quarta-feira, 29 de junho de 2022

Fiquei sem chão (excerto) - CLAUDIA VALENTINI

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Fiquei sem chão. Sem espaço. Sem fala. Aliás, fiquei sem nada. Fui abortada ao mundo, sem teto, sem paredes, sem portas, nem janelas. Nua. Exposta. Vulnerável. Órfã, isso é o que sou, literalmente.
Sinto falta da tua voz dizendo meu nome em castelhano ou simplesmente ouvir você dizer “hija”... Queria tocar tuas pequenas mãos e sentir os sulcos talhados de tanta vida. Olhar teus olhos esverdeados, alegres, curiosos e que sempre permaneciam esperançosos; embora as tempestades e tanto sal derramado por eles, quando também te vi definhar na dor da perda.
Ver você caminhando pela casa, com aquele chinelo azul, o “plac plac” na cozinha entre resmungos de açucareiro sem açúcar ou a vontade de comer “algo” como você dizia... Ao ponto de querer fazer tudo, porque poderia estar velha, mas tinha força para muito tempo ainda!
Não tinha assunto perdido em nenhuma das tuas mansas falas, se bem teve tempo que ignorava algumas, sempre soube que cada palavra era legítima e verdadeira. “Não se faz o mal querendo o bem”... Hoje essa é a minha oração.
Você não foi uma mulher comum, dessas que dependem, que abaixam a cabeça, que se contentam com pouco. Muito menos foi uma mulher entregue aos dissabores, sempre foi valente, corajosa e enfrentava o que fosse. Uma que outra vez, escutava você dizer que os guerreiros também descansam e que “a gente não tinha patrão”... Era você e eu “com as bênçãos e permissão de Deus”.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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