segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

E nasce a paz em mim - ANA MENDES

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Perdida nos meus pensamentos e desalentos, com a minha taça
de café já frio...
Apreciando esta linda noite de luar, como tantas outras da
minha varanda, percorreu-me um arrepio.
Ao longe ondas mansas se desfazem, acariciando o areal, som
melodioso que faz bem ao moral.
Deste período de confinamento guardo a esperança, que me
traz paz.
Aquele tesouro que nasce depois da incompreensão, da dor, da
revolta e desolação, quem o traz?!
Como pode o mundo despertar a cada manhã e concordar em
carregar tanta tristeza no coração?!
Quanta energia para poder aceitar, que o homem só existe
através do poder, do dinheiro, da glória, abandonando por tudo
isso, algo bem maior?!
Esquece, abandona ou troca o valor da vida simples e pura, por
momentos de prazer sem remorsos ou por segundos de ilusórias
aventuras. Sem perceber que a sua importância no universo, o seu
lugar tornou-se menor...
Um outro ser reduziu o seu espaço, esmagou a sua ambição,
provocou um colapso, proibiu o abraço!
Enquanto agora, a terra acorda e grita de alegria, mais aliviada
a cada dia. Pássaros esvoaçam pelos céus de cores intensas, em liberdade,
já não seguem os traços de aviões apressados de chegar ou
voltar e sem fumaças de cheminés altas ou baixas, como rodapés...
Apenas esvoaçam por prazer e experimentam novas sensações.
Outros animais correm em pradarias ou florestas sem medos.
Mas talvez invente eu um postal efêmero para enviar ao meu
melhor amigo.
O mundo já não é só nosso, agora o devolvemos... foi pelo rei
de coroa sem cavalo, que derrubou tal reino rico, fatal vírus que
nos atormenta e nos coloca em grande perigo.
E se o dia nasce na separação da noite e o horizonte acompanhado
de nuvens ansiosas por libertar sobre o mundo um doce
chover, é a primavera a querer espalhar as suas cores sobre as flores,
o trigo e pomares a crescer.
E a sensação de que o planeta se regenera, se re-identifica, se
reconecta, sem pressa. E eu não sei como agir, como entender esta
mudança... Mas ainda tenho comigo a esperança.
O vento levantou-se de mansinho e o sono fez-se presente, nos
meus olhos um peso que se poisa e pelo corpo uma moleza que o
adormenta e se aconchegou devagarinho. E suspiro agradecendo,
por mais uma noite estrelada e ainda que nesta fase, abençoada.
Ligo o telefone e leio com alegria, uma mensagem de um ente
querido. Desejos de um amanhecer suave, com carinho.
O silêncio enche o espaço e acompanha-me com pudor ao
leito. Sabe ele tão bem o que me vai na alma e no peito.
Hoje houve aplausos e cânticos, ainda que se carregue a dor,
foi por agradecimento e amor aos amigos de farda verde, azul,
vermelha ou branca, em coro e com fervor.
Heróis plastificados, mascarados e prontos para a guerra, sem
taças, medalhas ou louvores.
Acumulando sonos não dormidos, desejos inalcansáveis, saudades
do aconchego e tantos momentos por viver.
As dificuldades tornaram-nos mais criativos, mais desejosos de
tantas coisas, tão simples de as obter outrora e agora tão distantes
e sem liberdades para as exprimir ou escolher.
Talvez amanhã nos possamos reunir, olhar nos olhos, agarrar
mãos e beijar quem nos quiser sentir, unidos... poderemos reviver!
Penso nas máscaras, luvas e fardas, que de brincadeiras inocentes,
se tornaram quotidianamente evidentes. E isso traz-me
as mágoas de tantas vidas em hospitais, ainda pendentes. E oro
por nós.
O sono fecha-me as pálpebras, o calor envolve-me devagar e
assim me deito esperançada, pois a paz nasceu-me na alma, e na
doçura do luar, e por anjos que atravessam o espaço e o tempo,
vão-me até amanhã embalar...

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

 

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