segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Prosas de tédio e fastio 5 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

5

Quem estudou ciências humanas, ou humanidades como se dizia nos anos oitenta, deve lembrar-se, certamente, que a maior dificuldade dos professores era fazer com que os alunos conseguissem interpretar textos e identificar os elementos estilísticos incluídos. Eram aulas e aulas dedicadas a esta matéria e, na globalidade, os resultados não eram dos melhores e ficavam aquém do razoável, porque na cabeça de alguns alunos pairava a eterna questão: mas isto serve para quê?

Ao contrário do que manda a regra, a esta pergunta, feita no presente do indicativo, a resposta mais lata tem de ser dada no pretérito imperfeito: isso serviria para que existisse maior compreensão das mensagens, não acontecessem erros de avaliação, mal-entendidos e, cerrem-se os dentes, não proliferasse uma pobreza franciscana ao nível da criação literária.

Observando, com olhos de ver, o universo da escrita (mas não só), fica claro que essa dificuldade docente nunca foi ultrapassada, tal a profusão de equívocos linguísticos e interpretativos.

Essa incapacidade de entendimento e identificação de figuras de linguagem, sejam semânticas, sintáticas, ou outras, é tão perceptível quanto triste e, sem o risco de incorrer em exageros, até faz corar as resmas de papel rasurado.

Posto isto, garanto que são menos aqueles que repararam no litote que precedeu o eufemismo, lá atrás, no primeiro parágrafo, do que quem atentou na personificação usada no anterior, ou em outros recursos distribuídos entre ambos.

À pergunta: isto serve para quê? A minha resposta concisa é: para eu fazer um exercício de escrita usando o maior número possível de figuras de estilo e ultrapassar, por grande margem, o limite de espaço previsto para este texto.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 16) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Desculpa estar a trazer-te à memória flashes que te poderão trazer, de novo, o sofrimento, mas preciso limpar ou tentar limpar a minha Alma. O teu olhar quando nos viste na cama é uma reação que guardarei para sempre na minha memória. Naquele momento, ainda que não tenhas dito nada, vi no teu olhar o quanto me amavas e o quanto eu tinha sido injusta para contigo e me tinha tornado indigna para com a tua pessoa.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

domingo, 16 de fevereiro de 2025

Prosas de tédio e fastio 4 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

4

Quer queira ou não, para executar os desafios de escrita que me coloco, primeiro tenho de encontrar um tema e, por isso, algumas vezes, parece que estou a repetir discursos, ou a reforçar um ponto de vista.

A bem da verdade, fica difícil separar uma coisa da outra e não vejo razão que me impeça de, através destes treinos de criação, dissertar sobre os meus conceitos e ideias, ou fazer críticas e reparos ao que me aprouver.

De certa forma, fazê-lo é aumentar o desafio, criando uma espécie de “dois em um”, com a adição de novos problemas a pedirem solução. Neste caso, ser fiel e coerente em cada assunto abordado, defender todas as opiniões com o máximo de clareza sem correr o risco de ferir a lógica de uma ideia, e chegar ao final de um texto com a sensação de dever cumprido e agradado com o resultado.

Usando este texto como exemplo, dissertei sobre juntar o útil, dos desafios, ao agradável, de escrever sobre a forma como os executo, mantendo o foco num propósito concreto: não usar palavras com mais de nove letras.

EMANUEL LOMELINO

Uma crônica de viagem (excerto) - Carla Gisele Batista

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Quando passei alguns dias em George, na África do Sul, o anfitrião do lodge onde me hospedei sugeriu ir a Oudtshoorn. Ele mesmo reservou o passeio com um guia que veio me buscar em seu confortável automóvel no casarão aristocrático onde aluguei uma suíte, podendo usufruir da sua estrutura.
A estrada montanhosa sofria por causa de queimadas que consumiam a vegetação e eram alardeadas diariamente pela imprensa. Apesar de melancólica, a imagem não era feia, pelo contrário. Como fotos em branco e preto, os galhos negros retorcidos e as montanhas perfuravam nuvens de fumaça. Um sombreado distante contrastava, como fantasma vultoso, sufocando a vida num abraço frouxo, lento e constante.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLETÂNEA - IN-FINITA

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Lomelinices 89 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

89

Por natureza, e porque procuro desenvolver ideias próprias sobre várias temáticas, sou crítico dos radicalismos modernos, que só existem por falta de validade argumentativa e preguiça intelectual.

Reflectir deve ser sempre o primeiro passo para a existência de discussões construtivas e é através das divergências que se podem alcançar consensos e encontrar as melhores soluções para cada problema.

Neste contexto, e porque há assuntos que merecem debates amplos e sérios, congratulo-me pelo crescente interesse na problemática da saúde mental.

Apesar da questão ter sido levantada, recentemente, por figuras de relevo do universo desportivo, este problema não é novo, é mais abrangente e deve preocupar cada um de nós.

Sem retirar importância ao debate sobre as origens, motivos ou soluções, creio que a prioridade deve ser a consciencialização colectiva de estarmos perante uma situação grave que requer o máximo de sensibilidade nas abordagens e, por isso, são dispensáveis as ideias pré-concebidas e preconceituosas do passado.

As sociedades só evoluem quando os pensamentos acompanham.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 25 - Emanuel Lomelino

24-12-2023

Volta e meia, nos meus exercícios de escrita, aludo à preguiça intelectual que ganhou raízes nas sociedades modernas. São tantos os exemplos que fica complicado não dar uso a essa constatação.

Esta epidemia de não-pensamento tem diversas origens, múltiplas razões e inúmeros motivos para continuar a propagar-se, sendo factor essencial e decisivo para que alguns “iluminados”, conscientes do fenómeno, ganhem força e consigam ser reis em terra de cegos formatados.

O mais preocupante é que esta enfermidade já esteve presente em outros momentos da história da humanidade, mas parece que, desta vez, quase ninguém consegue enxergar o óbvio.

Pelo andar da carruagem, acho que esta nova variante, vai ficar entre nós mais tempo do que as anteriores, tal a capacidade de contágio que tem revelado.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Lomelinices 88 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

88

Quando a manhã se acende num sorriso, a geada, afectuosamente, desmancha-se em lágrimas cintilantes, que o sol prestigia num afago morno.

No céu despontam os primeiros voos, num bailado de brisa e penas, acompanhados pela beleza sinfónica de um chilrear indefinido, nascido de gargantas irrequietas, contudo melódicas.

Há um gingar vaidoso nos passos mudos de um gato pardo, que atravessa o jardim florido, como quem festeja sete vidas preenchidas, apenas interrompido pelo rouco canto de um galo que anuncia a boa-nova.

De repente, com a pontualidade de um relógio suíço, todos os sons se evaporam para que o vento assobie na folhagem de uma laranjeira, libertando as fragrâncias cítricas e impulsionando o voo de uma alva mariposa.

Os sentidos estão a formigar de entusiasmo quando o despertador toca e a chuva, que bate feroz na janela, revela que tudo não passou de um sonho primaveril e a realidade, de mais um dia, é cinzenta como ontem.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 21) - Maria Antonieta Oliveira

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Foi uma heroína para a entidade patronal, mas foi, por vezes, muitas, obrigada a fingir que não ouvia, nem sabia, o que as colegas diziam de si, especialmente na altura dos aumentos de ordenado, nunca compreenderam que se a entidade patronal a chamava para fazer algo relacionado com a sua contabilidade industrial, ou com a contabilidade geral, ela sabia e fazia e elas, enfim… Saiu de cabeça erguida e como uma óptima profissional.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Lomelinices 87 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

87

Por mais habituado que esteja ao modo como sou visto e entendido, por quem, sabendo da minha existência, não interage comigo, continuo a esboçar sorrisos internos quando as percepções caem por terra e são verbalizadas manifestações de surpresa.

Há uma imagem que me tem acompanhado toda a vida, muito por minha culpa, confesso, e que induz em erro aqueles que só me conhecem das redes sociais ou do “ouvir falar”.

Quanto à primeira, nada pode ser feito porque, há muitos anos, só uso as redes sociais para trabalho de divulgação.

Em relação à segunda, que apenas merece uma reflexão mais aprofundada para efeito deste exercício de escrita, sobressaem duas ideias.

1 – Há quem se dê ao trabalho de incluir o meu nome em conversas com terceiros, dando-me uma importância que não reconheço nem almejo. E nada mais tenho a dizer sobre isto porque o que falam de mim não me diz respeito.

2 – Há quem faça deduções de carácter, apenas pelo que escuta. Esta constatação sugere-me alguns pensamentos.

a) há quem viva mais na ficção e no achismo do que com a realidade.

b) há quem prefira o rumor à verdade.

c) há quem dedique mais atenção à vida alheia do que à própria.

d) é mais confortável ver nódoas na toalha do outro.

e) quem fala dos ausentes também tem costas.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 15) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Como te estava a dizer, comecei a falar com o Feliciano e acabei ficando confusa. Naquela altura em que te ausentaste por três dias, tendo tu regressado antes, eu estava despeitada com a tua partida. Achava que me estavas a trair e que foste embora para estar com outra mulher. Sabes como é? O ego falou mais alto e acabei na cama com o Feliciano. Se não nos tivesses apanhado, acho que não voltaria a estar com ele. Confesso que ele me dececionou bastante.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 24 - Emanuel Lomelino

23-12-2023

O substantivo que melhor define as sociedades modernas é “preguiça”.

Nestas duas primeiras décadas do século XXI, ela disseminou-se, qual vírus contagioso, tornando-se quase uma característica genética da humanidade.

Podemos observá-la desde as pequenas coisas da vida – usar o carro para ir ao café, no fundo da rua; deitar lixo no chão havendo um caixote no outro lado da estrada – até às de maior impacto – resolver burocracias no final dos prazos; deixar para o dia seguinte a conclusão de um trabalho, que demoraria cinco/dez minutos, porque o patrão não paga horas extra.

Depois há a preguiça intelectual, que tem sido estimulada por aqueles que compreendem o fenómeno do seguidismo e sabem dissimular ideias e conceitos em actos e discursos tão cativantes que parecem dogmas infalíveis, sem pontas soltas, logo, sem necessidade de reflexão, mas fazendo crer, aos enfermos da preguiça, que são livres-pensadores e que a ideia original foi fruto do seu próprio pensamento (que nunca teve).

Dessa percepção de indiscutibilidade cria-se a apologia do não-pensamento, ou a sensação de que pensar é prescindível.

Assim nascem os rebanhos, educados a aceitar sem contestar e sem compreenderem que estão a ser formatados por pensamentos induzidos e a perder a capacidade de pensar pela própria cabeça.

EMANUEL LOMELINO

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Pensamentos literários 16 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

16

O momento mais angustiante na vida de um autor não é o fracasso das suas criações, tampouco o sumiço repentino do estro. A angústia maior, que trespassa a alma vezes sem conta e dilacera cada átomo, acontece quando as palavras atraiçoam e esgravatam o íntimo como punhais rombos, sem um pingo de compaixão nem misericórdia.

Para os mais desprevenidos, cada traição é recebida no limite do despreparo e, por isso, sentida no extremo da dor – lancinante, feroz, inclemente.

Os mais calejados, não sendo imunes às estucadas e sofrendo em igual medida, conseguem, apesar das lágrimas de desilusão, ultrapassar o desconforto com maior celeridade, cicatrizar as feridas, e retornar ao ofício mais fortes.

Depois há os outros. Aqueles que, por nunca terem estado seriamente empenhados na escrita e, por essa razão, não terem ganhado consciência de autor, ignoram quão ténue é a linha que separa a traição das palavras e a arte escriba.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Prosas de tédio e fastio 3 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

3

Entre muitos paradoxos que enfermam a humanidade, um dos mais óbvios, mas que foge à reflexão, é o dogma da perfeição.

Todos alardeamos que a perfeição não existe e, consequentemente, admitimos a nossa imperfeição natural. Estas afirmações acabam por ser taxativas e complementares, mas quase sempre colocadas de lado, dependendo das situações, sendo usada a versão mais cómoda ao interesse de cada um, ou o(s) seu(s) contrário(s), como quem escolhe que roupa usar em determinado dia da semana. Senão vejamos.

Não existindo a perfeição, por que raio todo o mundo anda em busca dela, em todos os momentos da vida? Por que se exigem relacionamentos perfeitos? Por que se exigem, ou recriminam, comportamentos e prestações, em nome da perfeição? Por que razão as pessoas sentem necessidade de qualificar toda e qualquer coisa que veem, ou tudo o que leem, como sendo “perfeito”? Por que carga de água se voltam as costas aos demais por falta de perfeição, ou pelas imperfeições? Por acaso a imperfeição só existe na primeira pessoa do singular, no presente do indicativo, em circunstâncias especiais, sendo que noutras é alimentada na segunda pessoa do singular ou plural? Será que o conceito de imperfeição tem restrições aplicativas? Será que estamos, também neste quesito, a perder a noção da realidade e a deixar-nos levar pelo politicamente correcto por conta da sensibilidade de um punhado de “cabeças-ocas”?

EMANUEL LOMELINO

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Pensamentos literários 15 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

15

Sempre que me preparo para mergulhar num novo livro, visto o meu escafandro de gala e lá vou eu, contra todas as fobias, em genuína apneia.

As primeiras páginas podem revelar-se irrespiráveis, mas a falta de ar oxigenado, em vez de afligir-me, tem o condão de despertar o meu autocontrolo e elevar os sentidos no máximo das suas capacidades, obrigando-me a dar corda às barbatanas e ir ainda mais longe e fundo. E quanto maior for a dificuldade para manter a respiração regular, mais embrenhado fico e mais adentro nos textos.

Garanto-vos, com o testemunho de mil e uma experiências, que todos os bons livros conseguem fazer-nos viver para lá de uma síncope respiratória, e trazer-nos de volta, sãos e salvos, mas enriquecidos, à superficialidade fatal do mundo a que pertencemos.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 20) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Também foi aqui que pela primeira vez lhe apareceu a menstruação, algo que nunca ninguém lhe tinha falado que existia, era tabu, a prima já era menstruada, mas o pai dela, da mesma geração dos seus pais, era diferente, mais aberto à realidade. Então, o seu primeiro penso higiénico foi o colchão da cama do boneco, o tal que já falei com a cabeça de celuloide, que desmanchou, tirou o interior e dobrou utilizando-o assim, e foi para a escola, quando voltou ainda ouviu porque devia ter dito o que se estava a passar.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 23 - Emanuel Lomelino

19-12-2023

Sem tirar a importância a outras grandes preocupações das sociedades modernas, um dos maiores flagelos actuais é o sumiço, que está a ser permitido acontecer, de inúmeros locais de culto – as livrarias tradicionais.

Sobre esta triste realidade estão a ser usados argumentos que só convencem os cabeças-ocas que falam de clássicos, mas só leem livros de autoajuda, comprados em supermercados.

Os livros que valem a pena serem lidos raramente os encontramos nas grandes superfícies, porque nunca serão os de vendas mais expressivas.

Livros que fazem pensar, ou melhor, que obrigam a pensar, são incompatíveis com o negócio de consumismo imediato, porque, neste nosso tempo, o acto de pensar está a roçar a extinção.

Os verdadeiros leitores, aqueles que conhecem as diferenças entre as grandes obras da literatura e os manuais de formatação, optam por pensar e sabem que só é possível encontrar bons livros nas livrarias tradicionais.

Infelizmente, esses espécimes raros têm uma capacidade financeira reduzida e isso reflete-se no desaparecimento de espaços icónicos.

A manter-se este círculo vicioso, corremos o risco de necessitar ir ao supermercado mais próximo para encontrarmos um manual prático, que nos ajude a descobrir uma forma de fugirmos à estupidificação que está a instalar-se, e reaprender a pensar.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 14) - Zélia Alves

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Tomaram o pequeno almoço e Joana recomendou a Célia que fosse meter na mala a sua roupa preferida, a fim de seguirem direto para Coimbra. Joana teve ainda o cuidado de pegar nalguns objetos da mãe, sobretudo os de higiene assim como de algumas peças de vestuário e de os colocar numa outra mala, deixando uma muda de roupa num saco para que a mãe a pudesse vestir e viajar para Coimbra.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

Prosas de tédio e fastio 2 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

2

Pensar dói. Ou melhor… dá dores de cabeça. Ok. Nem sempre. Há pensamentos que conseguem passar sem deixar vestígios, mas, quando assim é, isso significa que não tinham significado algum.

Aqueles que magoam são os pensamentos que vêm atrelados a outros pensamentos, como um comboio-bala interminável, cuja locomotiva é uma ideia simples que não gosta de andar sozinha nas trilhas da mente e, por isso, arranja sempre uma forma ardilosa de dar boleia a mais e mais ideias, cada vez mais complexas.

A dor de cabeça aparece nesse momento. Na altura em que as carruagens mais simples – porque leves – dão lugar às mais robustas – porque pesadas – e, como num passe de mágica, cada uma delas (ideias) se transforma numa nova locomotiva, dando origem a mais comboios. Tantos que a mente fica preenchida de carris, que entroncam, uns nos outros, de modo tão vertiginoso que, nasce a sensação, a qualquer instante haverá um descarrilamento ou um choque entre composições.

Se isto não fosse uma analogia eu estaria milionário só na venda de bilhetes, tantos são os pensamentos que viajam na minha mente.

EMANUEL LOMELINO

Olhei para dentro (excerto) - Ana Marta

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Salvaste-me de uma vida que nunca conheci, libertaste-me desta teia que, transparente, me envolvia em quereres que nunca quis. Vivia agarrada àquela conceção do "tem de ser", num conceito de alguém que não era eu. Rodopiava numa agonia amorfa, que me apontava o abismo num ritual igual a tantos outros. Chamava-lhe destino. Hoje, questiono qual o verdadeiro destino de alguém. Nascemos para morrer e isso não é um querer, é apenas um destino que nos aguarda a todos. Sem exceção. Senti-te. Ou acho que sim.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLETÂNEA - IN-FINITA

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Prosas de tédio e fastio 1 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

1

Os livros, tal como as conversas e as cerejas, estão sempre colados a outros. Descobri isto ao olhar atentamente para a minha biblioteca e ter visto Puchkin e Gogol em animada tertúlia com Camus e Pessoa. Noutra prateleira, Brecht e Celan concentravam olhares em Virgínia, Agustina, e nas irmãs Brontë.

Num canto mais resguardado, Proust, Benjamin e Todorov sussurravam críticas, como quem conspira literatura. Mais adiante, Almada Negreiros, de braço dado a Ramos Rosa e Torga, dissertava sobre poesia, como quem não sabe mais nada além de versos.

Wilde, com todo o vigor da sua juventude reciclada, olhava Botto com interesse redobrado, enquanto Ovídio, Plutarco, Horácio e Calvino tentavam descobrir as diferenças entre Vergílio e Virgílio.

Poe e Stevenson elogiavam Márai e Saramago, bem perto de Göethe e Nietzsche, que desafiavam Schopenhauer e Steinbeck, para deleite de Kant. Também vislumbrei o grupo de Tolstoi, Gorki, Nabokov e Dostoievski, a debater com Kundera, Marquez, Neruda e Natália.

Camilo, Dinis, Amado, Assis e Eça trocavam experiências, enquanto Vinícius e Ary ofereciam canções a Cecília, Sophia, Florbela e Natércia, que retribuíam com palavras meigas.

Cervantes, Dante, Shakespeare e Camões faziam vénias aos aplausos de Junqueira, Bocage, Drummond e O’Neill. Enquanto Baudelaire, Apollinaire, e outros franceses, viam peças de Gil Vicente e Pascoaes.

E mais não vou enumerar porque já ultrapassei o limite deste texto.

EMANUEL LOMELINO