terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Paramos. E depois? - ADRIANA MAYRINCK

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Paramos.
De agredir o meio ambiente. Com as nossas poluições pessoais, industriais e sonoras. Controlamos os nossos impulsos consumistas e percebemos que não precisamos estar todos os dias indo às compras. E que ir àquele restaurante ou passeio, perdeu o significado, enquanto tantos perdem o emprego, passam dificuldades ou lutam pela vida. (Mas o desemprego, a fome, as dificuldades, as doenças não estiveram sempre perto de nós?)
Paramos.
Para perceber o quanto somos covardes e egoístas.
Enquanto profissionais de saúde definham, ultrapassam seus limites, isolam-se de suas famílias para salvar-nos, estamos ainda resistentes em permanecer no sofá. Incomoda-nos passar todas as nossas horas ao lado dos nossos filhos, maridos ou esposas, pais idosos, ou mesmo sozinhos em casa, repensando o nosso mundo. Incomoda-nos a responsabilidade de nos percebermos como parte de um todo, que se chama humanidade.
Paramos.
Assistimos a tudo com distanciamento, como expectadores de um filme que não nos atingirá. E ainda, muitos de nós não conseguem perceber a gravidade dessa situação. O maior sentido disso tudo, o recado da vida. A necessidade de uma mudança de atitudes, de pensamentos, de vivências. Percebermos que nada é mais importante do que a nossa saúde e a de quem nos cerca. O resto torna-se insignificante, diante da dor, da perda, da doença, da imobilidade.
Paramos.
Não é tempo para festas ou férias. É tempo para repensar o mundo. Repensar quem somos, o que fazemos e como podemos contribuir para que nossos netos tenham um lugar digno para viver. Repensar nosso cotidiano, nossa forma de estar, enquanto indivíduos, família, profissionais, seres humanos. Não é tempo para irresponsabilidades, inconsequências ou indiferenças. Precisamos amadurecer, crescer, e somos postos à prova diariamente, com as notícias que nos chegam, de todas as formas.
Paramos.
Será que paramos para olhar para dentro de nós, para os lados? Para além da nossa janela ou dos muros? Será que paramos para lembrar daquele vizinho solitário, daquela família necessitada, daquela criança doente, tão perto de nós? Será que estamos mesmo, no nosso dia a dia, conseguindo mudar a nossa forma de estar? De perceber?
Paramos.
Mas... e depois?
Vamos esquecer os mortos, o desgaste dos governantes, os profissionais de todas as áreas que estão segurando toda essa crise colocando-se em risco para o caos e o desespero não ser instaurado? Vamos esquecer a solidariedade desses dias? Vamos esquecer o Humanismo e sentido de sobrevivência que tomou conta de nós? Vamos esquecer a união fraterna entre países que se ajudam? Vamos esquecer toda essa dor espalhada pelo mundo? Vamos esquecer os pedidos de ajuda? Essa tristeza de ver a vida ameaçada? As ruas desertas?
Vamos voltar a caminhar olhando para o telemóvel, correndo pelas ruas, consumindo o que não pudemos consumir nesses dias de confinamento, fazendo filas nos restaurantes, correndo para as praias, cinemas, concertos, museus, outras cidades, atropelando a vida, porque nos obrigou a parar?
Parei.
Parei para lembrar que estou há 18 dias em casa, e ainda não consegui fazer nada significativo para dizer: contribui, dediquei-me, salvei vidas, ajudei. Apenas fico aqui, assistindo a tudo como se não fosse parte de mim, rezando pela nossa salvação, comovida com as estórias que ouço e vejo, organizando o meu trabalho e olhando para a janela, pensando na praia onde não posso ir, ou no chocolate que tenho que deixar de comer.

Parei para lutar contra o vírus do meu egoísmo, da minha inércia, do meu materialismo, da minha cegueira. Hoje parei para refletir, e fui contagiada por esse sentimento de revolta pela minha insignificância e falta de fraternidade. Acho que dentro de casa presto homenagem aos agentes de saúde, pois sou menos uma, em uma cama do hospital. Que sou patriota ao seguir rigorosamente as determinações do governo. Que ao fazer uma doação online, contribui imensamente para aquele que precisa. Que ao estar otimista mantenho a energia positiva do planeta. Que ao manter o nosso trabalho, somos menos três a pedir ajuda.
E fico lutando para não pensar, nas contas a pagar, nos eventos cancelados, nos livros que se acumulam, enquanto o lutar pela vida é o assunto do dia. E todo o resto parece sem sentido.
Há uma necessidade de me afastar e fugir dessa avalanche de mensagens das redes sociais. E ao mesmo tempo há uma exigência em manter-me ativa, re-criar formas e meios de interacção sem sair de casa, desconstruir antigas crenças e repensar a nova forma de ser, sem estar. Estamos contaminados por esse vírus dos tempos modernos, e é estranho e difícil tentar ignorá-lo ou viver à margem disso tudo.

Paramos.

Entre o ontem e o amanhã, o que está acontecendo nesse intervalo? E quanto tudo isso passar? O que vamos fazer com essa parte da nossa história?

EM - PANDEMIA DE PALAVRAS - COLECTÂNEA - IN-FINITA

2 comentários:

  1. Adriana! Adorei a parte do: em casa, sou um a menos na cama de hospital.
    Trabalhamoss duro o ano inteiro por aqui, por estar em um setor que acelerou na Pandemia. E agora que as férias se aproximam, tudo que mais queríamos era viajar com as crianças um pouco, sair de casa. Mas com estes índices que não param de pipocar, desencorajamos. Daí continuar a criar e produzir no sufoco... Achar uma luz, um ar puro, uma vez mais... Agradecendo pela saúde.

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    Respostas
    1. Grata Daiana, força querida!
      Sinta-se abraçada com solidariedade e admiração!

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