Ainda
deitada em cima daquele colchão rijo que mal protegia os meus ossos da dureza
do metal da maca, e já refeita das dores a minha paz interior regressou bem
como a alegria. Mentalmente revia a minha alimentação das últimas horas e por mais
que pensasse não encontrava nada que me pudesse ter feito mal, mas algures
certamente alguma contaminação cruzada deveria ter ocorrido.
- Então
como se sente?
- Agora
estou bem. Já não tenho dores nem vómitos.
- A
menina vinha bem aflita.
- São
dores bem horríveis, doutora.
-
Imagino que sim. Agradeça a si mesma o facto de saber que é intolerante ao
glúten. Ajudou muito. Dado que as suas análises estão normais, e a menina está
bem não vejo motivo para continuar cá connosco. Vou dar-lhe alta, mas antes vamos
retirar esse acesso venoso.
-
Obrigado, doutora.
Minutos
depois transpus a porta de saída e lá estava ele pacientemente á minha espera.
E… Nada como um reconfortante abraço para me animar.
- Está
tudo bem? Passaram as dores?
- Sim.
Ainda estava tudo muito no princípio.
-
Pregaste-me cá um susto quando me ligaste para o trabalho, e pior fiquei quando
cheguei a casa e vi o teu sofrimento.
- Nem tinha
forças para e vestir.
- E
agora?
- Agora
é continuar a ter sempre muito cuidado.
- E
temos. Tu sabes que limpo sempre as migalhas que faço. E a tua comida é toda
sem glúten
- Pois,
mas o perigo não está em tocar nas migalhas, isso não me faz mal. O perigo está
em levar depois a mão á boca.
- Só
isso?
- Sim.
Sabes que ao princípio e antes de saber o que tinha as crises eram menores bem
como as dores, mas agora como o meu organismo não recebe glúten, tornou-se mais
sensível e reage a quantidades mínimas. Agora quando isto me sucede tenho dores
de barriga maiores e passei a ter vómitos como viste e falta de ar, e ainda tu
não viste uma crise a sério.
-
Imagino.
- Não
imaginas não. Os sintomas são muito mais intensos e graves.
- O
importante agora é que estás boa. Para te animar um pouco vamos jantar fora.
- Onde?
- Num
restaurante certificado pela APC. (Associação Portuguesa de Celíacos)
- Assim
aceito. Sabes o que sinto falta?
- Do
quê?
- De
comer a vontade pastéis de nata e donuts.
- Pois…
Temos de descobrir uma pastelaria que faça.
- Há
pouca divulgação.
-
Infelizmente.
- As pessoas
e as marcas ainda não pensaram que os alimentos sem glúten podem ser consumidos
por todos e não se nota diferença nos sabores.
- Vá lá
que os supermercados vão tendo cada vez mais variedade de produtos sem glúten.
-
Felizmente sim. Já posso fazer um prato de massa ou uma boa torrada carregada
de manteiga em casa.
- Vá lá
que o teu organismo tolera a lactose.
-
Perfeitamente. Quem paga é o castrol! (colesterol)
- Ui.
- Uma
coisa engraçada, mas que não tem piada nenhuma é que quando pergunto por exemplo
se tem alguma sobremesa sem glúten, ficam com cara de parvos a olhar para mim e
depois respondem que não sabem. Mas será que as pessoas acham que ser celíaco e
consumir produtos, sem glúten é uma moda?
- Se
calhar…
- Ainda há muita ignorância e intolerância para com o doente celíaco. Pode ser uma opção de vida não consumir glúten tal ser vegan ou vegetariano. Mas boa parte não pode mesmo consumir glúten por serem doentes celíacos.
EM - VERSO & PROSA - COLECTÃNEA - IN-FINITA
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