Podia estar confortável, mas não
estava. A tensão bloqueava-me as pernas, as costas e aquele som fino que fazia
perto do meu ouvido deixava-me os pêlos eriçados.
Já não podia sair dali, não havia volta
a dar. A cada movimento que acontecia fora e dentro de mim eu agarrava com mais
força a mão que me amparava, confiando que tudo iria correr bem.
Fechei os olhos e tentei perceber onde
estava o meu coração, se já tinha descido da garganta para o peito. Conseguia
ouvir o seu bater num ritmo mais controlado, constante, semelhante ao som da
velocidade cíclica do motor.
A minha cabeça estava a ficar pesada,
os sentidos adormecidos, a boca seca… Nesse estado, viajei pelos recantos da
minha memória tentando encontrar cenários semelhantes, onde tudo tinha corrido
bem. Estava a imaginar a minha história naquele momento, como ela se poderia desenrolar,
os planos que a mente me apresentava para eu escolher, entre o medo e a
aceitação de que embora quisesse controlar aquela parte de mim, nada poderia
fazer! Por breves instantes deixei-me ali estar, consciente do medo que sentia.
As gotículas de água e saliva projectadas
na minha face, faziam-me passar da consciência exterior para o meu mundo
interior, observando a língua pálida e mole que deixava cada gotícula de água
escorrer, lentamente, até ser engolida ou removida por aquele objecto que
entrava pelos meus lábios abertos.
Em desamparo, doei-me àquele momento,
confiando as minhas entranhas ao que sentia lá tocar, não pensando em mais
nada, deixei os meus sentidos embalarem-se novamente pela velocidade rasgada e
penetrante do instrumento que a mão dele possuía. Sem me dar conta, adormeci.
Quando abri os olhos, ofuscada pela luz que vinha da lâmpada da cadeira do Dentista e sentindo que aquele som desaparecera, percebi que a consulta tinha terminado!
EM - VERSO & PROSA - COLECTÃNEA - IN-FINITA
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