domingo, 12 de janeiro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 21 - Emanuel lomelino

17-09-2021

Primeiro apareceu o homem, depois a mulher – dois géneros. Surgiu o sexo para que masculino e feminino se reproduzissem - número. A humanidade prosperou e virou muitos homens e mulheres com desejo sexual – biologia. Depois a humanidade era tanta e o sexo tão frequente, mas banal, que começou a busca por novos sentires – poesia?

E o sexo foi inovado. Os humanos dividiram-se entre heterogeneidade e homogeneidade, deixando espaço para a bissexualidade – natureza. E logo vieram grupos e subgrupos sob pretextos e teorias diversas para autoexplicar os seus aparecimentos – retórica.

Alguns deles sentiam-se elas, elas sentiam-se eles, outros (eles) sentiam-se elas, mas com desejos de serem eles, e existiam elas que se sentiam eles, mas queriam pertencer a elas. E também havia outros, ou outras, que não se sentiam uma coisa nem outra – modernismo.

E ao longo de toda esta dúvida existencial surgida do sexo, por muito que contestem e se ofendam, a gramática manteve-se sem mutações e continuou a classificar artigos definidos e indefinidos com critérios de número (singular e plural) e género (feminino e masculino). “Os” que se sentem “as” e “as” que se sentem “os”, são idênticos a “uns” que se sentem “umas”, mas querem ser “uns”, a “umas” que se sentem “uns”, mas querem sentir-se “umas”, e a todos os outros e outras – igualdade gramatical prática.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 9) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ao longo de quatro horas, Joana e António foram consultando o processo, para atentarem nos exames que iam sendo feitos e seus resultados. Até que o pior foi transcrito: Suspeita de carcinoma na mama esquerda. Teria de ser submetida a biópsia para confirmação.
Salomé aguentara sem se queixar e sem ir ao médico e deixara-se chegar a um estado bastante avançado. Fazia parte do seu temperamento – “Não dar parte de fraca”, como aliás, era seu hábito.
O Natal estava à porta. Célia iria entrar de férias e Joana estava sem saber o que fazer. No fim do turno, disse a Tony que não tinha disposição de ir comprar as coisas necessárias para o projeto, mas pediu-lhe
que fosse com ela até à beira do Mondego, local preferido quando estava deprimida. Foram.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

sábado, 11 de janeiro de 2025

Lomelinices 75 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

75

A loucura das horas furtivas – aquelas que envelhecem corpo e espírito – tem o condão de entorpecer as ideias impedindo a clarividência.

Quando não é combatida atempadamente, transforma-se numa vertiginosa sequência de delírios que tomam de assalto, de unhas e dentes, as vontades básicas, substituindo-as pelas mais insanas, como quem se omite das responsabilidades e transfere o poder de decisão ao subconsciente doentio.

Por isso, sempre que se encerra mais um dia, para não me deixar aprisionar nas teias desconfortáveis do aparvalhamento e aliviar a mente das toneladas de entulho acumulado, entro de cabeça num processo de elasticidade cerebral procurando, assim, reencontrar uma réstia de sanidade. Como? Entregando-me doidamente à leitura de uma obra clássica da literatura universal.

Abençoado terapeuta Celan!

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Lomelinices 74 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

74

Não foi um plano delineado de forma proposital, no entanto, o mundo que construi em meu redor, e que me serve quase na perfeição, faz de mim um eremita urbano.

Nunca desgostei das pessoas, bem pelo contrário, contudo, pouco a pouco, com o avançar da idade e o desaparecimento de alguns seres especiais, acentuou-se no meu âmago a vontade de usufruir deste isolamento egoísta e limitar a minha presença ao inevitável.

Substitui conversas com gente interessante por diálogos mentais com outros deslocados temporais, nos quais me revejo, mesmo não subscrevendo todos os pensamentos, conceitos e ideias que defenderam, pelo simples facto de ser apologista das discussões saudáveis com pessoas capazes de argumentar civilizadamente.

Esta esquizofrenia lomeliniana apraz-me e, enquanto tiver laivos de razoabilidade, não deixarei de a alimentar porque também me cumpro no silêncio conturbado dos meus pensamentos.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Crónicas de escárnio e Manu-dizer 20 - Emanuel Lomelino

18-11-2023

O próximo objectivo literário passa por encontrar obras de Séneca e descobrir se ele realmente dividiu os homens em duas categorias: os que caminham em frente enquanto fazem alguma coisa e os que vão atrás só a criticar.

Caso a atribuição se confirme, terei de discordar, em parte, e dizer-lhe que se esqueceu daqueles que, deambulam entre as duas facções.

Sim, existem os proactivos. Os que traçam os seus próprios caminhos e vão construindo, pedra por pedra, o destino que melhor lhes convém. Seguem as suas convicções e assumem os riscos do erro.

Atrás vêm sempre os visionários de obra feita, com as línguas afiadas e prontos a apontar, efusivamente e de dedo em riste, todos os percalços, todos os equívocos, enfim, tudo e mais alguma coisa, sem sequer saberem do que estão a falar.

Entre uns e outros estão aqueles que, sabendo identificar possíveis vantagens ou inconvenientes, ora fazem caminhos paralelos aos primeiros, ora juntam as suas vozes sussurradas aos segundos.

Esses, chamemos-lhes dissimulados, camuflam as suas acções em trajectos marginais para fugirem aos olhos dos censores e murmuram opiniões para não serem escutados pelos empreendedores.

Se Séneca dividiu os homens em duas categorias, fica aqui o reparo ao seu pensamento. Caso não tenha sido ele, fico já com a dissertação feita e só tenho de alterar o destinatário.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 20) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Vejo-as coroadas imperadores no Império do Espírito Santo cheio de paz e de sabedoria... Tão serenos como estes bons selvagens só os estoicos da Antiguidade, que sabiamente jogavam xadrez enquanto perto deles se derramava sangue devido às iníquas e mundanas paixões humanas... Podeis imaginar, meus irmãos, o que significa conciliar a sabedoria dos estoicos gregos e das filosofias orientais com a inocência destes selvagens?

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Lomelinices 73 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

73

Há quem se queixe de, por mais que recomecem algo, o desfecho ser sempre igual.

Mas a questão é simples e sempre a mesma: presumir que os sinónimos representam, fielmente, a mesmíssima coisa, quando não é assim.

Mesmo parecendo terem significação igual, existe uma enorme diferença entre reiniciar e repetir.

Reiniciar é voltar ao início, mas isso não obriga, em momento algum, fazer-se tudo exactamente da mesma forma: isso, sim, seria repetir.

Ora, tendo presente essa pequena, mas essencial, nuance, não é difícil entender que cada regresso ao ponto de partida é uma possibilidade de mudança. Isso implica voltar à estaca zero, mas enveredar por outro caminho, outra via.

Só colocando em prática essa consciência é que o desfecho final poderá ter hipóteses de ser diferente.

Se reiniciar e repetir fossem exactamente o mesmo era impossível evoluir.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 14) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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A Madrinha Lourdes, foi, é e será sempre o seu ídolo feminino, pela forma de ser, de estar, de pensar, de ver e viver na sociedade, sendo ela uma pessoa doutorada pela Universidade de Coimbra, nos anos 35/40 do século XX, podia ser pedante, não falar a qualquer um, mas nada disso, dava-se com todo o pessoal que existisse na pensão da mãe; de vestir, de se ornamentar, de se perfumar, enfim, um ser humano fantástico, embora tivesse um feitio muito especial. Era rica, muito rica, mas nada recebeu com a sua morte, um dia disse à mãe, que a moça não a sabia levar e só iria perder com isso, e perdeu.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Lomelinices 72 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

72

Como tantas outras vezes, iniciei a jornada sem destino premeditado – de peito aberto, ao sabor da despreocupação e empurrado pela brisa de cada dia.

Mas, ao contrário de outras caminhadas, decidi arregaçar as mangas, debastar os matagais mais densos, retirar, à força de músculos, os basálticos obstáculos, sem recuar nos inúmeros momentos em que alguns estilhaços, mais afiados do que cutelo de talhante, rasgavam a pele.

Hoje, avaliando as viagens, vejo que todas elas, independentemente do meu grau de resiliência e sacrifício, apenas me fizeram gastar as solas e voltar à estaca zero. Desta vez sem possibilidade de recauchutar os sapatos.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 8) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Joana estava cansada e adormeceu rapidamente. Célia, nem tanto, pois já vislumbrava que viria “forte trovoada”. Já lhe sentia o ribombar.
Quando na manhã seguinte, Solange chegou à cozinha, já as suas filhas se encontravam tagarelando numa amena cavaqueira. Estavam a pôr a mesa e Joana já tinha o café de cafeteira feito. Ao pequeno almoço quer Joana, quer a mãe, preferiam café passado na cafeteira, em vez do expresso que tiravam na máquina.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Devaneios sarcásticos 7 - Emanuel Lomelino

Devaneios sarcásticos 

7

Interessante como nos tempos modernos ainda existe quem pense que fazer um livro é colocar uma capa em redor de um monte de textos dactilografados.

Impressionante como nos nossos dias ainda existe quem pense que espartilhar textos em versos, alguns de forma disforme, pode ser considerado poesia.

Invariavelmente, neste universo de consumismo, ainda existe quem acredite que escrever, tal qual se fala e vive, e sem pensamento crítico, é um contributo para o desenvolvimento cultural de um povo e sua língua.

Infelizmente, nesta era de avanços tecnológicos, ainda existe quem negue a pureza e a perfeição da escrita dos tempos analógicos, como se o acto de escrever tivesse nascido milénios depois da própria escrita.

Intrigante como neste nosso tempo, de suposta escassa literacia, ainda existe quem assuma que ler contamina a sua escrita e restringe a capacidade criativa.

Inquietante, como numa época de pluralidade, ainda existe quem queira que as palavras, tanto escritas como lidas, sejam privilégio de alguns e não direito de todos.

Incoerente como ainda existem iluminados que, não se sabendo quem lhes outorgou a tarefa, querem ditar novas regras para a escrita porque são contra todas as regras.

Imbecilmente, neste tempo de muitas liberdades adquiridas, ainda há quem sinta as suas mais legitimas que as dos outros.

Ironicamente, neste tempo que é nosso, ainda há quem não saiba interpretar cada inflexão deste texto deduzindo ainda menos do que, reduzidamente, aborda.

Inspiram-se sem pensar e depois chamam-se escritores.

EMANUEL LOMELINO

domingo, 5 de janeiro de 2025

Devaneios sarcásticos 6 - Emanuel Lomelino

Devaneios sarcásticos 

6

Ao longo da história da literatura foram escritas muitas fábulas em que os animais ganhavam características humanas, como a fala. Mas não é sobre isso que vou dissertar. No decorrer do mesmo espaço temporal, foram muitos os escritos sobre bestas mitológicas, mas também não me debruçarei sobre isso. Tampouco escreverei sobre a etimologia de “Zoológica”, pelo menos na verdadeira assunção da ciência que estuda a origem da palavra.

Vou ser mais terra-a-terra e entender “Zoológica” como a lógica do zoo, ou a lógica dos animais. E porque me predisponho fazê-lo? Pelo simples facto de continuar a ver antas confundir “à” com “há”; burros que insistem em escrever “saiem” como se a palavra derivasse do substantivo “saia” e não do verbo “sair”; asnos que não sabem a diferença entre os verbos “caiar” e “cair” e usam “caiem” em vez de “caem”; porcos que chafurdam a escrita com excesso de pontuação; preguiças que não usam pontuação alguma; abutres que preferem usar escritos alheios no lugar de criarem; pavões que exultam os seus escritos banais e parcos de criatividade, só porque tiveram duzentos “gosto” e sessenta comentários numa postagem; papagaios que falam de escrita sem saber a diferença entre redondilha menor e maior; enfim, poderia continuar a desfilar muitos outros animais que identificaria ursos, leões, elefantes, focas, camelos, etc, para compor este zoo.

Mas a culpa destas bestas existirem também é minha porque transformo-me num David Attenborough ou num Jacques-Yves Cousteau e escrevo sobre a existência destes animais.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 4 de janeiro de 2025

Papaguear cultura 7 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

7

Na democracia de um mundo perfeito todos têm direitos e deveres, em igual medida.

Na democracia de um mundo perfeito todos têm direito a expressar as suas opiniões, independentemente das razões que os assistem, e todos têm o dever de respeitar todas as opiniões alheias, principalmente as que divergem das suas.

Na democracia de um mundo perfeito a lei permite a manifestação pública de todas as opiniões, desde que feitas ordeiramente, e impede as reacções contrárias ao direito de opinar e manifestar.

Mas o mundo perfeito só existiria se a humanidade também o fosse, e como a democracia é usufruída por humanos, para muitos ela é o seu direito de manifestar opiniões e tudo o resto é antidemocrático, inclusive as opiniões dos outros e as leis que impedem alguém de impor a sua opinião sobre as demais. A democracia perfeita é uma utopia porque será sempre aquilo que cada um entender, até que os outros se calem e submetam.

Resumindo: muitos aproveitam o espírito da democracia para dizerem e fazerem o que lhes aprouver sem darem conta de estarem a agir como verdadeiros ditadores.

E tudo isto faz-me acreditar, cada vez mais, que apenas as artes são verdadeiramente democráticas e são o único elo da humanidade com a perfeição.

EMANUEL LOMELINO

O princípio do mundo (excerto 19) - Jorge Chichorro Rodrigues

 
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Em silêncio poderia desfrutar delas, da sua inegável poesia, mas jamais poderia acolher de alma e coração a ideia de que a sua frota estivera no «princípio do mundo». «Agora que nós portugueses cobrimos com as nossas armadas todo o globo terrestre, defender a ideia de haver em terra firme um princípio do mundo, dentro de um tempo da Criação, é no mínimo despropositado. A ciência não permite tais devaneios...», pensava, duro como uma pedra e fazendo jus ao nome. 

EM - O PRINCÍPIO DO MUNDO - JORGE CHICHORRO RODRIGUES - IN-FINITA

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Pensamentos literários 11 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

11

Os livros! Esses seres mascarados de inânimes que, quando são abertos, agrafam a nudez das suas letras aos nossos olhos, fazendo-nos perder a noção de tempo e espaço enquanto nos transportam nas asas do deslumbre.

Os livros! Esses malvados seres que enfeitiçam a mente, guiando-nos pelos labirintos da reflexão, semeando ideias, instigando pensamentos.

Os livros! Esses pérfidos apóstolos da sabedoria que lavram, nos âmagos menos ociosos, a terra da razão, como quem, com toda a naturalidade e experiência, coloca roupa a secar ao sol.

Os livros! Esses censores da ignorância; esses opositores do analfabetismo; esses legisladores de literacia; que não receiam infetar-nos com o vírus do conhecimento.

Os livros! Esses camuflados seres opiáceos que nos fazem vagabundear, de página em página, como toxicómanos literários.

Ah, os livros! Metadona do meu vício.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 13) - Maria Antonieta Oliveira

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Todos os anos as chuvas e as marés altas inundavam toda a Vila, destruindo as casas dos pobres pescadores que ficavam sem nada, do pouco que tinham, uma vida de trabalho destruída em segundos, quase sempre havia inundações até ao local onde ainda hoje é o mercado, a praça, como entenderem chamar-lhe, naquele tempo, era aí o terminal das camionetas que iam e vinham, da Trafaria, ou de Cacilhas.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Papaguear cultura 6 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

6

No universo de escrita que construo letra a letra, leitura a leitura, através dos constantes aprendizados e exercícios que me proponho, tudo tem uma razão de existir.

A partir do momento em que ganhei consciência de autor, e consegui descobrir a minha voz literária, tudo passou a fazer sentido e as peças do puzzle, finalmente, começaram a encaixar-se.

Não prescindo de desafiar o meu estro, nem abdico de aprofundar o meu conhecimento sobre muitos temas, porque acredito que o aperfeiçoamento só acontece com estudo e prática continuada – e mesmo isso não é garantia alguma.

E alicerço estas convicções em algumas frases-chave ditas/escritas por gente que sabia, bem mais do que eu, da arte-escriba.

Para não voltar a escrever um texto com pinceladas de concretismo, limito-me a parafrasear o Barão de Montesquieu (filósofo e escritor francês): “É preciso estudar muito para saber um pouco”.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 7) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Sendo humilde! Convivendo com os sem-abrigo, com as famílias mais necessitadas. Descendo até ao seu mundo. Aprofundar as suas necessidades e tentando que uma mão amiga chegue até eles. Mais do que lhes levar o pão, é fazê-los acreditar que estou ali no terreno, não para me armar em salvadora da pátria, mas que se eu consegui, também eles se batalharem poderão ir mais longe e sair da sua “zona de conforto” deles. Que a rua, zona de conforto não tem nada.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Epístolas sem retorno 23 - Emanuel Lomelino

Oscar Wilde
Imagem pinterest

Prezado Oscar,

Nem só as palavras são alvo de más interpretações. O silêncio também o é. E o maior erro que alguém pode cometer, ajuizando o silêncio, é associá-lo à solidão - mesmo havendo quem, com ambos, assim se relacione. Por mais paradoxo que soe, as palavras têm uma ligação mais estreita com a solidão do que o silêncio.

Ao invés das palavras, que moldam pensamentos mas estão sempre prenhes de entorno, isto é, podem ser influenciadas pelas opiniões exteriores, tudo o que advém do silêncio é puro, imaculado, genuíno e sem arestas polidas.

O mundo do silêncio, ao contrário do entendimento generalizado, é o Santo Graal da autorreflexão e do crescimento individual. É no silêncio que nos descobrimos na plenitude do que somos, para o bem e para o mal. É no silêncio que encontramos as verdades mais incómodas e esbarramos na essência dos nossos temores mais pungentes.

Sim, se todos soubessem o quanto as suas palavras são mal interpretadas, haveria muito mais silêncio, no entanto, seria bem mais complicado identificar os que sofrem de solidão crónica.

Reflexivo

Emanuel Lomelino

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Lomelinices 71 - Emanuel Lomelino

Lomelinices 

71

Por mais idiota que pareça, começo a sentir as dores do envelhecimento. Não por, a cada dia que passa, aparecer mais um cabelo branco, tampouco por olhar no espelho e ver mais rugas no rosto, menos ainda por sentir que já não tenho a agilidade suficiente para retirar o dedo antes do impacto do martelo.

Estou a sentir as dores de ser quem sou, dentro de um corpo que envelhece, mas sem a capacidade de acompanhar, serenamente, o ritmo de todas as mudanças.

Sinto as dores de ter-me educado a pensar, a refletir, a ponderar, a analisar todos os ângulos de um problema, tentar arranjar as melhores soluções, aplicá-las e, caso seja necessário, retomar o processo e enveredar por alternativas.

Sinto as dores de não conseguir entender esta urgência modernista de catalogar os fracassos como sinais de caducidade, considerar o ontem obsoleto e não dar espaço ao pensamento livre.

Sinto as dores de não querer seguir em frente sem dar luta à vida. Sinto as dores de não ter a habilidade de simplesmente deixar-me ir na onda. Sinto as dores de não ser capaz de trilhar os caminhos mais fáceis – porque confortáveis.

Sinto todas as dores de envelhecimento porque, além de corpóreo, sou mental e, ao contrário das novas gerações, nunca me limitei a decorar os textos, prefiro compreendê-los e sujar as mãos - de lama ou sangue, não importa – porque, só assim, poderei sentir-me plenamente concretizado, mesmo nos falhanços.

Estou a envelhecer e a sentir todas as dores desta metamorfose.

EMANUEL LOMELINO