quinta-feira, 20 de março de 2025

Lomelinices 98 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

98

Com o acúmulo de dias pardacentos, que não me transportam a lugar algum, vou-me vestindo de silêncios e indiferença.

Olho em redor e apenas vislumbro números circenses banhados de vulgaridade e executados por carrancas enfadonhas, como se a originalidade moderna fosse uma repetição contínua de carnavais passados, contudo, a preto e branco.

Esta matização básica, insonsa de significado ou propósito, inflige-me dotes de frivolidade e frieza, como se todo o meu ser físico fosse constituído por blocos de gelo oxigenado pelas insignificantes aragens polares.

Mas desenganem-se aqueles que veem nesta insensibilidade austera um temperamento acomodado e cego. A mudez, além de boa conselheira, permite observar a transparência de todas as matizes e intenções.

Silêncio não é sinónimo de apatia, inércia, passividade ou alheamento.

EMANUEL LOMELINO

A casa dos ursos (excerto) - Maíra Baumgarten

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A tarde cai lentamente, as calçadas encontram-se cobertas de névoa outonal e a rua da margem ostenta ricas sombras de arvoredo no interior do córrego. O caminho até a Casa dos Ursos é longo e acidentado. Passa pelo grande edifício que oculta uma favela urbana inserida bem no meio de um quarteirão e segue até o colégio em direção à pracinha que fica na confluência de três ruas. Depois, a lomba híbrida que leva de uma avenida a outra através dos muros do Cemitério Israelita, de um lado, e dos estudantes de marketing, de outro. Na esquina o crematório de más lembranças.

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quarta-feira, 19 de março de 2025

Lomelinices 97 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

97

Hoje as sombras estão mais presentes que nunca. A escuridão estende os braços frios sobre cada esquina, beco e viela, tentando envolver no seu manto de breu tudo o que intenta luzir.

Há um sopro de mau agoiro personificado num uivo felino, rouco, contudo, tão monocórdico quanto arrepiante, intercalado com o som metálico de uma goteira ritmada e o ronco de uma árvore chacoalhada pelo Zéfiro persistente.

À distância de um receio fundado escuta-se o embate de saltos com os paralelepípedos da calçada, numa corrida acelerada, quase em duplo desespero.

No céu ribombam trovões em sequência, como elos de uma corrente interminável. Mas dos raios luminosos, que normalmente se seguem, nem sinal. Só som e escuridão.

Esta noite as sombras estão mais presentes que nunca.

EMANUEL LOMELINO

terça-feira, 18 de março de 2025

Lomelinices 96 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

96

Apesar do grau de exigência que me coloco, adoro a minha falibilidade. É certo que me irrito com todos os passos mal medidos, com todas as derrapagens, com todos os deslizes, no entanto, entendo que as falhas fazem parte do processo e a melhor forma de as combater é admitir o erro e seguir adiante.

A parte confusa de tudo isto está na primeira afirmação que fiz neste texto: “… adoro a minha falibilidade”. Como pode alguém, que se diz exigente, ficar satisfeito com o facto de ser falível? A resposta é tão simples quanto óbvia.

Se refletirmos um pouco, facilmente entendemos que existe uma relação de causa-efeito a unir os dois conceitos. A exigência só faz sentido havendo imperfeição e esta é impulsionadora do carácter exigente.

No fundo, aquilo que advogo é a conscientização de que a génese da minha personalidade está umbilicalmente associada ao facto de ser, ad aeternum, um Ser imperfeito. Logo, se não fosse falível também não seria exigente.

EMANUEL LOMELINO

O caso calcinha anônima (excerto) - Lílian Maial

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– De quem é essa calcinha? A pergunta de Flávia, em tom incisivo, pegou Paulo de surpresa.
– De que calcinha você está falando, mulher?
– Dessa aqui, essa vermelha, obscena, sexy e, ainda por cima, tamanho P!
Flávia há muito deixara de ser tamanho P. Fazia de tudo para não passar para o G, apertando-se num M esgarçado e sempre de algodão e lycra, bem mais elásticas.
Paulo mostrou-se tão surpreso quanto Flávia, exibindo uma tranquilidade irritante:
– Olha, Flávia, você pode não acreditar, mas não faço a menor ideia de quem seja a dona dessa calcinha, muito menos o que ela faz no porta-luvas do meu carro. Você usou o carro ontem, deve ter colocado aí e nem se lembra.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLETÂNEA - IN-FINITA

segunda-feira, 17 de março de 2025

Lomelinices 95 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

95

Já perdi a conta às vezes que metaforizei este paradoxo que existe em mim.

Por um lado, sou espírito eremitão, com sede de deserto e vontade de ficar em contínua meditação, abraçar os silêncios mais profundos, sentir a sangue pulsar nas veias, enxergar a passagem de cada segundo e alcançar o máximo de epifanias que o conhecimento possa outorgar.

Noutro prisma, sou o eterno amante do sedentarismo conformista; recluso num tempo que não me pertence, aonde me sinto desenquadrado, sem desejo de mudança – por revolta ou rebeldia – existindo apenas.

Por outro lado, sinto-me um nómada sem endereço certo nem rumo concreto, sedento por encontrar o lugar perfeito para instalar esta carcaça envelhecida e criar um entreposto de isolamento premeditado. Sou um beduíno, sempre irrequieto, em busca de um espaço para assentar arraiais, longe deste outro espaço que me restringe, aprisiona e bestializa.

Depois, enquanto me debato com esta triplicidade esquizofrénica, olho em redor e vejo inúmeras caravanas de camelos que circulam nos mesmos desertos que eu, com a diferença a residir nos holofotes que os acompanham. Então multiplica-se a necessidade visceral de metaforizar este labirinto temporal aonde me sinto enclausurado e de onde tenho ânsias de libertar-me.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 22) - Zélia Alves

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Daí, o ter sentido necessidade de o trair… como que para o obrigar a que ele mostrasse o amor que sentia por ela. Sabes o que é mais triste? É, por vezes, encararmos tudo o que saia do padrão considerado “normal” e tomá-lo como anormal e acharmos que devemos espicaçar, magoar para que possamos sentir alguma “segurança”, quando a insegurança existe apenas em nós. Mas quando não enxergamos que essa insegurança é nossa e só nossa, magoamos, recriminamos e exigimos dos outros.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

domingo, 16 de março de 2025

Contos que nada contam 39 (Festa de aniversário) - Emanuel Lomelino

Festa de aniversário

O ginásio do polidesportivo estava apinhado de gente. Gerações de descendentes reunidos para celebrar o centenário Anselmo. Filhos (dois), filhas (quatro), netos (cinco), netas (seis), bisnetos (quinze) bisnetas (treze), trinetos (vinte e três), trinetas (vinte e seis), quatro tetranetos e duas tetranetas.

Foi numa cacofonia de conversas de ocasião, sobre futilidades, risos e gargalhadas estridentes, correria e choro de crianças, e olhares distraídos nos ecrãs da moda, que Anselmo apareceu sem ser notado.

Lentamente, aproximou-se da mesa onde estava um enorme bolo de aniversário, olhou em redor, contou os rostos presentes, um a um, sorriu pela ironia do número coincidir com o seu século de vida, soprou o mar de velas apagando todas as chamas bailarinas e formulou o mesmo desejo dos últimos vinte anos: queria ouvir a voz da sua sombra, a única entidade que jamais o ignorou.

Saiu tão invisível como havia entrado e só foi descoberto duas horas depois, abraçado a si mesmo e com um sorriso triste, no seu leito de morte.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 15 de março de 2025

Prosas de tédio e fastio 12 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

12

Há o tempo. Sempre incompreendido e mal medido. Sempre contestado e gasto a despropósito. Sujeito à dualidade humana. Dependente do livre-arbítrio dos humores.

Mas o tempo faz-se lonjura e exige esforço porque não para, não espera, não se controla nem se deixa domesticar.

E a vida segue, com um objectivo oculto e um final premeditado, nos compassos inclementes do tempo que, pedindo respostas, não desacelera, mas esgota-se porque a sua duração é a nossa duração.

Por isso, o tempo é unidade de medida. Dele próprio, de nós e do intervalo que nos separa do fim inevitável.

E a equação do tempo é simples de descrever: entre a terra e o céu (ou inferno) há a distância de uma vida por compreender e uma morte por alcançar.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 14 de março de 2025

Prosas de tédio e fastio 11 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

11

É curioso observar que a grande maioria das pessoas que, enquanto jovens, questionavam a utilidade prática de algumas matérias ensinadas nas escolas, é a prova viva de que a humanidade é demasiado suscetível a influências subliminares.

Veja-se, por exemplo, a geometria e a trigonometria. Tirando os que estudavam engenharia ou arquitetura, ninguém conseguia ver a sua aplicabilidade. No entanto, hoje, todos, sem excepção, perante a falta de linearidade da vida, demonstram ter várias faces ou lados, procuram os melhores ângulos e prismas para se enquadrarem em alguns círculos, havendo quem consiga criar esferas de influência. Os mais obtusos estão gradativamente a alterar a vida, enquanto os mais agudos, o máximo que conseguem é ter vidas quase paralelas, muitas vezes envolvidos em triangulações, das quais, se escapam, é sempre à tangente. Depois temos aqueles mais rasos que nem vale a pena falar.

Ora, tendo em conta a aversão juvenil a estas matérias, os comportamentos geo-trigonométricos só podem ser explicados por influência subliminar.

Seja como for, se alguém conseguir elaborar uma teoria melhor, estou disposto a mudar a minha linha de raciocínio, 180º.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 13 de março de 2025

Prosas de tédio e fastio 10 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

10

Todos temos dois lados, cientificamente identificados – consciente e inconsciente.

Ambos trabalham em uníssono, ajudam-nos nas questões diárias, a cada instante fazem-se presentes e manifestam-se em permanência, embora nem cheguemos a nos aperceber desse facto.

Na verdade, todas as nossas decisões são influenciadas pela dupla dinâmica da consciência, no entanto, talvez por ser mais confortável ou, quem sabe, menos incriminatório, temos tendência para explicar os nossos comportamentos através da superficialidade do consciente em vez de alinharmos na profundidade do inconsciente. Aliás, a nossa inclinação pelo consciente é tão óbvia que colocamos a outra vertente com um papel subalterno chamando-a de subconsciente.

Posto isto, e porque tudo existe porque nós existimos (consciente confortável), quando nos queixamos de algo, estamos efectivamente a queixarmo-nos de nós próprios (inconsciente incriminatório).

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 12 de março de 2025

Papaguear cultura 10 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

10

Ninguém discute que a criação é o expoente máximo de satisfação de qualquer criador. No entanto, este aforismo tem sido levado ao extremo das suas competências, como podemos observar, amiúde, na atitude de muita gente.

Há quem se julgue criador supremo e tente – por vezes consegue – moldar os outros à sua semelhança, ou de acordo com aquilo que pretende que os demais sejam, ignorando que todos têm o seu próprio caminho a percorrer e direito a fazê-lo na plenitude da sua individualidade e natureza, sem interferências, intromissões nem intervenções externas.

Este comportamento só tem sido possível porque, para infelicidade da espécie, há muita gente que, por medo da rejeição, faz tudo para se sentir incluída, inclusive, entregar o domínio das suas acções a outrem.

Este tipo de, chamemos-lhe, interacção é apenas uma relação tóxica entre manipulador e subserviente. E a satisfação de um criador jamais pode advir de manipulação – porque criar é parir e nunca usar – nem a criação pode ser servil – porque é bênção.

EMANUEL LOMELINO

Possa eu tocar-te (excerto) - Márcio Silva

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Possa eu tocar-te, da mesma forma que me tocas!
Não só o coração mas, o mais profundo do meu Âmago, que me extravasa as entranhas…
Como os arpejos e dedilhados das Arpas ancestrais, que entoam melodias líricas aos Deuses, quando o Astro Rei se põe...
Como almejo abraçar a lua e tocar as estrelas cintilantes, nas noites de profundo breu...
Acordando deste sono, de um despertar esquecido, eternamente vivo, em meu ébrio coração…
Neste intenso e incomensurável sentir, abraço este pleno vibrar da vida guardada, com o equilibrado e íntimo vaivém da onda, desse mar onde me deleito...

EM - CONEXÕES ATLÂNTICAS IX - COLETÂNEA - IN-FINITA

A dúvida (excerto 21) - Zélia Alves

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Na verdade, onde haveria ela de descarregar a sua dor, a descrença dela própria? Em mim! Na minha ancestralidade, as mulheres da minha vida sempre foram subjugadas pelos homens. Sempre levaram pancada e achavam que se levavam era seu merecimento e deveriam acatar. A minha mãe que encontrou no meu pai um Ser de Luz que fugia aos padrões dos nossos antepassados, foi para ela “um frouxo”.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

terça-feira, 11 de março de 2025

Pensamentos literários 19 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

19

Os bons livros são aqueles que exercem a função de mestres e, sem presunção nem culto de personalidade, dispõem-se a olhar-nos – meros aprendizes – como seus iguais, deixando-nos desfrutar a nossa independência intelectual.

Enquanto leitores, discípulos atentos dos discursos impressos, cabe-nos a tarefa de interpretar, per si, meditar e retirar as conclusões que acharmos mais assertivas, de acordo com o nosso entendimento.

A relação livro/leitor (mestre/aprendiz) é a que mais se aproxima da interacção perfeita. Um ensina, outro aprende. Um sugere, outro intui. Um revela, outro descobre.

Os bons livros não são arrogantes. Os bons leitores são modestos. Os bons livros partilham. Os bons leitores absorvem. Os bons livros não são herméticos. Os bons leitores desenvolvem pensamentos.

Como diz, repetidamente, um colega de trabalho: “Quando o mestre é bom…”

EMANUEL LOMELINO

Perdas e ganhos na rota de ser feliz sempre (excerto) - Joce Araújo

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Na formação da vida a formatação é sempre uma gangorra – ganhos e perdas – muitas vezes dolorosa. Durante a jornada fazemos as escolhas e a vida vai moldando cada uma delas. Podemos selar nossa existência enclausurada em uma redoma de tristezas voltadas para as perdas, ou escolher seguir a nossa rota alimentada pelas lembranças felizes dos ganhos, parafraseando Carlos Drummond de Andrade que “No meio do caminho tinha uma pedra.” Penso que “A Pedra” aparecerá sempre e não será removida, permanecerá lá, no meio do caminho se não a retirarmos.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLETÂNEA - IN-FINITA

segunda-feira, 10 de março de 2025

Devaneios sarcásticos 13 - Emanuel Lomelino

Devaneios sarcásticos 

13

Agostinho da Silva sempre demonstrou aversão ao epíteto “mestre”, preferindo identificar-se como eterno aprendiz, e queria ser poema em vez de poeta.

Estas duas ideias, tão simples e entendíveis, servem, como contraponto perfeito, para entender a falta de altruísmo que grassa na sociedade actual.

Hoje, em diferentes círculos de autores (que podem sê-lo ou não), é comum – para não dizer norma – a autodenominação de epítetos, sem que a embalagem corresponda ao produto.

Hoje, ao contrário do que acontecia no tempo do “poema” Agostinho, nascem “poetas” a rodos, a cada conversa, a cada sarau, a cada tertúlia, numa clara expressão de individualismo e idolatria exacerbados.

Mais curioso é que os actuais “mestres” – porque assim se consideram – são avessos ao ensino, apesar da alegada extrema sabedoria e conhecimento que possuem.

Perdemos o “poema altruísta”, proliferam os “poetas egocêntricos”.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 9 de março de 2025

Papaguear cultura 9 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

9

Ao longo dos anos tenho-me confrontado com muitos comportamentos que, analisados em detalhe, só prejudicam o universo da escrita. O exemplo mais flagrante é a criação de grupos elitistas – sendo que este elitismo literário varia entre grupos, mas impactua decisivamente nos percursos dos respectivos integrantes, para o bem e para o mal.

Para mim, a raiz deste problema é, mais do que uma questão de interpretação ou conceito de qualidade literária, uma demonstração clara de egocentrismo.

Ao contrário de épocas anteriores, em que os autores exerciam o seu ofício com conceitos filosóficos e criativos pré-definidos, de acordo com a corrente artística em que se reviam, hoje ninguém sequer reconhece esses movimentos e, apesar de criarem a mesma coisa, da mesma forma e com o mesmo objectivo, dividem-se em grupos distintos, mas com bases idênticas.

Por outro lado, e talvez o sintoma mais óbvio do egocentrismo apontado, hoje ninguém quer discutir conceitos e filosofias por necessidade em etiquetar as suas criações como expoente máximo da arte e, por essa razão, faz-se rodear por outros que, manifestando o mesmo desinteresse pelos movimentos artísticos, tampouco sabem identificar as diferenças (incoerências) existentes no seio do próprio grupo.

Haverá algo mais prejudicial para as artes do que a incapacidade dos criadores em explicarem as suas criações, para além de chavões pueris como: “expressão da alma”, “inspirado na vida”, “fruto de inquietações”?

EMANUEL LOMELINO

Ludovina e a promessa (excerto) - Laurinda Rodrigues

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Quando a avó era velha e ela criança, Ludovina tinha dado um empurrão na avó daqueles que treinava na escola e a avó partiu uma perna, ficou meses sem sair de casa e, um dia, Ludovina teve a notícia de que a avó partira para o céu.
Embora o céu fosse para Ludovina o local das estrelas, era tão sincera a zanga da mãe e tão tristes os olhos e as lágrimas que Ludovina prometeu nunca mais dar empurrão.

Estranhava assim sempre que, em crescida, os outros lhe dissessem que era necessário “dar um empurrão”, quando encalhava no trabalho ou nos amores.
Estranhava com a memória do corpo, porque a promessa se apagara na história pessoal.

EM - CONEXÕES ATLÂNTICAS IX - COLETÂNEA - IN-FINITA

sábado, 8 de março de 2025

Lomelinices 94 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

94

Por vezes fico a ponderar nesta minha apetência, cada vez maior, para procurar momentos de isolamento. Dizer-me apreciador da reflexão acaba por ser redutor porque também é possível pensar estando rodeado de gente.

Ficar entregue aos pensamentos é uma forma de autoconhecimento. Fazê-lo cercado por outros pode ser comunhão, quando há partilha de ideias.

O problema está na questão do grupo. É difícil partilhar os pensamentos mais elaborados quando do outro lado só existe interesse no banal, no frívolo, no insonso, e há grande resistência à evolução das conversas.

Neste contexto sou obrigado a confessar as saudades que tenho de algumas pessoas. Daquelas que, além de saberem transmitir conhecimento em assuntos diversos, tinham a capacidade de fazer evoluir os diálogos transformando as conversas em meros convívios apaixonantes.

Muitas dessas pessoas já não estão neste plano e, tal como eu, os que ainda por aqui andam também passaram a preferir a reflexão isolada.

EMANUEL LOMELINO