domingo, 27 de fevereiro de 2022

Um certo deserto de Tepântar (excerto) - TEREZINHA PEREIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Ah! Como me lembro... Dona Amélia!
Durante dois anos dona Amélia foi minha professora no primário. Não era eu muito pequena. Nove, dez anos de idade. Porém, nunca havia brincado na praia. Ficava a imaginar como seria o mar com seu dorso altivo, sacudindo a espuma branca para um sereno céu.
Com um entusiasmo de donzela de seus cinquenta anos - ou mais, ou menos - dona Amélia, transfigurada, rosto liso aureolado de branco, dizia os últimos versos de Casimiro de Abreu: “É maior do que o mar que nós tememos, mais forte que o tufão! Meu filho, é - Deus.” Dentro da sala de aula o silêncio se fazia único. Passavam-se alguns minutos para se ouvir qualquer murmúrio. Naquele silêncio, eu ficava a imaginar o mar. O mar, esse eu podia imaginar. Já havia visto gravuras do mar em revistas, em livros de Geografia, de História. Mas, Deus... um ser que nós não vemos? A cada dia, após as orações, algum aluno pedia para ela recitar mais uma vez a poesia de Deus. Deus. Mar. Grandezas. Como me lembro, dona Amélia!
Numa aula de sexta-feira, dona Amélia chegou com o seu “globo terrestre”. Uma esfera de metal bem maior do que uma bola de futebol, pesada, que girava ao redor de um eixo preso num suporte de ferro. Ferrugem nos polos denotava que o globo já vinha de muito uso. Nesse dia, ao ver o globo, aluno nenhum pediu à professora que repetisse a declamação da poesia Deus. Previam novidade. Em poucos minutos os deveres estavam corrigidos, os cadernos guardados debaixo da carteira, os alunos prontos para mais uma viagem pelo mundo. Dona Amélia relembrou o engano que acabou causando a descoberta do Brasil para mostrar no globo onde ficavam “as Índias”. Índia: um país grande demais, populoso demais, distante demais. Mostrou onde ficava a capital, falou sobre o sagrado rio Ganges e nos fez chegar a Calcutá, dizendo que lá havia nascido Tagore. Rabindranath Tagore. Um nome que soou estranho. Interessados, os alunos foram se adentrando na nova aventura. Daquela vez, pra lá do Atlântico, pra lá da Europa. Tagore, poeta, jornalista, educador, filósofo ganhador de Prêmio Nobel de Literatura, ela foi dizendo tudo. “Apesar de haver nascido e morrido em Calcutá, Tagore havia viajado pela Europa.

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