terça-feira, 18 de janeiro de 2022

A doente celíaca – FRANCISCO LUÍS SILVA

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Ainda deitada em cima daquele colchão rijo que mal protegia os meus ossos da dureza do metal da maca, e já refeita das dores a minha paz interior regressou bem como a alegria. Mentalmente revia a minha alimentação das últimas horas e por mais que pensasse não encontrava nada que me pudesse ter feito mal, mas algures certamente alguma contaminação cruzada deveria ter ocorrido.

- Então como se sente?

- Agora estou bem. Já não tenho dores nem vómitos.

- A menina vinha bem aflita.

- São dores bem horríveis, doutora.

- Imagino que sim. Agradeça a si mesma o facto de saber que é intolerante ao glúten. Ajudou muito. Dado que as suas análises estão normais, e a menina está bem não vejo motivo para continuar cá connosco. Vou dar-lhe alta, mas antes vamos retirar esse acesso venoso.

- Obrigado, doutora.

Minutos depois transpus a porta de saída e lá estava ele pacientemente á minha espera. E… Nada como um reconfortante abraço para me animar.

- Está tudo bem? Passaram as dores?

- Sim. Ainda estava tudo muito no princípio.

- Pregaste-me cá um susto quando me ligaste para o trabalho, e pior fiquei quando cheguei a casa e vi o teu sofrimento.

- Nem tinha forças para e vestir.

- E agora?

- Agora é continuar a ter sempre muito cuidado.

- E temos. Tu sabes que limpo sempre as migalhas que faço. E a tua comida é toda sem glúten

- Pois, mas o perigo não está em tocar nas migalhas, isso não me faz mal. O perigo está em levar depois a mão á boca.

- Só isso?

- Sim. Sabes que ao princípio e antes de saber o que tinha as crises eram menores bem como as dores, mas agora como o meu organismo não recebe glúten, tornou-se mais sensível e reage a quantidades mínimas. Agora quando isto me sucede tenho dores de barriga maiores e passei a ter vómitos como viste e falta de ar, e ainda tu não viste uma crise a sério.

- Imagino.

- Não imaginas não. Os sintomas são muito mais intensos e graves.

- O importante agora é que estás boa. Para te animar um pouco vamos jantar fora.

- Onde?

- Num restaurante certificado pela APC. (Associação Portuguesa de Celíacos)

- Assim aceito. Sabes o que sinto falta?

- Do quê?

- De comer a vontade pastéis de nata e donuts.

- Pois… Temos de descobrir uma pastelaria que faça.

- Há pouca divulgação.

- Infelizmente.

- As pessoas e as marcas ainda não pensaram que os alimentos sem glúten podem ser consumidos por todos e não se nota diferença nos sabores.

- Vá lá que os supermercados vão tendo cada vez mais variedade de produtos sem glúten.

- Felizmente sim. Já posso fazer um prato de massa ou uma boa torrada carregada de manteiga em casa.

- Vá lá que o teu organismo tolera a lactose.

- Perfeitamente. Quem paga é o castrol! (colesterol)

- Ui.

- Uma coisa engraçada, mas que não tem piada nenhuma é que quando pergunto por exemplo se tem alguma sobremesa sem glúten, ficam com cara de parvos a olhar para mim e depois respondem que não sabem. Mas será que as pessoas acham que ser celíaco e consumir produtos, sem glúten é uma moda?

- Se calhar…

- Ainda há muita ignorância e intolerância para com o doente celíaco. Pode ser uma opção de vida não consumir glúten tal ser vegan ou vegetariano. Mas boa parte não pode mesmo consumir glúten por serem doentes celíacos.

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