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Tinha medo de me tornar mãe de menina. A ausência de proteção
e confiança, imprescindíveis na infância, me fez acreditar na
incapacidade de resguardar uma vida desde o nascimento, principalmente
se acaso gerasse em mim um ser feminino.
De toda forma, os seios lambuzados pelas lembranças, definitivamente
não alimentariam este pecado. E no conflito entre ser
mãe, não desejar ter filhas, doente de alma, suplicante de fé, meu
ventre germinou.
Nasceu meu primeiro menino, conforme anunciado em sonho
poucos meses antes: no castelo, erguido sobre nuvens no céu, um
jovem arrumava o cabelo em frente a um espelho. Vestia uma
túnica preta e trazia consigo o livro sagrado. Virou-se, abriu as
portas duplas da entrada, um caminho de luz direcionava seus
passos... e eu ali, admirada, sem conseguir ver seu rosto e sem que
ele notasse minha presença. Sumiu em meio a abóbada celeste.
Vaguei na muralha de pedra, sentindo as contrações daqueles instantes,
e de repente, uma senhora apareceu e me disse: “É Gabriel!
É Gabriel.”
Ele cresceu como um verdadeiro anjo, cercado dos cuidados
que minha pouca maturidade soube conferir. A luz, contudo, o
guiou sempre e fez dele um bom filho, um profissional atencioso,
um esposo dedicado, um pai amoroso, um cristão a serviço de
Deus.
A segunda gestação veio quinze anos depois. Meu subconsciente
ainda afirmava os mesmos medos. Que fosse saudável, mas
que não fosse menina! Não consentir que outro feminino sofresse
as mazelas da vida, se tornou um comprometimento moral,
e minha culpa aliviava somente depois do nascimento. Então,
Guilherme nasceu.
EM - MÃES - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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