LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Brigite. Mulher elegante, gentil, bem vestida estaria em qualquer ocasião. Entrava na cafeteria para o café de sempre, suponho que após o trabalho.
Faz frio. O calefator do chão, próximo a uma vidraça fechada, aquece suas pernas vestidas com meias finas. No momento, casaco de veludo verde escuro, chapéu cáqui, está sentada de costas para a janela que reflete luzes da cafeteria. Em outros dias, ela se sentava naquele mesmo lugar, porém, de frente para rua. Estaria a vigiar o movimento lá fora? Pedia dois cafés. Especulo. Espera por alguém. Uma amiga. Um amigo. O amado que não vinha... o mais provável.
Olhos baixos, feições com ar de mistério, não denota tristeza nem alegria nem dor. Ah. Como é bonita. Seu nome, ouvi alguma vez o garçom a dizê-lo quando recolhia as xícaras. Brigite. Ah. Antes, ela pedia dois cafés. Há alguns dias, ela mudou de posição à mesa. Passou a sentar-se de costas para a janela e a pedir somente um café.
− A senhora quer mesmo só um, dona Brigite?
O garçom conhecia seus gostos. Pudera, ela ali, toda tarde. Pagava com dinheiro e deixava sempre o mesmo troco para aquele que a servia. Eu costumava fiar meu consumo e pagar a cada final de mês.
Hoje, quinta-feira, é um dia diferente. Dias atrás, pedi ao garçom para entregar à Brigite um bilhete. Ela o leu com a mesma expressão impassível. Desdobrou o papel e nem levantou os olhos. Eu havia explicado bem quem lhe escrevia. Sou Edvard, o homem de casaco tweed preto, camisa branca e chapéu-coco, na terceira mesa do fundo do salão a contemplá-la, de sempre. Às vezes, a cofiar o bigode.
Depois disso, continuei a olhá-la. Terá tido um grande amor e fora deixada. Mulher de persistência. Tanto tempo à espera. Eu comecei a vir a este café há uns três, quatro meses. Um dia, antes de entrar, vi seu rosto pela janela. Encantou-me. Era um tempo de muito frio e, a cada dia, eu entrava encolhido, doido para aquecer-me neste lugar. Ela, de costas para o salão, de frente para a janela.
Quando passei a vê-la de frente para o salão é que comecei a especular. Eu, que há tempos ficara sozinho depois de um amor vencido, varava noites a pensar em Brigite. Um nome assim meio raro que cabia bem naquela mulher cabisbaixa que ficava a olhar o café. Parecia-me mulher de sabedoria, de luz. Naquele mesmo dia veio a reposta: sim. Três letrinhas mágicas. E mais “na quinta-feira”. Eu perguntara-lhe se ela me esperaria na saída do café.
Aqui, nesta espera que parece infinita, minha maior ânsia é saber a cor dos olhos de Brigite.
EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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