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Há uma metáfora no abismo que separa o Brasil rico do Brasil pobre,
no mundo de Lara. De um lado residências cercadas, asfalto,
água potável, eletricidade, luxo. Do outro lado bairros com casebres
de chão lamacento sem saneamento básico, esquecimento
e ausência do Estado e, na concepção de Lara, até dos deuses.
Lara tem 26 anos, magérrima, negra, dois filhos pequenos, olhos
arregalados como a perguntar os porquês das diferenças. Sentada
em um banco tosco próximo a um córrego fedorento- esgoto a
céu aberto, com um bebê sonolento no colo, meio a dejetos recolhidos
da reciclagem de lixo, olha para os céus e pergunta para si
mesmo quase num sussurro: - “até quando, pai?”
“O coronavírus não é democrático ele dissemina e mata entre
os pobres”(li isso em algum lugar...). Lavar as mãos com frequência
não é possível para Lara nem para 34 milhões de pessoas (16%
da população brasileira que sequer tem água encanada (SNIS).
Lara abre um armário e constata que só conseguirá cozinhar polenta
(farinha de fubá, água e sal) num fogo entre quatro tijolos
no chão da única peça da casa. Alimento único para aquele dia.
“-Preciso conseguir trabalho”, pensa Lara.
“ Quem atua em serviços ditos essenciais são corpos empobrecidos
de negros ou brancos das periferias que se aglomeram no
transporte coletivo e que, se forem por ventura infectados pelo
vírus não conseguirão ficar em isolamento em suas casas”, falou
um repórter de TV, e os motivos serão muitos. Lara sabe disso.
A ajuda humanitária é esparsa. Lara queria muito entrar no
auxílio emergencial de seiscentos reais que o governo federal dá
aos necessitados e carentes(?) e muito lhe ajudaria na alimentação
dos filhos, mas não conseguiu porque não tem mais CPF nem CI,
documentos perdidos na penúltima enxurrada. “- A Assistência Social
me deu uma cesta básica, no mês passado, mas acabou logo...
a rádio diz que é para ficar em casa em quarentena, mas isso é
fácil pode e tem tudo... até fazem compras pelo celular... Já fui
nos prédios lá de cima pedir comida, mas poucos ajudam, teve
uma que ao invés de me dar um pão, me deu uma máscara, o pai
dos meninos saiu há dois meses e até agora não voltou, talvez o
tenham matado (fazendo o sinal da cruz), mas ele não é ruim,
não rouba, só fuma maconha como a maioria daqui... tenho esperança
que ele volte, mas que volte com comida...”
Lara olha para o céu e estremece, a casa vai inundar novamente
porque é precária, insalubre com um espaço de dois por
dois metros. Lara entende o problema que está acontecendo mas
não compreende a gravidade do vírus e nem da necessidade da
quarentena, já vive isolada do mundo colorido, de brilho e luzes...
o dela é pardo e cinza , o que mais a preocupa não é ficar em quarentena
e sim é ter a casa inundada e não ter o que dar de comer
aos filhos.
Há vários brasiis neste vasto país, o das Laras é de fome, ausência
de vida digna e do mínimo para sobreviver.
Lara pensa no marido: “já era difícil sobreviver quando ele
estava aqui antes da pandemia. Agora é milagre.”
EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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