sábado, 13 de agosto de 2022

Olhares de encontro (excerto) - RITA QUEIROZ

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Todos os dias ela olha para as cicatrizes. Desliza as mãos, sente as nervuras, os relevos altos e baixos, as profundas filigranas.
Todos os dias, olha-se no espelho e busca a menina sonhadora, a atleta de ponta, a bailarina inventiva, a musa das aquarelas nuas.
Todos os dias, vê a vida usurpada por aquelas mãos, aqueles olhos, aqueles gritos que a assustam.
Todos os dias, olha para as crias, sente remorsos, se desespera, mas naqueles olhinhos que a fitam, está a esperança de virar o jogo, de vencer as batalhas, de rodopiar como a primeira bailarina.
Um dia, criou coragem e foi à luta. Denunciou os maus tratos, a vilipendia, a arrogância, a intolerância, a violência moral e física. Não foi fácil. Mas era preciso virar o jogo, ser dona das próprias rédeas, dar um basta nos absurdos.
Carregou as crias, mudou de cidade, refez a vida. Deixou para trás uma vida de aparências, de enganos. Para quem não vivia o seu drama, tinha uma vida perfeita. Morava em uma bela casa, confortável, com todos os bens materiais indispensáveis. Mas sobravam ali muitos dejetos, emergidos dos esgotos daquele ser ignóbil.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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