terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

A garota de chapéu – REJANE LUCI SILVA DA COSTA KNOTH

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Cidinha adorava chapéus. Admirava todos que via, apreciava quem usava e sonhava ter um. Realizar seu desejo era difícil, pois dependia da mãe, uma faxineira que usava o salário pra o sustento da família e pra as despesas da casa.

            Antes de concluir o Ensino Médio, Cidinha arranjou um emprego de meio período numa farmácia; quando recebeu o primeiro pagamento, comprou um chapéu  floppy, ele era rosa, branco e preto.

No outro dia, foi trabalhar de chapéu. Lépida, fagueira, sentindo-se linda, lá foi ela. Ao sair de casa, a vizinha perguntou admirada se ela ia trabalhar de chapéu. A menina respondeu que sim. Quando entrou na farmácia:

─ Por que tá com esse chapéu na cabeça?

Cidinha pensou: “Nem respondeu meu boa tarde”.

Ao passar pelo caixa, ouviu um comentário irônico:

─ De chapéu?! Esquisito! Nem lhe reconheci...

No dia seguinte, foi à escola com o adereço. Os questionamentos se iniciaram: “Por que você tá de chapéu? Vai à praia?” “ Não tá  sol!” “Não tá chovendo!” A alguns, Cidinha respondia: “Eu gosto”. A outros, fazia de conta que não os escutava: “Ela tem vergonha do cabelo.” “Será que essa jovem é de esquerda ou de direita?

Aqueles maldosos, faziam interpretações: “Essa menina tem alguma ferida na cabeça.” “Ela tem problema na pele” “Coitada, tá fazendo químio, o cabelo tá caindo!”

Já em casa, todos respeitavam seu estilo. Num domingo, foram à igreja, a garota de chapéu foi sem chapéu: “Que milagre!” “Era só o que faltava, assistir à pregação usando chapéu!” “Seria um absurdo!”

Certo dia, Cidinha amanheceu doente, não foi à escola nem trabalhar por dois dias. Outra vez, seu irmão, se envolveu numa briga, levou uma facada, ficou internado. Cidinha ficou três dias sem ir à escola, sem trabalhar. Veio a pandemia de 2019, sua mãe teve COVID, a família foi orientada a ficar confinada em casa por quinze dias.

Ao voltar aos afazeres após esses eventos, as pessoas continuavam a comentar sobre o chapéu. Então, entendeu que usar chapéu incomodava. Por que tanta inquietação acerca da aparência de alguém?

Assim, a jovem concluiu que as pessoas não se importavam com seus sentimentos. Queriam apenas criticar seu estilo. Será que um acessório altera a personalidade, muda o caráter de alguém?

A garota, então, resolveu que utilizaria chapéu onde e quando quisesse. Quis e usou um maravilhoso quando a mãe recebeu o certificado do Curso de Gastronomia, um grande quando um irmão se casou, um colorido quando o outro irmão concluiu o Ensino Médio.

Cidinha desfilou com um deslumbrante chapéu na sua formatura em Administração pela UFRJ; colocou um lindo na festa de inauguração do seu primeiro estabelecimento comercial que viria, mais tarde, se tornar uma rede de lojas, que vendia... chapéus, é claro!

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