domingo, 28 de novembro de 2021

Mulher: o ser desejante - MARCELA BUENO

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Pensei muito sobre o que escrever a respeito do meu universo feminino, tenho um bocado de histórias a contar. Aliás, nós mulheres temos muito a dizer, a contestar, a reivindicar, a gritar, a exigir.
O meu feminino nasceu espelhado em uma mãe forte, independente e lutadora, que sempre me mostrou o quão necessário era buscar se erguer e viver sem precisar de dinheiro alheio.
Cresci com este intuito ambicioso, em tempos em que ainda não o classificaria como um ato feminista. Na verdade, nunca me vi como tal. Pelo contrário, tinha uma certa aversão a esse título – aquele poder da sociedade patriarcal sobre o consciente coletivo.
Abracei a metrópole, disputei espaço em um mercado profissional de predominância masculina, morei sozinha, corri o mundo e fui independente. Reconheço que, por vezes, fui insubordinada e isso mudou algumas trajetórias, ao mesmo tempo em que foi a minha arma para me manter no meu lugar de direito.
Fácil não foi – muito longe disso, fui engolida por leões que, indigestos, me lançavam de volta. Foram danosos, deixaram cicatrizes, mas ainda mais histórias interessantes. Enfim, tenho muito orgulho de tudo o que conquistei como mulher, sabendo que ainda há um longo caminho para que esse sentimento seja unânime no universo feminino.
Mas, na verdade, o que quero contar é sobre um constrangimento particular no meu ser mulher. Algo que sempre me incomodou, mas que não me permiti falar até então. Seja por imaginar ser um mau comportamento, seja por não me sentir confortável em compartilhar a minha íntima relação com o corpo, seja pela crença arraigada da subordinação e dos pudores femininos.
O fato é: será que sou livre para transar? Ser independente inclui ser livre para escolher com quem e quando fazer sexo? Isso nunca ficou claro para mim, apesar do assunto sempre ter sido tratado com ampla naturalidade na minha criação.
Não é o sexo, o ato de fazer ou não, o tabu e o incompreendido. Falo sobre o sentimento de culpa e de pecado que o acompanha. Um sentimento que seguramente surge do pensamento coletivo, das crenças e valores de uma sociedade que por séculos foi pautada na tradicional família cristã, onde a mulher ocupava o lugar de objeto e não de sujeito.
Muito já se fez, é verdade. Adquirimos mais liberdade, mais direitos e menos olhares repressores sobre o verdadeiro arbítrio sobre o nosso corpo. O que não exclui, no entanto, a punição individual, aquele pensamento de ser rotulada, discriminada e preterida pelo outro.
Sinto que ainda há muitas questões por desvendar. Será que somos seres ou objetos quando nos apresentam “manuais de bons costumes” com indicadores de prazos para ter a primeira relação sexual com o parceiro e não o afastar do nosso sonho de altar? Somos seres ou objetos quando temos que manter os pelos pubianos aparados e portar uma lingerie de rendas apetitosas? Somos seres ou objetos quando um corpo desejoso é sinônimo de um corpo esbelto? O que será que somos quando um corpo que superou a menopausa é considerado um corpo fora da praça sexual?
Acredito ser mais que um trabalho de aceitação individual feminina. Vivemos em função do outro, somos coletivos e determinados pelos nossos comportamentos. O outro não nos vê pelo que pensamos, mas pelo que expressamos.
Assim que (se) expor publicamente é estar sujeito a julgamentos. Então, o que me cabe não é me julgar e me culpar por ter transado com quem e quantos, quando e como desejava, isso faz parte do meu gozo particular, mas sim saber como lidar com o público inquisidor.
Hoje, mãe, em uma relação afetiva estável, pré-menopáusica e com a libido em latência estou em paz com as minhas decisões e relações sexualmente frenéticas que vivi, mas eu precisei me colocar nessa posição de expectativas sociais para isso.
Assim, mulher, a mensagem é: seja um ser que respeita os seus desejos sexuais e não se culpe por querer, por se excitar e por ansiar. Não seja o objeto de desejo, mas o ser desejante e ativo. Aquele que se satisfaz em plenitude – o que pensarão ou dirão de ti, pertencerá ao outro.

EM - UNIVERSO FEMININO - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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