamentos do pai, que permaneceram na sua cabeça por todo o dia. Ao cair da tarde o empregador estacionou o seu carro em frente à mansão. Paulo investiu-se de coragem e foi ter com ele. O homem foi gentil com o servente prometendo-lhe emprego na sua empresa. Que estivesse no endereço marcado às sete horas do dia seguinte. 
Paulo ficou por horas a imaginar como Deus estava a ser generoso com ele. Havia tirado a sorte grande: trabalhar numa metalúrgica! Aquela era, sem dúvidas, a oportunidade que ele precisava agarrar sem titubear. Começou a fazer planos para o futuro e ficou feliz com a ideia de estar a alcançar o que viera procurar. Pensou, por fim, que estava a deixar a vida sofrida de privações para trás. Lembrou-se dos parentes e rezou por eles.

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A floresta quinta - ANTÓNIO MOTA

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Era tão de noite e tão de frio, que o escuro gelou, e o ar também,
e com eles tudo, na Floresta Quinta. Nada bulia, nem brisa nem
vida, nem água, nem nada. Tudo era inerte, agarrado e preso,
encarcerado no gelo. Até mesmo o voo, o lume, o vento e o grito.
Aproximavam-se há muito as forças do mal. Mas o homem dizia
que nada podia. Que era o destino, a seguir seu caminho. E nada
fazia.
Naquele dia, ainda o sol, vigiava o corvo sagrado, lá nas alturas,
quando, de repente, sem que pressentisse, apesar de corvo,
um arrepio, agudo e escuro, petrificou-lhe a garganta, a voz ficou
muda, os ossos estalaram, hirtas as asas. Era uma faca afiada, de
vento gelado, na ponta da morte. Valeu-lhe a cotovia invisível, a
do voo instantâneo, que ia a passar, mensageira do verbo enviada,
e chamou por ele.
Acordado da morte, entendeu o corvo a força assombrosa das
trevas, que se abatia, secreta, sobre a Floresta Quinta, e sobre o
seu espírito sonâmbulo. Inteligente, o corvo sagrado, já fora dos
seus domínios habituais de ave entendida, sabia que devia seguir
a cotovia, em missão maior, ouvindo devoto o que ela lhe, e fazendo.
- Não temas. Vamos encontrar as águias brancas e os anjos
brancos, que se fundem no voo, quando se cruzam, ficando, então,
cada um a ser qualquer um dos dois. Habitarás a águia e o
anjo, e os dois serão em ti, sendo tu nos dois, e cada um de vós
será sempre os três. E, assim, eu vos habitarei também, unidos no
resgate do sagrado, desprezado e perdido em toda a parte.
Duas águias brancas picam lá do alto, simultâneas, sobre a
Floresta Quinta, quase moribunda. Sábias, atravessam os limites
do gelo, e são anjos brancos quando já no chão, donde saem aves,
que dançam rituais uma oração. Acendem o fogo. Libertam a
luz. Derretem o gelo. Queimam tudo o que está contaminado.
Regressa, triunfando, o espírito distinto da Floresta Quinta. E os
homens, vendo, viram-se ao espelho, e não gostaram muito.
Espantados, viram que não tinham feito nada, e que podiam.
Viram que haviam esquecido o sagrado humano, dentro de si
mesmos. Viram que a escuridão, que os impedia de, era a ignorância,
e que o gelo, onde presos, era feito de cobardia e de medo.
Viram que eram homens de ferro há tempo de mais. E viram que
ser homem é suplantar o ferro, elevando-se na grandeza estóica
que a si mesmos devem, de humanos.
Partiram as águias brancas. Desapareceram na brancura das
alturas, onde todo o voo é branco. Seguiram-nas os homens, na
distância máxima do olhar, e gostaram de sentir a cabeça levantada.
Deixaram, aos poucos, de serem os homens de ferro que
eram. Perderam o medo. Beberam das chamas. Derreteram o gelo
que lhes empedernia o coração. Há quem diga que choraram. A
cotovia e o corvo, porém, a pedido da carriça, ficaram de atalaia
na Floresta Quinta. Será que desconfiam? Não o sei, e sei-o bem.

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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Vida e Isolamento Em Tempo De Corona Vírus - ANIETE GÓES

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De repente as nuvens ficaram mais escuras na atmosfera do planeta
e o mundo deu uma sacudida gigantesca na dinâmica da
humanidade. Os cenários foram ficando tristes e apavorantes,
as pessoas se acomodaram à revelia de suas vontades, negaram
a realidade. Custaram a perceber que tudo mudara e nada seria
como antes, se agruparam isolaram em seus “barcos diferenciados”,
paralisação obrigatória sem direito a reclames e ou reações
de combate. A guerra começara e o inimigo invisível cumpria
sua saga implacável de sufocar vidas e afundar na morte, tendo
como única alternativa de prevenção e defesa, a união atípica de
ficar juntos, embora com distância, o confronto das relações humanas
e os dilemas da convivência. O desconhecido saído das
brumas da mente coletiva de uma população cheia de controvérsias
sociais, econômicas, políticas, estruturas arcaicas de sistemas
corrompidos, fez emergir os efeitos dos antagonismos do nosso
país. Entramos numa pandemia com inúmeras dificuldades de
sobrevivência que se manifestaram ao deixar visível, em tempo
real, às mazelas e vulnerabilidades enfrentadas no cotidiano dos
excluídos, das minorias, dos desamparados, e de todos em suas
respectivas condições. O Brasil com diversidades e desigualdades
mostrando suas faces deformadas surreais e os podres poderes
numa guerrilha ciclópica. Neste panorama sombrio, a fotografia
colorida de ações solidárias, mostraram sua força, das equipes de
saúde e a dedicação completa no ato de salvar vidas, união da arte
com a ciência, um voluntarismo que surgia de todos os cantos, a
constatação da necessária consciência de interdependência. O isolamento
social, confinar para não disseminar, expôs a significância
do conjunto para proteger e resguardar uns aos outros, direito de
existir e coexistir sem ferir nem tampouco desistir porque a convivência
sempre se impõe. Sem arroubos afetivos, toque proibido,
o carinho como forma de cuidado a iniciar na própria pessoa para
proteger o outro, “um amar ao próximo como a si mesmo” numa
versão de pandemia, foi uma exigência com ou sem anuência, o
Covid-19 nos colocou em cheque. O ciclo psicológico de sentimentos
e emoções em desalinho, tudo ficou intenso, passamos a
viver nos extremos, o equilíbrio, tolerância, tornaram-se imprescindíveis.
O tempo brincou com nossa incapacidade de lidar com
o presente e suas horas passavam sem parcimônia. Neste processo
somente a certeza de que ia acabar e iriamos voltar sem referência
do que ficou para trás. “Afinal, a vida é um grande e bonito desafio,
além de ser um emocionante poema existencial”!

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segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

E nasce a paz em mim - ANA MENDES

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Perdida nos meus pensamentos e desalentos, com a minha taça
de café já frio...
Apreciando esta linda noite de luar, como tantas outras da
minha varanda, percorreu-me um arrepio.
Ao longe ondas mansas se desfazem, acariciando o areal, som
melodioso que faz bem ao moral.
Deste período de confinamento guardo a esperança, que me
traz paz.
Aquele tesouro que nasce depois da incompreensão, da dor, da
revolta e desolação, quem o traz?!
Como pode o mundo despertar a cada manhã e concordar em
carregar tanta tristeza no coração?!
Quanta energia para poder aceitar, que o homem só existe
através do poder, do dinheiro, da glória, abandonando por tudo
isso, algo bem maior?!
Esquece, abandona ou troca o valor da vida simples e pura, por
momentos de prazer sem remorsos ou por segundos de ilusórias
aventuras. Sem perceber que a sua importância no universo, o seu
lugar tornou-se menor...
Um outro ser reduziu o seu espaço, esmagou a sua ambição,
provocou um colapso, proibiu o abraço!
Enquanto agora, a terra acorda e grita de alegria, mais aliviada
a cada dia. Pássaros esvoaçam pelos céus de cores intensas, em liberdade,
já não seguem os traços de aviões apressados de chegar ou
voltar e sem fumaças de cheminés altas ou baixas, como rodapés...
Apenas esvoaçam por prazer e experimentam novas sensações.
Outros animais correm em pradarias ou florestas sem medos.
Mas talvez invente eu um postal efêmero para enviar ao meu
melhor amigo.
O mundo já não é só nosso, agora o devolvemos... foi pelo rei
de coroa sem cavalo, que derrubou tal reino rico, fatal vírus que
nos atormenta e nos coloca em grande perigo.
E se o dia nasce na separação da noite e o horizonte acompanhado
de nuvens ansiosas por libertar sobre o mundo um doce
chover, é a primavera a querer espalhar as suas cores sobre as flores,
o trigo e pomares a crescer.
E a sensação de que o planeta se regenera, se re-identifica, se
reconecta, sem pressa. E eu não sei como agir, como entender esta
mudança... Mas ainda tenho comigo a esperança.
O vento levantou-se de mansinho e o sono fez-se presente, nos
meus olhos um peso que se poisa e pelo corpo uma moleza que o
adormenta e se aconchegou devagarinho. E suspiro agradecendo,
por mais uma noite estrelada e ainda que nesta fase, abençoada.
Ligo o telefone e leio com alegria, uma mensagem de um ente
querido. Desejos de um amanhecer suave, com carinho.
O silêncio enche o espaço e acompanha-me com pudor ao
leito. Sabe ele tão bem o que me vai na alma e no peito.
Hoje houve aplausos e cânticos, ainda que se carregue a dor,
foi por agradecimento e amor aos amigos de farda verde, azul,
vermelha ou branca, em coro e com fervor.
Heróis plastificados, mascarados e prontos para a guerra, sem
taças, medalhas ou louvores.
Acumulando sonos não dormidos, desejos inalcansáveis, saudades
do aconchego e tantos momentos por viver.
As dificuldades tornaram-nos mais criativos, mais desejosos de
tantas coisas, tão simples de as obter outrora e agora tão distantes
e sem liberdades para as exprimir ou escolher.
Talvez amanhã nos possamos reunir, olhar nos olhos, agarrar
mãos e beijar quem nos quiser sentir, unidos... poderemos reviver!
Penso nas máscaras, luvas e fardas, que de brincadeiras inocentes,
se tornaram quotidianamente evidentes. E isso traz-me
as mágoas de tantas vidas em hospitais, ainda pendentes. E oro
por nós.
O sono fecha-me as pálpebras, o calor envolve-me devagar e
assim me deito esperançada, pois a paz nasceu-me na alma, e na
doçura do luar, e por anjos que atravessam o espaço e o tempo,
vão-me até amanhã embalar...

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sábado, 5 de dezembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto VII) - LUIZ EUDES

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Os dias que antecederam a viagem de volta foram todos de lembranças e reflexões sobre a sua aventura rumo a São Paulo. Tinha dezoito anos quando saíra de lá, uma roça de mandioca, que recebera de herança do velho Aristeu, e coragem para trabalhar era tudo que tinha. Foi uma viagem difícil, dez dias torturantes num pau de arara. Mas valeu a pena, pensou ele. Não havia mais como permanecer na sua peleja rural. Era emancipado, podia tocar seu caminho de homem. O amor que tinha pelo Junco não era suficiente para mantê-lo ali. Algo novo nele latejava, de um ânimo tal que ele, que nunca saíra daquele pedaço de mundo, sentia poder ir a qualquer canto e conquistar uma vida digna com a força das mãos. E agora chegara a hora de voltar. O filme da lembrança era tão nítido que José Paulo via claramente o dia em que procurara Edgar de Joãozinho para comprar uma passagem de pau de arara para São Paulo. A viagem estendeu-se por longos dez dias num sacolejar enlouquecedor. Quando enfim o veículo alcançou a rodoviária do Brás, as suas nádegas já estavam tão calejadas que o sonhador não conseguia mais sentar.

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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

O planeta agradece - ADRIANA BARBOSA DO CARMO

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Uma trégua na poluição do planeta, pela ausência das pessoas nas
ruas, no céu e no mar.
Fique em casa!
É o mantra mais ouvido e mais falado em todo o mundo, por
todos, nesses tempos onde o invisível é o inimigo declarado.
Paramos!
E cada um em suas casas, nos resguardamos, como nunca havíamos
feito, saindo apenas para o essencial, cada um cuidando
de si e dos seus. À distância, pensamos nos outros e nos resguardamos,
também, deste ataque invisível que subtraiu uma rotina
corrida, de idas e vindas.
Tudo parou!
Tivemos que nos adaptar à nova condição de viver entre as paredes
do nosso lar e, em meio a esta tragédia mundial, reinventar
a rotina, juntos e ao mesmo tempo distantes de quem amamos,
justamente por amor ao próximo, evitando ações de toque, carinho
e afeto!
O planeta parou e respirou!
Respirou fundo e aliviado das atividades poluidoras da humanidade,
que o devastam e ameaçam. O planeta pede socorro
e a humanidade não entende... Ainda assim, o planeta agradece!
Este inimigo invisível que chegou devastando vidas, ceifando
milhares de vidas. Inimigo que não vemos e não temos controle...
E muitos se foram, como preço de um pedido de socorro do planeta
que não foi ouvido...
Diante de todo esse cenário, é hora de refletirmos quem somos;
o que temos feito à nossa casa de morada, nosso planeta;
como tenho tratado meu próximo, meu semelhante...
É tempo de reflexão, como fonte inesgotável de energia positiva
que possa ecoar no universo e recair sobre nós como chuva de
bênçãos e esperança de dias melhores.
É preciso coragem para mudar. É preciso fé para seguir adiante.
Perseverar diante de todas essas circunstâncias!
Não podemos esmorecer diante do inimigo, nem baixar a
guarda ao imprevisível.
Sigamos buscando, com a união dos povos, o resgate urgente
do nosso planeta que pede socorro.
Acorda humanidade!!
O inimigo invisível nos ensina mais que qualquer lição!

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terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Paramos. E depois? - ADRIANA MAYRINCK

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Paramos.
De agredir o meio ambiente. Com as nossas poluições pessoais, industriais e sonoras. Controlamos os nossos impulsos consumistas e percebemos que não precisamos estar todos os dias indo às compras. E que ir àquele restaurante ou passeio, perdeu o significado, enquanto tantos perdem o emprego, passam dificuldades ou lutam pela vida. (Mas o desemprego, a fome, as dificuldades, as doenças não estiveram sempre perto de nós?)
Paramos.
Para perceber o quanto somos covardes e egoístas.
Enquanto profissionais de saúde definham, ultrapassam seus limites, isolam-se de suas famílias para salvar-nos, estamos ainda resistentes em permanecer no sofá. Incomoda-nos passar todas as nossas horas ao lado dos nossos filhos, maridos ou esposas, pais idosos, ou mesmo sozinhos em casa, repensando o nosso mundo. Incomoda-nos a responsabilidade de nos percebermos como parte de um todo, que se chama humanidade.
Paramos.
Assistimos a tudo com distanciamento, como expectadores de um filme que não nos atingirá. E ainda, muitos de nós não conseguem perceber a gravidade dessa situação. O maior sentido disso tudo, o recado da vida. A necessidade de uma mudança de atitudes, de pensamentos, de vivências. Percebermos que nada é mais importante do que a nossa saúde e a de quem nos cerca. O resto torna-se insignificante, diante da dor, da perda, da doença, da imobilidade.
Paramos.
Não é tempo para festas ou férias. É tempo para repensar o mundo. Repensar quem somos, o que fazemos e como podemos contribuir para que nossos netos tenham um lugar digno para viver. Repensar nosso cotidiano, nossa forma de estar, enquanto indivíduos, família, profissionais, seres humanos. Não é tempo para irresponsabilidades, inconsequências ou indiferenças. Precisamos amadurecer, crescer, e somos postos à prova diariamente, com as notícias que nos chegam, de todas as formas.
Paramos.
Será que paramos para olhar para dentro de nós, para os lados? Para além da nossa janela ou dos muros? Será que paramos para lembrar daquele vizinho solitário, daquela família necessitada, daquela criança doente, tão perto de nós? Será que estamos mesmo, no nosso dia a dia, conseguindo mudar a nossa forma de estar? De perceber?
Paramos.
Mas... e depois?
Vamos esquecer os mortos, o desgaste dos governantes, os profissionais de todas as áreas que estão segurando toda essa crise colocando-se em risco para o caos e o desespero não ser instaurado? Vamos esquecer a solidariedade desses dias? Vamos esquecer o Humanismo e sentido de sobrevivência que tomou conta de nós? Vamos esquecer a união fraterna entre países que se ajudam? Vamos esquecer toda essa dor espalhada pelo mundo? Vamos esquecer os pedidos de ajuda? Essa tristeza de ver a vida ameaçada? As ruas desertas?
Vamos voltar a caminhar olhando para o telemóvel, correndo pelas ruas, consumindo o que não pudemos consumir nesses dias de confinamento, fazendo filas nos restaurantes, correndo para as praias, cinemas, concertos, museus, outras cidades, atropelando a vida, porque nos obrigou a parar?
Parei.
Parei para lembrar que estou há 18 dias em casa, e ainda não consegui fazer nada significativo para dizer: contribui, dediquei-me, salvei vidas, ajudei. Apenas fico aqui, assistindo a tudo como se não fosse parte de mim, rezando pela nossa salvação, comovida com as estórias que ouço e vejo, organizando o meu trabalho e olhando para a janela, pensando na praia onde não posso ir, ou no chocolate que tenho que deixar de comer.

Parei para lutar contra o vírus do meu egoísmo, da minha inércia, do meu materialismo, da minha cegueira. Hoje parei para refletir, e fui contagiada por esse sentimento de revolta pela minha insignificância e falta de fraternidade. Acho que dentro de casa presto homenagem aos agentes de saúde, pois sou menos uma, em uma cama do hospital. Que sou patriota ao seguir rigorosamente as determinações do governo. Que ao fazer uma doação online, contribui imensamente para aquele que precisa. Que ao estar otimista mantenho a energia positiva do planeta. Que ao manter o nosso trabalho, somos menos três a pedir ajuda.
E fico lutando para não pensar, nas contas a pagar, nos eventos cancelados, nos livros que se acumulam, enquanto o lutar pela vida é o assunto do dia. E todo o resto parece sem sentido.
Há uma necessidade de me afastar e fugir dessa avalanche de mensagens das redes sociais. E ao mesmo tempo há uma exigência em manter-me ativa, re-criar formas e meios de interacção sem sair de casa, desconstruir antigas crenças e repensar a nova forma de ser, sem estar. Estamos contaminados por esse vírus dos tempos modernos, e é estranho e difícil tentar ignorá-lo ou viver à margem disso tudo.

Paramos.

Entre o ontem e o amanhã, o que está acontecendo nesse intervalo? E quanto tudo isso passar? O que vamos fazer com essa parte da nossa história?

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segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto VI) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Dona Anna, a sua bênção,

A minha intenção em escrever estas linhas para a senhora é para dar-lhe a boa notícia de que irá ganhar o seu primeiro neto e para pedir para a senhora rezar, para Nossa Senhora do Bom Parto dar uma boa hora a sua filha Maria.
Como a senhora sabe, não tenho boas lembranças de partos. Minha saudosa mãe morreu nessa hora, quando trazia ao mundo o seu décimo filho.
Dona Anna, a coisa aqui não está boa. Os anos estão de chumbo, a barra está pesada18. A metalúrgica onde eu trabalho pertence a um deputado e estão a falar por aqui que ele está envolvido com os comunistas. Todos nós funcionários estamos a ser vigiados. Todas as vezes que eu vou para casa, sinto como se alguém me seguisse. Nada tenho a ver com isto e não quero pagar o preço que um amigo meu
pagou: nós íamos a sair do trabalho quando dois homens o pegaram, jogaram no banco de trás de um carro escuro e o levaram, ainda não se sabe para onde. Deus me livre que eu não quero isto para mim!

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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto V) - LUIZ EUDES

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Levaria consigo uma lembrança viva daquela grande cidade. Rica, frenética, que parece não ter fim. A urbe o acolheu quando fugira da terrível seca que assolara o Junco em 1961. Tinha dezoito anos e um caminhão de sonhos. Foi uma viagem dura, dez dias sacolejando em um pau de arara, cheio de incertezas e esperanças pueris.
Dias antes estivera com o irmão. Antes de partir, encontraram-se numa lanchonete próxima à Avenida Ipiranga. O irmão viera despedir-se. Israel era um homem orgulhoso, vaidoso e boémio. Conhecera toda a rumorosa noite paulistana. Metera-se com sindicatos. Estava ali para falar e despedir-se do irmão. Com os olhos marejados dividiram uma cerveja.
– Penso em escrever uma carta para dona Anna, minha sogra, dizendo que vou voltar – avisou José Paulo.
Israel sorriu brevemente.
– Então, manda-se daqui mesmo?
– É possível, meu irmão. Alguma coisa me diz para voltar. Sinto saudade do Junco... Sinto falta das farras: diferentes das daqui. Também lá não vai ter polícia a perseguir-nos.
– Perseguem-te muito? - perguntou José Paulo, apontando para uma baratinha que passava ao longe.
– Sim, mas isso não é nada. Tem gente que sumiu. Vou voltar para a Bahia. Para cá volto talvez, mas só quando essa diabrura acabar.

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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto IV) - LUIZ EUDES

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José Paulo vivia em pensamentos, em conflitos que se dirigiam aos seus sentimentos recônditos. Embora tivesse convicção do que queria, um sentimento de estranheza tomava-o. Olhava as luzes da cidade, os prédios do centro velho, enquanto sacolejava num coletivo da prefeitura de São Paulo, quase melancólico. Seus pensamentos iam até ao Junco, ao pau de arara que buscara por transporte; depois de guardar o dinheiro que conseguira no cultivo de feijão, no trato de mandioca, na despalha de milho. Lembrava-se de todas as coisas vividas há muito tempo. Do pai Aristeu e da mãe, dona Tereza. Lembrava com um sentimento distante, mas nítido, da noite da morte da mãe. De quando correra para buscar auxílio da velha parteira Salustiana e, depois, de vê-la enxugando as mãos com pesar quando soubera que a mãe havia morrido. As lembranças abrolhavam como um cardume à flor da água. Lembrou do dia do velório, da chuva que caía, e até mesmo do rosto distante do pai, intrigado com aquele entrar e sair da casa. Era quase uma afronta aquele abrir e fechar de portas. Parecia que o mundo estava em obras. Menos Aristeu, o seu pai viúvo, que era quem mais precisava de reformas, mas não naquele momento. Queria apenas o direito de ficar ali, quieto, velando o descanso eterno da sua companheira de tantos anos e momentos não tão fáceis. Aristeu queria conquistar o direito de chegar a algum lugar, mas sem ter de ir. Queria cultivar esse pecado. Essa preguiça de não querer nem mesmo respirar. E José agora podia ver os olhos do velho. Podia ver aquele dia e outros distantes como uma história que um sopro levou. Antes de descer do ónibus, José dispersou os pensamentos. Agora teria que tratar de outro assunto. Era final da década de 1960. Ele entrou, encheu um copo com água, sentou-se e declarou com uma calma distante à mulher que observava com curiosidade: 
– Maria, vamos arrumar nossas coisas e voltar para a Bahia. O Junco é o nosso lugar. Lá nosso filho nascerá.

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domingo, 15 de novembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto III) - LUIZ EUDES

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Depois de tantos anos, lá estava a mulher, diante dos seus olhos de homem duro, respirando com uma tranquilidade mórbida. Eles eram fortes. Juntos trabalharam e amaram-se em noites quentes, mais um filho e outro e outro; um filho é uma boca, mas também são braços para o lavor. Já havia enviado ao mundo nove e agora o décimo parecia ser demais. Aristeu engoliu uma saliva grossa quando os olhos da mulher tornaram-se oblíquos, de um brilho febril de quem vê a face irredutível da morte.

Era uma noite densa, de nuvens carregadas e ventos frios assoviavam na vegetação criando a sensação de assombrações que ali se revelavam. Aristeu implorava à parteira Salustiana, que fora trazida às pressas pelo filho pequeno, José Paulo. O menino observou a velha parteira que fuçava no meio de Dona Tereza com um pesar na expressão. Mas não havia mais vida ali, além do pequeno ser de bochechas cheias, saudável, que havia deixado o corpo moribundo da pobre mãe e agora chorava diante do mundo estranho ao qual era apresentado. Era uma menina. Com a voz embargada o velho Aristeu disse: Vai chamar-se Tereza, como a mãe – e silenciou tão acentuadamente que a recém-nascida também parou de chorar diante daquela estranheza.

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terça-feira, 10 de novembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto II) - LUIZ EUDES

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Resultado: quinze anos consumidos entre a borracha e as índias e nenhuma vontade de voltar. Podia até sentir essa vontade, mas era inútil, porque todas as economias eram consumidas nas noites de farra. Um dia, viajando de barco para outro seringal, aconteceu um acidente que mudou o rumo da sua vida: a companhia de navegação, falida, fez afundar criminosamente o barco cheio de passageiros, para receber o dinheiro do seguro. Aristeu não só se salvou, como salvou mais três vidas, três figurões da sociedade amazonense. Esse ato de bravura teve grande repercussão floresta afora e o povo o aclamou herói. Graças a isso, conseguiu a sua viagem de volta em primeira classe de barco e trem.

Desceu na Estação São Francisco, em Alagoinhas, e deu de cara com o seu amigo de infância, Sátiro Batista, que estava a trabalhar como tropeiro de burro. Pegou carona na tropa e, no dia seguinte, abraçou os seus parentes na aixa Funda.

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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Cangalha do Vento (excerto I) - LUIZ EUDES

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Como haveria de viver por mais tempo o homem que tanto amara?! Não havia remédio contra a morte, a saudade era inútil, a ausência perene. Aristeu, o Galego, olhou languidamente a tarde que esmorecia no céu do Junco, onde filetes escarlates delineavam o céu. E morreu com a imagem de Tereza sorrindo para ele.

Muito antes, num ano distante, tivera quinze anos de idade, e prometeu a si mesmo que nunca mais apanharia do seu pai, caboclo rude, ignorante, e que não tinha compaixão em castigar os seus filhos.

Contando com a cumplicidade da sua irmã Maria, arrumou a mala de couro com algumas peças de roupa, farinha, rapadura e carne seca e ganhou a estrada, em direção do vizinho município de Água Fria.

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domingo, 20 de setembro de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... OLÍVIA CLARA PENA

Agradecemos à autora OLÍVIA CLARA PENA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Nesta constante evolução e mudança que é a vida, sinto-me sempre curiosa com toda a diversidade e originalidade que esta nos pode oferecer. Neste turbilhão, a generosidade é um dos meus pilares, aliada à resiliência.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Escrever para mim é completamente visceral. É, sem dúvida, uma necessidade. Escrevo quando existe algo que não posso conter e expresso-o, escrevendo. A escrita para mim não tem sido nunca um passatempo.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

Escrevo de forma espontânea. Para mim, a espontaneidade é fundamental no processo criativo. A escrita poética, em que me revejo, contém um rol de emoções de suporte. Esta espontaneidade, contudo, deverá ser acompanhada de um cuidado linguístico que será, igualmente, imprescindível.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Na poesia. A poesia é uma escrita mais intuitiva e espontânea, sendo, por vezes, até indisciplinada. É o género que me é mais natural.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Pretendo tocar quem me lê. A poesia tem uma comunicação muito intimista e profunda que sempre me fascinou.

6 - Quais as suas referências literárias?

A poesia surgiu na minha vida precocemente e associada à música. Desde muito cedo me fascinavam autores e interpretes em português, Ary dos Santos, Fausto, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Jorge Palma (mais tarde juntei a este leque Pedro Abrunhosa) - e do outro lado do oceano – Vinícius de Morais, Tom Jobim, Caetano Veloso… Era muito menina para entender a dimensão de tudo o que escreviam, mas sentia-o, profundamente.  Mais tarde, ainda adolescente, fui-me apaixonando pela poesia dos extraordinários Eugénio de Andrade, José Régio, Jorge de Sena, Florbela Espanca. Na ficção literária rendi-me a alguns dos mais entusiasmantes autores lusófonos como José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto, Valter Hugo Mãe, Jorge Amado a que se foram juntando outros autores latinos, Isabel Allende, Luís Sepúlveda, Gabriel Garcia Marques, Mario Vargas Llosa, …

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

A divulgação é uma área que pouco domino.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Espero que quem me lê se emocione com a minha poesia, se sinta tocado e se reveja nela.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

Os trabalhos coletivos têm sido uma forma de divulgação da minha poesia e tem-me permitido descobrir o trabalho de outros autores surpreendentes e que admiro.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Para quando a publicação do meu livro “Amor e outros desencontros”? Para breve…

sábado, 19 de setembro de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... RENATA SOFIA


Agradecemos à autora RENATA SOFIA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Sou uma pessoa extremamente sensível, nomeadamente em questões humanas, sociais, ambientais e espirituais.
A minha sede de conhecimento sobre a existência humana e sobre o auto-conhecimento fortaleceu em cima de dois pilares, que julgo terem sido essenciais para a minha evolução enquanto pessoa: a meditação e o estudo. Esta permanente dedicação permitiu-me conhecer-me a mim, no todo que sou e a conhecer diferentes níveis da consciência humana, levando-me a aceder a consciências energéticas superiores e a canalizar, na escrita, mensagens da energia de Jesus.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Para mim, escrever é uma necessidade, na medida em que já não me imagino a viver sem a minha escrita que flui da conexão com Jesus.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

A espontaneidade, sem dúvida. O cuidado linguístico é importante, sim, mas no meu ponto de vista, existem pessoas com formação a esse nível para enriquecer, com o devido mérito, o trabalho de qualquer autor.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Prosa poética porque é nesse género que habitualmente escrevo.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

O meu objectivo ao escrever é desenvolver um trabalho na evolução humana.
Eu pretendo levar, as mensagens canalizadas de Jesus, ao maior número de pessoas, para que elas atinjam um nível de consciência que lhes permita conhecer-se a si e a tudo o que as rodeia, mediante a filosofia do céu, e dessa forma, facilitar-lhes a cura da alma.

6 - Quais as suas referências literárias?

Autores como Osho, Gandhi, Shunmyõ Masuno, Louise Hay, Alexandra Solnado, Lorna Byrne,  Neale Donald Walsch, Deepak Chopra, Brian Weiss, Paulo Coelho, Sophia de Mello Breyner e Fernando Pessoa.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Penso que a essência de cada autor encarrega-se de transparecer, em cada obra, a sua intenção e o propósito maior do seu trabalho. E isso é tudo!

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

A minha única ambição é fazer com as palavras que escrevo cheguem ao maior número de pessoas. Se cada pessoa que ler um texto meu reencontrar nele o seu céu, aprendendo a conhecer a sua espiritualidade, eu já fico feliz. Eu nem sequer preciso de ver as pessoas felizes, porque se souber que elas estão a ler, é porque estão a escolher-se a si, e isso faz renovar a esperança em se conectarem com o céu, e faz renovar em mim a esperança da minha missão se cumprir!

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

É uma forma de divulgar os meus textos e de os fazer chegar mais longe.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Qual é o seu maior sonho? Que todas as pessoas aprendam a conectar-se com o céu e que realizem os seus propósitos de vida!

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... JANICE REIS MORAIS


Agradecemos à autora JANICE REIS MORAIS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Alguém que conhece suas qualidades e defeitos e busca fazer com que suas qualidades compensem os defeitos.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Um passatempo necessário...

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

Ambos são de suma importância. A espontaneidade dá asas à inspiração e o cuidado linguístico, garante a boa apresentação. A falta do cuidado linguístico, com certeza, compromete o resultado final.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Poesia sempre... é algo inexplicável que flui...

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

A ideia da poesia como instrumento de crítica social, engajamento, resgate de valores, preservação histórica e ambiental. Poesia não só como romantismo... isso também, dependendo do momento do poeta.

6 - Quais as suas referências literárias?

Temos muitos e grandes poetas, mas Clarice Lispector, Adélia Prado e Cecília Meirelles, são os primeiros que lembro, para citar e para ler...

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Uma bela capa e empatia do autor com o público fazem diferença. As redes sociais desempenham um papel importantíssimo, mas considero primordial em toda divulgação, o apoio de uma imprensa séria e comprometida, que reconhece a importância das notícias culturais.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

A cada tema diferente um novo leitor... e o que seria de nós, autores, sem nossos leitores?

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

O trabalho coletivo traz inúmeras vantagens, como a divulgação de maior alcance. Enriquecimento cultural, pois conhecemos o estilo de diversos autores e peculiaridades de suas regiões. Mas o mais importante é a conexão entre os autores.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Qual a sua maior inspiração?
Com certeza, minha terra. Amo poetar sobre as cidades de Minas Gerais, especialmente Conselheiro Lafaiete, minha cidade. É uma região de grande riqueza cultural, paisagens maravilhosas, um povo forte na fé e fiel às tradições... é muuuuuita inspiração. Como disse Tolstoi: Canta a sua aldeia e cantará o mundo. Estou sempre cantando minha aldeia.