domingo, 20 de abril de 2025

Pensamentos literários 21 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

21

Ah, a poesia! Essa meretriz, meiga, terna, despreconceituosa e solícita, que se abre, apaixonadamente, a todo e qualquer entendimento, sem olhar a condições e proveniências, com a necessária dose de lascívia e volúpia para provocar os mais intensos e epifânios orgasmos mentais.

Ah, a poesia! Essa mestre-escola do pensamento universal e multidisciplinar, que filosofa, como um engenhoso e mecânico caleidoscópio holístico, sobre a química geográfica da biologia física (ou transcendente), e arquitecta conceitos éticos e metafísicos para a arte quântica, com precisão matemática, por ser, ela própria, ângulos e vértices da geometria do conhecimento.

Ah, a poesia! Esse paliativo catártico que regula os batimentos cardíacos dos sentidos, eliminando a palidez da existência com as cores mais fulgentes e os brilhos menos ofuscantes.

Ah, a poesia! Esse opiáceo multiforme que, depois de ser injectado nos olhos, corre pelas veias do raciocínio transformando todas as sombras em lucidez vertiginosa e permitindo as viagens mais alucinogénias pelos labirintos da razão, porque tem na sua fórmula estímulos anticoagulantes.

Ah, a poesia! Ah, a poesia!

EMANUEL LOMELINO

Na epístola (excerto 4) - Rose Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Arrebentaram a corda que me tirou o ar.
A existência abduzida de mim fluía num campo magnetizado em volta da cena, ora densa, e noutra, como se desfazendo no espaço, assistindo de perto a si mesma, e tão indiferente aos que ali se aglomeravam de maneira que já não compreendia.
Vagava. Estava só. Parecia não morrer. A sentença se rebelava contra a decisão. Incontrolavelmente tudo se passava como filme.
Meu mundo se fez outro.

EM - ESTAVA ESCRITO - ROSE PEREIRA - IN-FINITA

sábado, 19 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 32 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

32

Deambulando pelos trilhos da irrealidade, onde os céus alaranjados são rasgados pelas asas de criaturas fantásticas, mas nada aladas, as pedras sussurram peregrinações e as flores espirram alergias a cada gota de orvalho.

Os caminhos são percorridos em marcha lenta, quando não em ré, tal como as águas dos rios que fogem das tropelias dos oceanos grávidos e se infiltram nas margens salgadas pelo suor de sargaços em crise de identidade.

As árvores dos pomares têm os ramos entrelaçados e os abelhões de barro esculpem castanhas piladas no coração das trepadeiras para que as formigas de barriga vazia encham o bandulho antes que a orquestra de cigarras, grilos e pirilampos inicie mais uma demonstração psicadélica de artes conjuntas sem fins lucrativos.

Assistindo a toda esta cornucópia de absurdos, como uma criança a olhar um caleidoscópio, está um homem, armado até aos dentes, que se perdeu quando tentava encontrar uma espingardaria para se abastecer de munições a tempo do início da próxima guerra.

EMANUEL LOMELINO

Tudo sob controle (excerto 4) - Daniele Rangel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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O telefone do quarto tocou para anunciar que a caravana familiar chegara. A mãe ainda estava frustrada pela cesárea, usava uma sonda, mexeram nela da cintura para baixo e não sentira nada. Sem nenhuma dignidade e sem controle nenhum do próprio corpo, tentou se convencer de que tudo estava em ordem: cada pingo no seu “i”. Mesmo com alergia, mesmo com sonda, mesmo calada para não dar gases…

EM - TUDO SOB CONTROLE - DANIELE RANGEL - IN-FINITA

sexta-feira, 18 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 31 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

31

Estou cansado das primaveras atrasadas, com flores estéreis e sem cor, espargidas de aromas inodoros. Prescindo dos favos de mel acerados pelas obreiras, sem solas nem décimo terceiro, e dos tijolos de milho prensado pelas ferraduras desenxabidas dos asnos-rei, também conhecidos como vendedores de banha-genérica – porque a banha da cobra já não compensa. 

Não quero mais esperar pelas marés de lua cheia nem pelo rodopio vertical das andorinhas acrobatas, em fins de tarde sem pôr-de-sol. Tampouco me interessam os aprendizes de Fernão Capelo, ou versões “pimba” das fábulas, onde lebres e cágados são personagens isentas de fiabilidade.

Cansei-me de todas as histórias inundadas de lugares-comuns e de oásis com palmeiras virtuosas, dromedários adormecidos, e odaliscas vergadas ao império do silicone. Já não tenho pachorra para evangelizações discursivas e esgotei a paciência nos testemunhos dos criativos de ponto cruz e bombazina.

Até os hálitos de menta e tomilho fumado deixaram de perfumar o ar que respiro, assim que estendi a toalha da fadiga e liguei a ventoinha de incenso.

Abdiquei do estéreo e voltei a mono.

EMANUEL LOMELINO

Na suave cadência das ondas do mar (excerto) - Terezinha Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Enquanto caminhava na praia com a mulher de meus sonhos - prazer tamanho do mar - entranhado no mistério de seus segredos, contei-lhe uma história.
“Era uma vez, anos atrás, um pescador que saía, dia ainda escuro, a buscar o sustento de sua amada. Mar calmo, mar revolto, ventania, tempestade, o homem voltava com o barco cheio de peixes e encontrava a mulher à espera no porto. Juntos, separavam a pesca boa para o dono do barco. Comiam do que restava.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLETÂNEA - IN-FINITA

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 30 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

30

Olho as rugas do espelho e os brilhos solares trespassam a íris cega e irreconhecível, tornando qualquer imagem uma sombra esguia que recusa os holofotes da realidade.

Há minerais baços por detrás de cada bafo gelado e as narinas são crateras que expelem geiseres esquentados na tremedeira involuntária, de um dorso retraído e enrolado sobre si, consequência natural de mais uma morte.

Há um luto dermatológico acompanhado pelas fanfarras, nada jazzísticas, dos acordes doloridos que brotam de cada escara mal cicatrizada. As manchas avermelhadas são mapas temporais dos golpes infligidos ao ritmo da descrença, do desapontamento, do conformismo masoquista e da submissão arbitrária de todos os sentidos.

Não há verde que reanime o âmago nem andorinhas a anunciar uma nova primavera. Há caducidade em todos os poros salinos e um breu que apregoa futuras finitudes.

EMANUEL LOMELINO

quarta-feira, 16 de abril de 2025

Contos que nada contam 40 (Cortar o mal pela raiz) - Emanuel Lomelino

Cortar o mal pela raiz

Farto de ser avaliado pelos hipotéticos feitos que lhe eram imputados, por um extenso leque de catedráticos de cortinado (seres alcoviteiros e com pouco sal nas próprias existências), Genuíno apoderou-se das rédeas da vida e deu-lhe outro rumo, sem importar-se com as reacções que essa decisão suscitaria.

Romper com hábitos adquiridos não foi tarefa fácil, no entanto, ele estava disposto a abdicar, mesmo que temporariamente, de situações que lhe eram prazerosas, consciente de que, por vezes, são necessários sacrifícios para se atingir um bem maior.

Embora nunca tenha expressado o sentimento, essa mudança de postura - mais circunspeta, fechado sobre ele mesmo – revelou-se acertada e trouxe-lhe uma paz de espírito inigualável, que passou a ser imprescindível para manter um elevado nível de serenidade e conforto mental.

Hoje, apesar de ter mais dúvidas do que certezas, Genuíno sente-se um homem seguro, com total domínio sobre a sua vida e, acima de tudo, confortável quando tem de cortar algum mal pela raiz.

EMANUEL LOMELINO

Hedera (excerto) - Susana Veiga Branco

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Amanheceu a gotejar, após uma noite de lua em quarto crescente
e de esperanças. 
Inês abriu a portada mas não lhe chegou.
Descalça, saiu, pisando a pedra e a relva molhada.
Sorvendo tragos de aroma a outono, abriu os braços ao céu, à natureza que sabe também sua.
Um gato cirandava junto a si, ainda com algum orvalho no seu pêlo de veludo.
Os primeiros raios de sol despontavam, trazendo o som do chilrear de pássaros destemidos, saltitando em ramos de árvore, espanejando as suas penas de ar e magia.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLETÂNEA - IN-FINITA

terça-feira, 15 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 29 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

29

Sempre afirmei que o tempo, aonde existo, nunca me pertenceu. O desenquadramento tem-se avolumado com os anos e o acerto desta percepção tem-se entranhado em mim como uma tatuagem interna que me enfraquece, tal qual uma hemorragia crescente.

A cada tique-taque da minha existência, cai-me sobre os ombros o desfasamento entre o que vivo e o que me foi negado pelos mínimos caprichos de um qualquer deus menor, para seu deleite e minha inevitável sina, como fosse um brinquedo nas mãos de uma criança.

Reconhecer esta condicionante tem-me obrigado a reformular constantemente as minhas prioridades, ao ponto de ter prescindido de algumas convicções, em vez de substituí-las por outras mais adequadas a este tempo e à consciência que tenho dele.

Por não haver retorno, ou segunda chance, quero acreditar que o erro supremo foi concretizado na montagem e que algures, noutro espaço temporal paralelo, está alguém tão desenraizado como eu aqui.

EMANUEL LOMELINO

Na epístola (excerto 3) - Rose Pereira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Um sufocamento me inquietava, não sei se confusão mental ou outra coisa qualquer.
E tudo por si retomava, ponderava, flutuava em sobe e desce, percorria no futuro, passado e presente. Por algum momento, tentei abrir os olhos, mas as pálpebras não obedeciam, senti meus cabelos acariciando a face enquanto as pontas tocavam o chão.
Deleitei-me com o calor que ainda sentia do meu pequeno, percebendo a conexão entre nós se dissolvendo, formando um vácuo entre dois corpos, tão pertos e tão distantes, quente e frio, acolhedor naquela viagem sem volta.

EM - ESTAVA ESCRITO - ROSE PEREIRA - IN-FINITA

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 28 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

28

Definitivamente, não vale a pena entrega total, dedicação absoluta, sacrifícios contínuos nem perseverança.

Mais dia, menos dia, de um momento para o outro, com culpa ou sem ela, há desinflação na utilidade e o interesse esbate-se como tinta gasta pelas agruras das estações.

A memória é frágil, oposta ao impulso, e as cortinas do tempo fecham como se tudo fosse um palco vazio após o último acto de uma qualquer peça de teatro em fim de digressão.

Talvez exista um interruptor para acender e apagar as vontades que se julgavam mútuas e, porque nunca o foram, vida que segue. 

As coisas são mesmo assim. Um dia chega a fatura e, das duas uma, paga-se um valor exorbitante pelo simples facto de ser-se ou é-se descartado como farrapos velhos ou embalagens vazias. E não importa reclamar, bater o pé ou contestar. Tudo tem prazo de validade. Inclusive nós.

EMANUEL LOMELINO

Tudo sob controle (excerto 3) - Daniele Rangel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Atrapalhado, atendeu ao pedido da recepcionista. Ao seu lado, a mãe só estava a pensar no porvir. O planejamento servira para se concentrar apenas na dor e curti-la. Quem em sã consciência quer curtir a dor? Essa mãe queria. Como não podia se livrar dela, já que havia planejado um parto normal, humanizado, na banheira, com a sinfonia de Beethoven ao fundo… que pelo menos aproveitasse o momento.

EM - TUDO SOB CONTROLE - DANIELE RANGEL - IN-FINITA

domingo, 13 de abril de 2025

Devaneios sarcásticos 14 - Emanuel Lomelino

Devaneios sarcásticos 

14

Chegará o dia em que o ritmo cardíaco de um beija-flor será uma lembrança nostálgica de um mundo perdido e seremos acometidos pela saudade dos caleidoscópicos colibris e dos afagos gauleses e atrevidos que depositam em cada flor, em troca de néctar açucarado.

Nesse momento seremos alvejados pelos olhares acusadores dos brincos-de-princesa e estrelícias, como fossemos sinónimo de extermínio e a nossa existência significasse apocalipse.

Confrontados com a impossibilidade de redenção, veremos mariposas desfalecer à nossa passagem, as açucenas e os nenúfares vão murchar e as estrelas apagar-se-ão, como carregássemos uma longa e necrófaga foice.

Então, cabisbaixos e corroídos pelo remorso da indiferença, lançar-nos-emos, dos precipícios mais íngremes, numa espiral de lamentos inócuos e falhos, como se esse acto de contricção nos redimisse do egoísmo com que polvilhámos o solo que nos pariu.

Somos a génese do nosso próprio cataclismo.

EMANUEL LOMELINO

sábado, 12 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 27 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

27

Não me impinjam pessoas de utópicas esperanças, grávidas de vertigens fúteis e especializadas em esturjão. Prefiro o cheiro destas páginas – genéricas das tertúlias de Montmartre – que são como geniais pautas de tangos tropeçados nos pátios da Graça, perfumados a arroz de cabidela.

Não me imponham falsas marés de fortuna, com suas ondas de fama adquirida ao preço de vénias heréticas. Prefiro o anonimato sombrio destas salas de papel reciclado, que pululam nas inúmeras Varsóvias lusas que tresandam a tabaco contrabandeado.

Não me poluam com essas histórias imberbes sobre a importância dos lugares-comuns e dos matizes de um arco-íris furtuito. Prefiro a policromia cega da consciência popular que se traduz no linguajar das guitarras harmónicas que decoram as tasquinhas e pedem cálices de ginjinha e sangria.

Não me peçam para ser contranatura e renegar José Régio. A ironia cansada dos meus olhos arrasta-me, com meu consentimento, pelos loucos caminhos da individualidade. E sigo, passo a passo, com o bolso carregado de verdades minhas e algumas de Botto, O’Neill, Ary e Ruy Belo.

EMANUEL LOMELINO

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 26 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

26

Acordo com a melodia cadenciada de chuva tocada a vento, que beija a janela do quarto. Recolho-me no conforto quente dos lençóis de linho e sinto a frescura gélida da mão esquerda que havia-se rebelado, pernoitando no lado externo do edredão. Recuso olhar o relógio.

Oiço o som inconfundível de borracha a deslizar na água, deduzo a passagem de um carro elétrico e a quantidade de precipitação acumulada na estrada. A iluminação da rua permite-me ver a sombra dos ramos, da Tília-de-folhas-grandes ainda despida pelas estações, e a corrida irregular das gotículas que deslizam na janela. Recuso olhar o relógio.

Os sons invernais recuam-me os pensamentos até ao início da adolescência, cerro os olhos, enrolo-me nas dores de meio século, e deixo-me cair num sono modorrento e nostálgico.

Mais um carro que passa. E outro. E outro. E a estridência do despertador mata-me a inocência de um sonho breve, retornando-me à realidade de mais um dia de tormenta – não só climatérica – porque a poesia é fado e infortúnio.

EMANUEL LOMELINO

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 25 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

25

O discernimento vem com a idade e é nesse momento que as epifanias brotam como água em fonte inesgotável.

O trigo já aparece separado do joio; os coxos são mais esguios do que os trapaceiros; as duas faces das moedas são indisfarçavelmente distintas; todos os bois, além de nome próprio, também têm apelido, proveniência e intenções patenteadas; as utopias e os dogmas perdem importância; as sombras esbatem-se; os brilhos deixam de ofuscar; a lucidez é rainha; o medo é bobo; a vida é um fiapo de tempo; a morte é uma inevitabilidade e continua a ser um mistério.

Mas toda esta perspicácia às vezes fere. É uma quase automutilação. Vil, sanguessuga, vampiresca, medonha, assustadora. E dá vontade de saber menos do que na adolescência, ser inconsequente, inanimado, como uma página ingenuamente branca.

EMANUEL LOMELINO

Na epístola (excerto 2) - Rose Pereira

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Antes, porém, preparei para que meu bebê não se desesperasse. Dei a ele medicamentos suficientes para garantir um sono demorado ou, pelo menos, que lhe fizessem acalmar até que fôssemos encontrados. Não pretendia levá-lo comigo. Esbocei um destino melhor na carta de despedida que deixei em cima do balcão da sala.
Meu pequeno, no entanto, atordoado, levantou-se da cama antes do tempo previsto e veio acomodar-se entre o piso e o meu corpo ainda morno. E adormeceu.

EM - ESTAVA ESCRITO - ROSE PEREIRA - IN-FINITA

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Prosas de tédio e fastio 24 - Emanuel Lomelino

Prosas de tédio e fastio 

24

Arrasto-me pelos dias, cada vez mais sombrios, com um saco de incómodos às costas, um cigarro mal prensado nos lábios, e os olhos cegos ao desconforto.

Com os pés treinados nas caminhadas sem rumo, testo a firmeza das cordas bambas, prescindindo de artes circenses para encontrar equilíbrio e estabilidade. Basta-me olhar o vazio para que os passos soem a trotes melodiosos sem lugar a sinfonias orquestradas.

Subo escadas intermináveis pousando apenas os calcanhares para não acordar os calos do dedão, enquanto mantenho as mãos ocupadas a transportar os bisturis que me laceram, como finalistas a praxar caloiros.

Depois, fico horas a deambular entre o conformismo idiota e a revolta silenciosa, como estivesse a preencher puzzles de Sudoku, só para passar o tempo até chegar a altura de recolher-me e purificar-me nas palavras – a única droga que consegue anestesiar-me o âmago.

EMANUEL LOMELINO

Tudo sob controle (excerto 2) - Daniele Rangel

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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É óbvio que ele se levantou. Um tanto contrariado, mas se levantou. Tinha se dado por vencido. A mãe não desistiria. Quando colocava uma coisa na cabeça, não tinha jeito. Foram para o quarto do bebê, a mãe sentou-se na poltrona para fiscalizar o trabalho do pai. Pois é, leitor, se a mãe sofre com as contrações, com os enjoos, com os hormônios… os pais também têm seus sofrimentos. Nesta quase meia-noite, o sofrimento era montar uma banheira.

EM - TUDO SOB CONTROLE - DANIELE RANGEL - IN-FINITA