quarta-feira, 9 de março de 2022

A ousadia de sonhar (excerto) - VÍTOR COSTEIRA

LIVRO GENTILMENTE CEDIDO POR IN-FINITA
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Digamos, talvez injustamente, que ele não tinha nascido para sonhar muito para além da árvore-mãe. Até a sua fronteira temporal era muito mais ampla do que os limites espaciais. À sua volta, encontrava muitos elementos da família que se tinham limitado a serem quem se esperava que fossem. E assim já estavam, resignados, pele rija e rugosa, definhados, olhando cada vez menos longe e aquietando-se no conforto do conhecido, na segurança que a falta de ousadia tinha enraizado na sua pernada.
No entanto, talvez para contrariar o relato deste pobre, mas atento, escrevinhador ou, mais acertadamente, porque assim mesmo se passava, ao longo da vida de muitos dos que com ele dividiam o seu dia-a-dia, a vontade da descoberta, da coragem, da ousadia, da loucura, levava a que a tentação do momento (in)certo acontecesse.
Contudo, o tempo (ah, de novo e sempre o tempo…), não parava nem esperava pelo golpe audaz, e o sonho adormecia, envelhecia, enfraquecendo e fenecendo, na dolorosa implosão da renúncia à diferença. “Por que razão teria que haver algo mais, para além do que nós já temos e somos, se sempre assim tem sido com todos quantos aqui já nasceram?”. E, com este pensamento pré-determinista, tão duro quanto acre, tão ácido quanto o seu pH 2.17 indica, assim volatilizavam os dias, vendo tombar uns quantos, no êxtase da bonomia ou, distraídos pela rotina do gesto, observando outros serem escolhidos pela mão do destino, para uma função que nenhum deles sabia ao certo qual, nem com essa dúvida se permitiam inquietar o seu viver.

EM - CONTOS E CRÓNICAS (IN)TEMPORAIS - VÍTOR COSTEIRA - IN-FINITA

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