terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Papaguear cultura 5 - Emanuel Lomelino

Papaguear cultura 

5

Mesmo sendo uma era de pedra e osso, a história fazia-se, entre peregrinações instintivas e paragens para sustento. Também havia espaço para registos toscos do dia-a-dia, em tons quentes, porque únicos, mas ninguém grunhia opinião.

Salto no tempo…

Da necessidade fez-se luz e o progresso gerou conforto e ideias novas. A paleta de cores, agora alargada aos tons frios e neutros, já originava comentários, mas, acima de tudo, justificava erudição elitista, porque religiosa e abastada.

Salto no tempo…

A evolução contínua quebrou algumas barreiras invisíveis, substituindo-as por outras - nem melhores nem piores, apenas outras. O arco-íris, com as suas tonalidades e outras que são meios-termos, universalizou-se e ramificou-se, dando origem a múltiplas referências. Nasceu a crítica, o contraponto e os opostos assumidos, mas nada entendido como mais sério que o momento.

Salto no tempo…

Hoje, como em tempos idos, a história constrói-se e desvaloriza-se a arte. No entanto, são poucos aqueles que entendem que só sabemos sobre o passado porque os ociosos gravadores primitivos, os escrivães medievais e os revolucionários aristocratas oitocentistas – para falar apenas nestes – deixaram as referências artísticas fundamentais para a compreensão dos seus quotidianos.

Quer se queira, quer não, o mundo só conhece a sua história porque nos legaram arte rupestre, literatura científica, ensaios, crónicas, poesia e ficções.

Por muito que resistam, a verdade é só uma: não fosse a arte de cada tempo jamais saberíamos nomear os estágios do passado que nos conduziu até este nosso tempo.

EMANUEL LOMELINO

Prisioneira em liberdade (excerto 7) - Maria Antonieta Oliveira

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

No esconso da escada dessa farmácia, era onde existia o médico mais económico, que consultava amenina e já sabia toda a história da sua saúde, por vezes, aconselhava a mãe a sair mais de casa, a criança precisava de apanhar ar, mas a mãe não tinha tempo, a costura, por um lado, felizmente, era demais e o tempo escasseava. O consultório era mesmo por debaixo do espaço ocupado pela farmácia. Outros tempos, não havia ASAE nem outras que tais.

EM - PRISIONEIRA EM LIBERDADE - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - IN-FINITA

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Pensamentos literários 6 - Emanuel Lomelino

Pensamentos literários 

6

Cada vez mais, escrever é como caminhar num trapézio sem rede. Por mais confortável que o autor se sinta, na execução do seu ofício, está sempre sujeito ao desequilíbrio e, consequentemente, à queda. Mais ainda quando o público é composto por gente munida de atenção qualificada e pronta para apontar os desacertos alheios. Sendo mais vulgar que a assistência seja formada apenas pelos opinadores de ocasião - aqueles que dão palpites sobre tudo, sem terem ideia de nada.

Quem escreve deve ter consciência de que, ao mínimo deslize, seja de que natureza for, haverá sempre alguém predisposto à crítica, qual corrector automático infalível, sem pretensão maior que não seja ridicularizar o próximo – neste caso o autor.

Poucos são aqueles que criticam por opinião divergente, mas fundamentada, ou na intensão de proporcionar um debate construtivo. Creio, aliás, que essa espécie deixou de existir há muito tempo.

Também perigosos, para quem escreve, são os observadores de cortinado (camuflados), sempre em pulgas para descontextualizar uma ou outra frase, de modo a, no mínimo, comprometer a índole de um pensamento e dar conotação negativa a uma narrativa, como quem procura nódoas em lençóis imaculados.

O mais grave de tudo é o facto de a grande maioria dos autores contemporâneos deixar-se intimidar, por esta corja de críticos de pacotilha, e limitar-se a escrever banalidades consensuais, fugindo assim à responsabilidade inerente ao ofício da escrita: desafiar, provocar, revolucionar, chocar e instigar a reflexão.

EMANUEL LOMELINO

A dúvida (excerto 1) - Zélia Alves

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Joana percebeu o desvario da mãe e como tal nada respondeu, mas aquilo no fundo doeu bastante. Estava a exercer enfermagem há cerca de um ano. Tinha feito a licenciatura em Coimbra e depois da partida do padrasto, a coabitação com a mãe estava a tornar-se cada vez mais difícil. Foi então que decidiu tirar um mês de férias e procurar casa em Coimbra, tendo pedido transferência para o Hospital dos Covões. Talvez não devesse deixar a mãe e a irmã naquele momento, mas a relação de ambas que nunca tinha sido fácil, tornara-se insuportável. Além do mais, a mãe tinha a outra filha. Célia, a meia irmã de Joana. “Essa sim! É a filha querida da mãe”. − Ia pensando Joana.

EM - A DÚVIDA - ZÉLIA ALVES - IN-FINITA

domingo, 1 de dezembro de 2024

Devaneios sarcásticos 3 - Emanuel Lomelino

Imagem retirada da internet

Devaneios sarcásticos 

3

Pensar os nossos dias é, mais do que um exercício de decifração de comportamentos, um calvário emocional – esgotante, inócuo e sem sentido – tantas são as incongruências, desvios e variantes surreais (para não dizer idiotas).

Por mais que tente dissertar nesta temática, os pensamentos saem-me mais absurdos do que usar barbatanas na Serra da Estrela; esvaziar piscinas com vassouras; ou fazer a maratona de costas e colocar caril em pudim de leite.

Por mais teorias físicas ou gramaticais que encontre, nenhuma tem aplicação lógica na inversão de polaridades e sinergias apáticas que grassam neste tempo, preocupantemente disforme.

Por mais que insista em encontrar uma hipótese filosófica da modernidade, acabo sempre por ser inundado pelo ócio sem conseguir escrever umas quantas linhas a respeito.

Então, nas vésperas da loucura, sacudo a cabeça, louvo a minha laicidade e besunto o corpo com álcool para confirmar a existência de matéria corpórea.

No que concerne à racionalidade… apenas descubro que até eu a perdi.

EMANUEL LOMELINO