sábado, 26 de fevereiro de 2022

O quadro - ROSALINA VAQUEIRO

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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A conselho dos pais, fugira de um futuro incerto, com o jovem estudante de belas-artes, para uma vida estável, ao lado do promissor colega do pai, dez anos mais velho, que lhe deitava olhares cobiçadores, nas sardinhadas de verão. A paixão gritava-lhe pelas aguarelas do artista, pelos olhos esverdeados, como as sonhadoras paisagens da tela, que lhe transmitiam sonhos de pureza. A seu lado sentia-se Pietá,
Vénus de Milo.
- Isso são fantasias da adolescência. A menina não tem a noção do que poderá sofrer ao lado desse pobretanas. Com o Vítor terá um futuro assegurado. Ele tem uma carreira promissora no hospital. Pode até chegar a director.
Um dia, estava vestida de branco, numa cerimónia cheia de convidados escolhidos pela mãe, com um noivo escolhido pela mãe. Com o tempo perdera de vista as telas, o pintor, os anos, a vida, até o futuro director de hospital, a quem não suportara mais do que uns magros anos de insípida convivência.
Acabara responsável pela galeria de arte de uma amiga. Afinal, rodeada de quadros, que a faziam lembrar a adolescência, mas nenhum como aquele em que ele a pintara sentada sob uma árvore, a ler um livro, de saia rodada e chapéu largo de palhinha, bicicleta encostada, num campo repleto de malmequeres brancos. A amiga pedira-lhe para licitar duas obras, para a galeria. Sentada na sala do leilão, esquecera por um momento, as pessoas que entravam, alguém que se sentara ao seu lado. Divagava ainda, quando viu o quadro. Não é possível! Uma paisagem doce num campo de malmequeres! Deu um salto na cadeira. Ninguém poderia levar aquele quadro! Aquele não! Por favor! Aquele não! Não ouvia os números. Levantou o braço, toda a sua alma se ergueu e licitou o quadro. O martelo bateu e só depois se apercebeu da exorbitante quantia. Que fiz eu? E o que iria dizer à amiga? Aflita, queria anular a licitação. Alguém, em quem não reparara bem, mas que não lhe parecera completamente estranho, licitou o quadro, pagou o valor e mandou que lho entregassem. Quis saber quem era o homem do gesto estranhamente nobre, que saíra da sala. Ficou petrificada com a resposta: O único que poderia fazê-lo com facilidade – o autor.

EM - ECOS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA 

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