Agradecemos à autora SANDRA RAMOS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Poesia, prosa ou conto, porquê?
Poesia, prosa ou conto… “escrever” num
grito endurecido pela vida através de um eco surdo que se faz ouvir na alma de
quem ama a escrita e se deixa embalar pelo cognitivo. Um artista que vive a sua
Arte na leveza e convicção da entrega, em que as palavras voam/dançam entre si
e contam histórias, que quando lidas…tornam-se memórias.
2 - Quase um ano de pandemia, o que mudou na sua
rotina, enquanto autora?
Vesti-me de palavras corajosas quando
o coração desvaneceu. Quando quis abrir a porta em direção ao Mundo e entendi
que a batalha contra o inimigo volátil não o permitia, apanhei flores, corri e
saltei de mãos dadas com a minha única Filha e…aprendi a ser Feliz na Liberdade
resgatada, na enfermidade e na ausência dos afetos. Durante esse tempo, após um
dia de trabalho e concluídas as rotinas diárias, fui esvaziando – pouco a pouco
– as gavetas da minha Alma. O tempo, essa entidade soberana, fez-me ver que
havia chegado o momento de esvaziar a gaveta da melancolia e que a minha
renovação interior era premente. E…renovei-me, aprendi a ser o meu próprio
refúgio e libertei-me da clausura que me perseguia enrolada numa corda de aço.
Foram meses de introspeção que me
fizeram voar, ganhei coragem e disse ao Mundo o que sentia na Alma; e sem medos
deixei-me assoberbar pelo nascimento da minha escrita e do meu primeiro filho
literário publicado em outubro de 2020: “Memórias de um Tempo Enfermo e
Infinito: Diário Epidémico”.
O chão tremeu várias vezes sem conta e
– enquanto autora – descobri-me e não padeci!
3 - O que tem feito para manter-se produtiva e dar continuidade
aos projectos em tempos tão restritos?
Vivemos num mundo disfórico onde se
aplaude sem o retorno que esperamos, por isso vou bebendo cada gota do meu
antídoto, escrevo diariamente – um subterfúgio que me acompanha desde março de
2020 – e, sigo o caudal das coletâneas e das revistas que recebem o meu dizer
de braços abertos.
Há-que reinventar, apesar da porta
continuar fechada, “bater” com a nossa sombra em pequenos projetos num preparo
meticuloso que nos fará abrir essa porta – por agora ainda fechada – recheados
de uma panóplia de experiências e de seres humanos no nosso coração.
4 - Pontos positivos e negativos na sua trajetória na escrita.
Sou uma autora solitária embrulhada em
sonhos. Arranco do meu peito a criatividade e, humildemente, enalteço-a com a
doçura do meu sentir.
A escrita, para mim, é um amor
infinito e incondicional, ladeado pelo ganho da emoção e da partilha.
É-me de todo insólito identificar
pontos negativos, uma vez que vejo a minha escrita como a libertação ambígua da
minha alma ferida, fustigada e adormecida!
É um vestir do despido de sensações
sulcadas pela água do meu peito e afortunado(a) quem o faz sem cobranças, sem
esperar por um retorno que possa nem sequer chegar.
5 - O que pensa sobre essa nova forma de estar, onde
tantas pessoas começaram a utilizar LIVES e VÍDEOS para promover suas
atividades?
Flui a sabedoria na capacidade em nos reinventarmos.
É uma luta afincada pelo que se ama fazer e uma inquietude no amor à Arte.
Há-que nos munirmos dos recursos
tecnológicos na condução do leme do nosso “barco”, “dobrar” o Cabo das
Tormentas e… dar voz às nossas atividades silenciosas, por agora.
Perderam-se os convívios culturais,
mas ganharam-se recursos de divulgação expedidos e de uma agilidade atroz; face
à realidade atual.
No entanto, a meu ver, é uma
ferramenta de recurso que em nada substituiu o que um “olhar” diz sem falar, um
toque que se dá e a visibilidade de gestos acolhidos na plenitude do que é
partilhado “in loco”.
6 - Acredita que o virtual, veio ocupar um espaço permanente,
sobrepondo-se aos encontros literários presenciais, pós pandemia?
Não de todo! Somos lagartas que anseiam
a liberdade, um abraço, um beijo. A provação põe-nos à prova, numa reflexão
profunda da qual aprendemos a aceitar o que a vida nos oferta. Somos baús de
memórias fechados que anseiam seguir pela avenida dos afetos numa inquietude
desmesurada, numa vontade severa de beber!
Urge acreditar! O tempo coloca TUDO no
lugar, após a tempestade e – é assim – que devemos viver!
7 - Se pudesse mudar um acontecimento em sua vida
literária, qual seria?
“O
mundo é um espelho – o que sentimos por dentro, recebemos do lado de fora”,
Andrew Matthews”
Acredito que os ditames da minha Alma
fazem-me viver com uma vontade majestosa em vencer através da honestidade,
verdade, amor, cumplicidade e coerência.
É premente ouvirmos o nosso interior,
cavalgar sem temor em busca do que nos realiza num confronto quase permanente
que insiste em nos derrubar. Os “erros” espelhados são orquestras que tocam,
que nos aceitam e nos ensinam a trilhar o caminho.
E é nesta grandeza, nesta capacidade
em abraçar os catalisadores que nos derrubam; que erguemos e só assim flui o
crescimento pessoal e a sabedoria no reencontro da bússola certeira.
O Mundo, esse espelho; mostra-nos o
quanto somos reais, devolve-nos a força e no planar da batalha conquistada,
desaguamos na libertação das nossas amarras e aprendemos…vezes sem fim…
Nada mudaria… tudo é um todo, cada
pedaço, cada meia metade de Nada, cada copo cheio de tudo…uma panóplia de
aprendizagens que não são mais do que o caminho até chegarmos a outra parte de
Nós…a Mim.
8 - Indique-nos um livro que lhe inspirou
Aprecio solenemente Sophia de Mello Breyner que me ensina tanto
nos seus “manuscritos”. Acredito – tal como Sophia – que somos poema que flutua
nas estrelas abrasadas, fonte de vocábulos meticulosamente ordenados…amante
confessada da Liberdade e do Mar, do Tempo e da Natureza.
Florbela
Espanca, uma Mulher
menina, astuta e de mente sofrida; refém da procura incessante de si,
desnorteada na bússola da vida, temida, rasgada e agredida e incessante na
busca de apego. " E é amar-te assim perdidamente...!" Não sei amar de
outra maneira, só da Tua, Florbela!
Miguel Torga, insubmisso e irreverente, Miguel
Cervantes da literatura ocidental, Miguel de Unamuno do existencialismo
cristão, homem, escritor, poeta da alma e do coração.
Fernando Pessoa, Caeiro – um homem da Natureza -, Reis – excelso, profundo ao serviço da ciência e da solidariedade, - Campos -, sensacionalista-mor que afinca que é um fingidor da dor que não sente. Escritor (as)simétrico de atitudes, (in)tangível no abismo das palavras e ardor do nosso olhar encoberto.
Inspiro-me no legado deixado por estes escritores, saboreio a gramática solta: aprendo a amar como Sophia no começo das gotas de Andrade, sou alma, sangue e vida em mim como Florbela e…amo como o amor ama, já dizia Pessoa..., por entre o vendaval, forte como uma leoa..., sem receios, sem esbater!...
9 - Quem é Sandra Ramos no reflexo do espelho ?
Sou alguém… alguém que ama escrever. Resgato os meus
“ais” e coso os meus remendos. Sou lombada de lágrimas e sorrisos, e- por favor
- não me procurem no barulho, porque vivo no meu silêncio, no odor da maresia,
no terno colo da minha Poesia.
10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como
responderia?
“O Amor é fogo que arde sem se ver”? (Luís Vaz de Camões)
Inalação perfumada numa prece sagrada,
ambiguidade de palavras soltas sentidas na clausura da
in(satisfação),
dor indolor proclamada em poemas ambíguos.
Combustão queimante fustigada!
Fogo ardente esvoaçante no vento cortante,
cinzas jogadas ao Mar ou à Sarjeta...!
Dói... na certeza da entrega sincera embutida no
abraço único.
Peça do jogo inoperante resgatado em regras próprias e
exigíveis...!
Sem se anunciar...abarca a solidez vertical do que é
racional,
cicatriza dores e tatua - sem licença- tecidos de
cetim altivos numa beleza sublime.
É éter, gás invisível na visibilidade do enlace.
Acolhedor e sôfrego sentimento, com vontade
própria...!
É este o Amor proclamado pelos trovadores?
Entidade divina soberana/vencedora inscrita na Alma de
quem Ama...!
Amor não é fogo...!
Amor é escrita (in)sensata no tempo dos amantes...!
Não arde...!
Aquece o adormecer dos sulcos da Entrega...!
Vê-se...!
Sentimento transparente que acolhe corpos férteis no
entardecer da dormência da Entrega!
Amor é .... a escrita (fogo) que acolhe (arde) a
entrega visível de quem sabe amar (sem se ver, sem saber)!
BIOGRAFIA
Sandra Ramos, nascida em Alcochete em maio de 1976. Vive desde os seus 27 anos na Charneca da Caparica. Concluiu o Curso de Engenharia Química na Faculdade de Ciências e Tecnologia (da Universidade Nova de Lisboa) em 1999, tendo ingressado nesse mesmo ano, no Instituto Português da Qualidade na área da Metrologia (ciência da medição) e em 2006 concluiu o mestrado em Gestão da Qualidade (em regime pós-laboral). Trabalhou numa empresa de Consultoria na área da gestão e da qualidade e ingressou em 2007 como Gestora da Qualidade no Laboratório de Análises de Dopagem do atual Instituto Português do Desporto e Juventude. Atualmente exerce funções de gestora da qualidade num departamento do Infarmed e foi – recentemente - nomeada uma das embaixatrizes para a implementação da Conciliação entre a vida profissional, familiar e pessoal. Está a frequentar o Doutoramento em Gestão Industrial. Em abril do ano de 2020, abriu uma página de autora onde publica diariamente poesia e prosa poética. Participa regularmente na publicação de poemas num blogue e atualmente é uma das cronistas (da equipa HeliCayenne) da revista Helicayenne Magazine. Foi desafiada a publicar o 1.º livro “Memórias de um Tempo Enfermo e Infinito: Diário Epidémico” (em outubro de 2020) com a chancela da Chiado Editora, uma súmula de textos e poemas escritos durante a pandemia (de março a agosto de 2020). Tem vindo, também, a participar em algumas coletâneas de poesia desde abril de 2020. O que mais ama fazer? Escrever, partilhar com os demais o que sente e contemplar a perfeita união de vogais e consoantes, decifradas em sentimentos íntimos e adornadas em mensagens de purpurinas. Ama a sua Filha (“Voa-Voa”, razão do seu Viver), a Poesia (o seu refúgio, a sua melhor amiga) e a Gestão da Qualidade (o seu 1.º amor).
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