terça-feira, 19 de abril de 2022

O menino que não ria (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
Conheçam a In-Finita neste link

Chegava à porta, assomava o rosto dócil ao postigo, pedia autorização com o olhar e ali ficava, olhar meigo, algo triste e ausente, olhando para as mãos, agulhas, linhas, roupas e parava no sorriso que o acolhia, como se já o esperasse.
– Olá! Bom-dia! - saudava-o uma voz amiga que já se habituara ao som pouco audível da resposta, numa fuga envergonhada do olhar.
– Bom-dia, dona Natércia!...
E a azáfama que dava vida ao que vida dava a quem as vestia, prosseguia durante algum tempo sem que os intervenientes alterassem o ritmo dos seus gestos. A costureira acelerava a faina, para que mais breve recebesse o valor pré-acordado com a cliente e o menino era personagem de histórias que a senhora conhecia dele e das razões que faziam dele aquele menino tão parado, frágil e quase assustado, mas doce, educado e paciente.
– Então, não vais brincar? – despertava-o aquela voz serena e gentil de mundos e fantasias que apenas ele poderia deles falar. Mas a sua boca apenas se abria para dizer algo que a dona Natércia dificilmente ouvia e concluía que a resposta seria negativa.
Entretanto, enxurrada atrás de enxurrada, grossas gotas de alegria e de liberdade franca passavam-lhe nas costas, rua abaixo, rua acima, e ele voltava-se de frente para o murmurejar irrequieto da miudagem que pontualmente o convidava e incitava a fazer parte da louca felicidade sem peias.
– Olá, “tara” linda! - chegava até ele a voz inconfundível e divertida da única filha da costureira, oriunda dos fundos escuros da casa que ele imaginava sem fim.

EM - CONTOS E CRÓNICAS (IN)TEMPORAIS - VÍTOR COSTEIRA - IN-FINITA

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso