quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O castigo - ROSALINA VAQUEIRO

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É hora do regresso da escola. Joelho esfolado, sacola de pano à tiracolo, boné atravessado, calção sujo das brincadeiras, saltitando, pontapé aqui outro ali no cascalho, nos galhos, nas pedritas da serra, Dérito entra em casa assobiando uma modinha.
– “Alfarenhêros, méquinhos e cães de caça é tudo a mêma raça”
Cumpre a saudação habitual, beijando a mão da mãe
– “Sua bênção nhôra nhã mãe”
– “Deus t’abençoe mê filho. Óh rapazito duma figa mãs adonde é que ouvistes atão essa moda?”
– “Ara, ouvi da escola, adonde haverá de sere?”
De enxada ao ombro, o pai regressa da horta com couves para a janta
– “Tu toma tento, rapaz, olha ca mestra s’ouve lá isso põ-te de castigo”.
– “Ê cá ca m’ importa!”
– “Anda daí mais eu botar serralhas e couves à criação - ós coelhos e às galinhas”
Dérito sai pelo carreiro enlameado em direção às capoeiras em passadas largas imitando um” andar à home”, como o pai, homem novo, escorreito e desempenado.
– Ara atão dize lá qu ‘é lá isso de não te amofinares cos castigos da mestra. Nunca tal vi”
– “É ca mestra bota a gente de castigo pra baixo da scretára. Um home fica ali caladito e sem bulir”.
– “ Pois ...atão! É castigo! Mas que tem lá isso? A modes que na tou t’apercebere...
– “Ah, nhôr mê pai, mais atão na tá pus olhos adentro d’um homem? Um home quedo, sim botar falação cum vivalma, interte-se cum o quê? Ara, a olhar pás pernas da D. Ernestina pois atão! Ela é cá cada uma! Gordas qu’inté parece uma bacorita!!!
De alguidar no avental, migando as couves para o caldo da janta, a mãe viera espreitar a conversa dos “homens”. Olhando enternecida os seus dois amores, murmura de si para si, com um sorriso de orgulho e enlevo:
– “Rais parta ó rapaz! Sai à cepa, o danado!”

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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