sábado, 14 de dezembro de 2024

O princípio do mundo (excerto 15) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Nessa noite Antão teve dificuldade em adormecer o órgão sexual fazia-o sentir pesado demais sobre a terra. A conversa a bordo sobre sexo indispusera-o e fizera-o perceber o que afinal era óbvio ele não era daquela terra, daquele paraíso, mas era de Portugal, como todos os seus companheiros de viagem. E se todas as terras por onde os portugueses tinham passado possuíam um nome antigo, anterior à sua chegada, como Etiópia, Melinde, ou Índia, o que não acontecia com esta terra aparentemente de selvagens em estado puro, fora do Tempo e da História, a verdade é que ela, além de ser um paraíso sem nome, era também, para os navegadores, a Terra da Vera Cruz! E este paradoxo parecia sem solução…

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Lomelinices 59 - Emanuel Lomelino

Imagem de arquivo pessoal

Lomelinices 

59

Quando visto o uniforme para garimpar o que sou, olho-me ao espelho e louvo os traços que o tempo vincou no meu rosto, com a maestria que só ele possui.

Vejo minuciosamente, de lupa em riste, e não detecto ruga mal colocada, ou nascida sem razão. Todas se explicam, e aplicam, na minha essência, como um traje feito à medida, por encomenda.

Na aspereza natural da derme curtida, destacam-se algumas cicatrizes merecidas, outras tantas por negligência, mais algumas que, embora saradas, ainda tem memória dolorida.

Então, tento lembrar-me das minhas feições imberbes, como quem se entrega à tarefa de descobrir as diferenças, porque todas as fotos deixaram de estar em exposição quando foram colocadas nos álbuns do esquecimento. Nenhuma escapou à crueldade do engavetamento, não fosse alguma lembrar-se de ganhar vida e azucrinar, com feitio igual ao meu, o dia-a-dia de alguém.

E assim, quase sem traços visíveis da aparência anterior, mas honrado pelo desenho do tempo, caminho de cabeça erguida mostrando ao mundo a prata que a vida me vem outorgando.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 9) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Também lhes ia mostrar o Parque Eduardo VII, mas esse ficava mais longe, no cimo da Avenida da Liberdade, mas lá iam e gostavam. Aí havia a Estufa fria com plantas exóticas e muitas outras, conhecidas da maioria. Todos ficavam contentes. Estes eram os turistas de antigamente. Aqui e ali estavam sentadas umas senhoras a vender, chupas, esticas, tremoços, amendoins, nuns cartuchos de papel, por vezes a menina tinha sorte e lá comia um dos chupas que mais gostava, sabor que já lhe vinha do Alentejo, os piretes.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Lomelinices 58 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

58

Estou grato aos céus por ser filho de uma divindade menor – assim nomeada porque Zeus estava afogado em hidromel cítrico, logo, com as capacidades cognitivas alcoolicamente desvirtuadas – e por isso ter nascido sem a presunção de ser mais do que aquilo que realmente sou.

Não me autonomeio coisa alguma e sempre resistirei aos cognomes que muitos ostentam como medalhas imerecidas – para não dizer heréticas.

Percorro os caminhos que me traço sem pretensão de pisar tapetes urdidos para desfile de vaidades sensaboronas e sem motivo de existência. Recuso dar passos nas calçadas da visibilidade ganha pelo metal, nem quero trajar-me com fardas de cetim fabricado nos cárceres da aceitação.

Sou filho de um deus menor e tudo o que faço, digo, penso e escrevo é fruto dessa minha reduzida dimensão e iluminado pelas ténues luzes de um estro diminuto, quase invisível, por incompatibilidade entre a natureza que me formou e a fama que não me merece.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 3) - Zélia Alves

 

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O rei, incomodado com o devaneio de D. Pedro, mandou degolar D. Inês. Reza a História que na Quinta das Lágrimas, as pedras ficaram, indelevelmente, manchadas com o sangue que a donzela derramou através das lágrimas vertidas, que ainda hoje aí existem umas algas vermelhas símbolo da sua dor.

Num ato de vingança e de dor, quando D. Pedro assumiu o reinado de Portugal, mandou prender os algozes de D. Inês e ele próprio lhe arrancou o coração, impondo o reconhecimento dela como rainha.

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quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Lomelinices 57 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Lomelinices 

57

Volta e meia deparo-me com momentos de feroz lassidão – como agora – em que sou inundado por uma chuva de memórias entrelaçadas, de tempos cruzados sem cronologia, de sangramentos, de glória, de lágrimas, de risos, de luto, de paz, de erupção, de anseios…

São períodos breves, mas intensos, que desgastam o ânimo até à fronteira da vulnerabilidade. Um cansaço indescritível apodera-se do espírito e do corpóreo, com a mesma violência irrespirável. 

São instantes esparsos, contudo, paridos pelo eterno dilema entre o uso da resiliência e a vontade de prescindir. A mente transforma-se num fórum e os argumentos jorram, com fúria combativa, criando um caos híbrido que deambula entre o desejo e a razão.

Nessas alturas – como agora – procuro refúgio na sabedoria clássica e entrego-me aos pensamentos de Schopenhauer, Púchkin, Nietzsche, Sá-Carneiro, Pessoa… para descobrir, na pele e com assombro, que a vida é como uma viagem de comboio e cada encontro é um apeadeiro.

EMANUEL LOMELINO

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Pensamentos literários 7 - Emanuel Lomelino

Imagem pinterest

Pensamentos literários 

7

Não sei dizer se o obscurantismo das letras actuais é passageiro, como um fenómeno ondulante que se desintegrará nas areias do tempo, ou se, pelo contrário, é uma prática lúcida com desejo de tornar-se uma rotina permanente.

Para onde se olha, e até onde a vista alcança, pouco se vislumbra para além de penumbra. As palavras vestem-se de breu como se alguém, de forma consciente e deliberada, quisesse ofuscar o brilho das narrativas, fazendo imperar as definições mais negras de um qualquer dicionário apocalíptico.

Queiram os deuses que seja apenas uma tendência esporádica de protagonismo, sem ambições ditatoriais nem cobiça déspota.

Seja como for, este culto incessante de idolatria ao expressionismo sombrio faz-me indagar: Existem assim tantos adoradores de Nix?

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Lomelinices 56 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

56

Converti as mãos em peneiras e deixei tombar, pelos caminhos trilhados, todos os grãos de ânimo que, misturados com o cimento da vontade, serviriam para fortificar os meus passos calculados e de rumo certo.

Os objectivos lúcidos amoleceram com o impacto das tempestades sem senso e, aos poucos, de forma camuflada e impiedosa, evaporaram-se sem deixar rasto.

A caminhada não terminou, mas os propósitos abraçaram a caducidade não deixando terra suficientemente fértil para que outras raízes germinem nem para que a determinação ganhe fôlego renovado.

A velha máxima “nada se perde, tudo se transforma” nunca foi tão pungente e, apesar da miopia destes meus olhos falhos, dei por mim a enxergar tudo com uma clareza tão pura quanto reveladora. Há quem lhe chame epifania. Eu prefiro dizer que despertei.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 14) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O «filósofo» penetrou com o olhar num destes tabuleiros e vislumbrou ao longe o rei de Portugal a jogar contra o de Castela; mexiam cautelosamente as peças, com o mundo suspenso das suas decisões, até que o monarca português sorriu triunfal, pois a flexibilização do Tratado de Tordesilhas lhe era favorável nas Américas; o índio, com o corpo pintado de xadrez, nu e inocente, como poderia conhecer aquela História, qualquer história?

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

domingo, 8 de dezembro de 2024

Lomelinices 55 - Emanuel Lomelino


Lomelinices 

55

Dizem os sábios mais velhos que a verdadeira honestidade é exclusiva do mar. Segundo a experiência destes anciãos sem idade, não há elemento da natureza mais fiel a si mesmo, em todos os seus estados, formas e geometrias, independentemente de meridianos ou paralelos; latitudes ou longitudes; pontos cardeais ou hemisférios.

A sua essência mantém-se inalterada quer se evapore, solidifique ou liquefaça. Manifesta-se sem artimanhas nem engodos, tampouco escangalha de véspera nem reclama o que não lhe pertence porque é força dominante que responde apenas por si, nos seus domínios.

Mas, apesar de todas estas características íntegras, é no cheiro que a honestidade é mais flagrante. Ao contrário de outros elementos (fogo, terra e ar) que exibem odores emprestados, o mar exala somente o seu perfume de encanto (maresia) com que nos enfeitiça, sem truques ou ultrajes.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 8) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Quando alguns dos já habituais clientes, na altura eram chamados de hóspedes, da pensão, que não conheciam Lisboa, a mãe servia de cicerone e ia mostrar-lhes o Mosteiro dos Jerónimos, o Museu dos Coches, a Torre de Belém, e para alguns, apenas o cheiro gostoso dos afamados pastéis de Belém, pois comê-los já saia fora do orçamento. o Aquário Vasco da Gama, no Dafundo, e praticamente, com uma só viagem de eléctrico, ficavam a conhecer um pouco do muito que Lisboa tem e já tinha naquela altura. Atenção, a maioria das entradas eram gratuitas.

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sábado, 7 de dezembro de 2024

Lomelinices 54 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

54

A vida reinventa-se a cada alvorada. Os dias correm lentos ou céleres, dependendo dos humores, ócios e tédios que devoram as horas. Todos os instantes, por mais díspares que se apresentem, rumam no mesmo sentido, como fossem de via única.

Os pensamentos sucedem-se em turbilhões, ou a conta gotas, sempre sujeitos às dispersões, ou falta delas, para que o marasmo se ausente. Cada momento é único, por mais repetitivo que possa parecer.

A labuta diária é executada a diversos níveis e com múltiplos desafios que levantam ou derrubam o ânimo. Há expedientes e artimanhas que ajudam a ultrapassar tempos mortos que perturbam as ânsias e originam inquietações.

Só o crepúsculo carrega sossego nos ombros e a paz de um sono justo e contínuo, porque até os Espartanos merecem repousar das batalhas diárias, mesmo sabendo que as forças restituídas nos poços de todas as noites esfumam-se nos sufocos que a luminosidade transporta.

Por tudo isto, logo pela manhã, há um obtuso, febril, mas sincero, desejo de fechar os olhos e transformar cada minuto em descanso noturno, porque os sonhos são mais gentis do que a realidade.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 2) - Zélia Alves

 

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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António era suficientemente comodista e elitista para fazer parte de um projeto que mexesse com sem-abrigos e famílias carenciadas. Além disso, achava que fora dos turnos, o seu tempo era precioso apenas e só para jogar golfe ou ténis. Ele tinha um grupo de amigos que costumavam jogar golfe na Quinta das Lágrimas. Esta, para quem desconhece, é uma quinta na margem esquerda do rio, onde o rei D. Pedro e uma das aias, galega, Inês de Castro, viveram um grande amor. No entanto, esse amor sempre foi condenado pelo próprio rei D. Afonso IV e pelo povo. O rei, incomodado com o devaneio de D. Pedro, mandou degolar D. Inês.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Epístolas sem retorno 22 - Emanuel Lomelino

Fiódor Dostoiévski
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Permita-me, prezado Fiódor Mikhailovich, que simplesmente não o trate por Micha. Sei que reconheceria a gentileza do trato, mas, creia-me justo, fazê-lo seria usar da mesma intimidade impostora que o meu tempo sustenta, renegando os valores fundamentais dos ideais que se professam, como se a incoerência fosse virtude e a franqueza um pecado capital.

A consciência, nestes meus dias, estimado Fiódor Mikhailovich, há muito deixou de ser definida nos exactos termos etimológicos, que tanto explorou na vasta riqueza da sua obra. Atrevo-me mesmo a sentenciar, sempre com o seu consentimento, que ela – consciência – evaporou-se ao longo do tempo, como gotas de água num deserto escaldante, tal a profusão de actos prepotentes, praticados em nome das revoluções mais ociosas, e sem sentido, que nem o seu elevado intelecto ousaria considerar.

Por isso, amigo Fiódor Mikhailovich, aviso-o desde já que prefiro ficar, hora e meia do meu dia de sã loucura, retido na solidão de uma cozinha, a confecionar legumes de caril, do que perder tempo a ler as idiotas bajulações da modernidade, entre indivíduos que, apesar de pertencerem à nossa espécie, vendem-se como se castanhas piladas fossem raras pepitas de máximo quilate, desconhecendo que esse grau de pureza é incompatível com joalharia.

Este novo paradigma, meu caro Fiódor Mikhailovich, é tão complexo e paradoxal que, aos seus olhos, ouvidos e inteligência, as minhas palavras soarão aos discursos de um dos seus mais famosos personagens. Quem, senão um perfeito idiota, pode conceber que se outorguem falsos epítetos em nome de um conceito igualitário, mas alicerçado no individualismo egoísta, sem consciência da vulgaridade?

Hoje, Fiódor Mikhailovich, a verdade não vem nos dicionários. Talvez, nem nos livros de culinária.

Com estima,

Emanuel Lomelino

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Contos que nada contam 34 (Entre migalhas) - Emanuel Lomelino

Entre migalhas

A passo lento, Rómulo pisa a calçada, ainda húmida do orvalho matinal, como quem tem uma pedra no sapato e as meias encharcadas.

No rosto, carcomido pela insónia, leva estampada uma história de tormentas cosidas a desencontros e linhas tortas. No canto do olho, como em todos os dias amargos, carrega o reflexo de lágrimas por libertar, que nem a cacimba é capaz de disfarçar.

O manto puído dá-lhe o poder da invisibilidade perante a turba que se acumula junto ao semáforo, sem tempo para olhar o mundo tal qual ele se apresenta.

Ao ronco das entranhas, Rómulo responde colocando a sua mão boa – a que tem menos escaras vivas – no que resta do bolso direito. Saca a côdea do desafogo das últimas semanas e, com a prática de um golpe de indicadores, solta duas migalhas que leva à boca salivante.

Olha em redor, como quem anseia ver algum conhecido, e regressa, inexpressivo, ao interior da caixa de frigorífico, onde se abriga nas noites selvagens de Inverno, para mais uma tentativa de hibernação – o sono pode não ser pacífico, no entanto, tem o condão de apaziguar o estômago por mais algumas horas, até à próxima dose de migalhas.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Lomelinices 53 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

53

Olho o passado de relance, mas não deixo de moldar o barro do presente com a experiência adquirida, sabendo, de antemão, que as construções futuras serão, também elas, edificadas de modo distinto.

Por mais que nos instruamos na arte da concepção, o tempo, na sua maestria incontestável, arranja sempre forma de condicionar cada momento, provando, assim, que a vida, embora pareça uma sucessão de círculos, é uma espiral contínua e as linhas que separam os tempos (passado, presente e futuro) são mais ténues do que uma célula hexagonal.

É por isso que o acto de escrever é o próprio passado a acontecer.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 13) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
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Pelo contrário, houve naquele grupo de portugueses quem achasse irreverente a atitude dos índios de não saudarem o capitão. Este permaneceu calado, muito sereno, medindo-os com o olhar, estranhando os beiços furados, parte da cabeça tosquiada e as penas que eles usavam para a adornar na parte de trás. Antão voava naquelas penas, mas Pedro Álvares Cabral, de acordo com o seu nome, o masculino de pedra, manteve-se preso ao chão, com os pés bem assentes sobre o tapete vermelho.

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Papaguear cultura 5 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

5

Mesmo sendo uma era de pedra e osso, a história fazia-se, entre peregrinações instintivas e paragens para sustento. Também havia espaço para registos toscos do dia-a-dia, em tons quentes, porque únicos, mas ninguém grunhia opinião.

Salto no tempo…

Da necessidade fez-se luz e o progresso gerou conforto e ideias novas. A paleta de cores, agora alargada aos tons frios e neutros, já originava comentários, mas, acima de tudo, justificava erudição elitista, porque religiosa e abastada.

Salto no tempo…

A evolução contínua quebrou algumas barreiras invisíveis, substituindo-as por outras - nem melhores nem piores, apenas outras. O arco-íris, com as suas tonalidades e outras que são meios-termos, universalizou-se e ramificou-se, dando origem a múltiplas referências. Nasceu a crítica, o contraponto e os opostos assumidos, mas nada entendido como mais sério que o momento.

Salto no tempo…

Hoje, como em tempos idos, a história constrói-se e desvaloriza-se a arte. No entanto, são poucos aqueles que entendem que só sabemos sobre o passado porque os ociosos gravadores primitivos, os escrivães medievais e os revolucionários aristocratas oitocentistas – para falar apenas nestes – deixaram as referências artísticas fundamentais para a compreensão dos seus quotidianos.

Quer se queira, quer não, o mundo só conhece a sua história porque nos legaram arte rupestre, literatura científica, ensaios, crónicas, poesia e ficções.

Por muito que resistam, a verdade é só uma: não fosse a arte de cada tempo jamais saberíamos nomear os estágios do passado que nos conduziu até este nosso tempo.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 7) - Maria Antonieta Oliveira

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No esconso da escada dessa farmácia, era onde existia o médico mais económico, que consultava amenina e já sabia toda a história da sua saúde, por vezes, aconselhava a mãe a sair mais de casa, a criança precisava de apanhar ar, mas a mãe não tinha tempo, a costura, por um lado, felizmente, era demais e o tempo escasseava. O consultório era mesmo por debaixo do espaço ocupado pela farmácia. Outros tempos, não havia ASAE nem outras que tais.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Pensamentos literários 6 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

6

Cada vez mais, escrever é como caminhar num trapézio sem rede. Por mais confortável que o autor se sinta, na execução do seu ofício, está sempre sujeito ao desequilíbrio e, consequentemente, à queda. Mais ainda quando o público é composto por gente munida de atenção qualificada e pronta para apontar os desacertos alheios. Sendo mais vulgar que a assistência seja formada apenas pelos opinadores de ocasião - aqueles que dão palpites sobre tudo, sem terem ideia de nada.

Quem escreve deve ter consciência de que, ao mínimo deslize, seja de que natureza for, haverá sempre alguém predisposto à crítica, qual corrector automático infalível, sem pretensão maior que não seja ridicularizar o próximo – neste caso o autor.

Poucos são aqueles que criticam por opinião divergente, mas fundamentada, ou na intensão de proporcionar um debate construtivo. Creio, aliás, que essa espécie deixou de existir há muito tempo.

Também perigosos, para quem escreve, são os observadores de cortinado (camuflados), sempre em pulgas para descontextualizar uma ou outra frase, de modo a, no mínimo, comprometer a índole de um pensamento e dar conotação negativa a uma narrativa, como quem procura nódoas em lençóis imaculados.

O mais grave de tudo é o facto de a grande maioria dos autores contemporâneos deixar-se intimidar, por esta corja de críticos de pacotilha, e limitar-se a escrever banalidades consensuais, fugindo assim à responsabilidade inerente ao ofício da escrita: desafiar, provocar, revolucionar, chocar e instigar a reflexão.

EMANUEL LOMELINO