sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Espelho, espelho meu - RITA QUEIROZ

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Cheguei à conclusão de que não sou normal. Decididamente, tenho sérios problemas mentais. Como posso ter chegado aos 57 anos sem tomar antidepressivos e remédios para dormir, mesmo tendo dois casamentos fracassados na bagagem? Um aos 21 anos e o outro, aos 51.
Naquele momento, não queria me separar, em ambos foi um desejo unilateral. Mas, não sei se estaria casada com algum deles até hoje. Principalmente, porque fui adquirindo outros entendimentos de vida, conhecendo-me melhor e sabendo mais como me colocar no mundo.
Confesso que no fracasso do primeiro casamento, quis morrer, acordar morta, desaparecer. Procurei por distintas ajudas. Fui ao padre, que me disse que não poderia ter mais ninguém, porque seria adúltera. Fui a uma psicóloga, de vertente psicanalista, que não resolveu meu dilema. A criatura só me ouvia, não dizia nada, minha personalidade agitada não entendia aquilo, queria dialogar. Fui a uma única sessão, sumi. Peço desculpas aos profissionais da psicologia, tão importante para a nossa vivência, mas eu, tão (a)normal, não me enquadrei.
Por fim, por recomendação da minha ex-sogra, antes da separação se efetivar, procurei uma Mãe de Santo. Segundo ela, aquilo que estávamos vivendo só poderia ser “coisa feita”, como se diz na Bahia. Fomos juntos. Apenas para ele foram jogados os búzios. Eles não mentem, deu tudo certo. De repente, a Mãe De Santo olhou para mim e disse: “Você, minha filha, quer seguir sua vida, não é?”. Concordei, com o aceno da cabeça. Segui.
Tive namorados, concluí a faculdade, entrei para o mestrado, viajei diversas vezes, fiz doutorado e, meses após defender a tese, reencontrei uma paixão da adolescência.
Ele não sabia que eu tinha sido apaixonada por ele, que fora meu amor platônico. Mas, naquele encontro, quando contei isso, o jogo virou a meu favor e ele passou a me ver com outros olhos. Nos escrevíamos por e-mail, nos falávamos por telefone (não havia smartphones e muito menos WhatsApp), nos apaixonamos. Na verdade, o que havia sentido anos atrás, reacendeu. Vivemos uma linda história de amor. Com altos e baixos, claro, como em todo relacionamento, mas jamais imaginei que nos separaríamos. Fui pega de surpresa quando ele me disse que queria se separar.
Que choque! A princípio, neguei que aquilo estivesse acontecendo. Acreditava que voltaríamos. Não quis morrer, mas quis matar – bem (a)normal! Não tomei calmantes, me joguei na atividade física. Embora estivesse com o peso normal, fiz dieta. Passei momentos bem difíceis, mas não me droguei – outra (a) normalidade, nunca usei droga alguma.
Minto quando digo que nunca usei drogas. Foi nesse período que me viciei em poesia. Imagine, em poesia! Que droga!
A poesia não me deixou ir ao fundo do poço. Sobrevivi e hoje posso escrever essas coisas bobas. Coisa de gente (a)normal.
Também passei a me ver melhor. A me achar bonita. A me deixar fotografar. Hoje olho no espelho e digo: “que espetáculo de mulher!” (Ousadia de uma pessoa do alto de seus 1,57m de altura).
Para uma amiga e minha irmã, isso se deve ao fato de ser surtada e não ter tomado Gardenal. Solto gargalhadas e digo que elas são invejosas.
– “Morram, fofas!”
Mas acho que elas têm razão, isso não é coisa de gente normal!
– “Espelho, o que me diz?”

EM - UNIVERSO FEMININO - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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