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Nessas linhas, narro o diálogo entre duas mulheres da mesma linhagem sanguínea, mas nascidas em décadas diferentes. A mais jovem, envolta em uma situação amorosa conturbada, busca nos braços e conselhos da mais velha um conforto e uma saída. E, dessa forma, contam-se os fatos a seguir.
Laiane, paulista, casou-se aos 18 anos com um nordestino. Eram muito apaixonados. Desse amor, ainda no interior de São Paulo, tiveram três filhas. O homem sentia-se por demais orgulhoso por ser pai de meninas, apesar do deboche de um de seus familiares. Segundo esse parente, o progenitor só foi capaz de gerar “seca tuia”, em outras palavras, filhas. Com certeza, na visão desse familiar, esse pai passaria por problemas sérios, pois, para ele, mulheres são sinônimo de situações desagradáveis. Ele, pai de filhos em sua maioria, dizia ser privilegiado. Essa conversa jamais desanimou Zyan. Se tivesse mais filhas, mais alegre seria, falava para Osíris.
Certa manhã, Zyan recebeu uma proposta para morar na região amazônica brasileira. Em conversa com Laiane, decidiram encarar esse desafio. A mulher era seu pilar essencial. Assim, organizaram a mudança.
O homem seguiu em um pau de arara. A sua esposa e as filhas, de ônibus. Como as mulheres sofreram, na longa viagem, durante a década de 1970. Sempre surgiam burburinhos. No entanto, a mãe, muito segura de si, conseguia defender a prole e vencer os inúmeros assédios, na longa viagem.
Ao chegar na terra prometida, a família, aos poucos, conquistou espaço. Nesse local, nasceram mais um menino e outra menina. O pai, o grande herói da família, era um homem admirável e exemplar. Não media esforços para cuidar da esposa e dos filhos.
Até que, talvez pelo excesso de trabalho, acabou esquecendo de cuidar da própria saúde e descobriu que estava com leucemia. Precisou buscar atendimento médico fora de sua cidade. Zyan, acompanhado por Laiane, seguiram a um grande centro, para fazer o tratamento de saúde. O pai, na capital de São Paulo, começou a ficar muito mal. Desesperados, os filhos foram chamados para, quem sabe, a despedida.
Eis que, em um dia chuvoso, Zyan desencarnou, na terra da garoa. Mais uma vez, conversas desnecessárias apossaram-se de um dos parentes. Dessa vez, com um tom mais agressivo. Segundo esse cidadão, o retorno da família à Região Norte, era algo desaconselhável, por serem muitas mulheres, sem a presença do progenitor, todas iriam se tornar meretrizes. Nem imaginava o quão forte a mulher era.
Não foram essas palavras capazes de destruí-la. E, assim, encarou essa fase difícil e seguiu rumo ao seu lar com os filhos. Mesmo no período de luto, conseguiu forças e transmitiu segurança aos frutos de seu ventre.
De volta à sua cidade, Laiane e as filhas tiveram novos desafios. Com o tratamento do cônjuge e o deslocamento das filhas de forma não planejada, as despesas se multiplicaram. Laiane assumiu as tarefas no comércio da família, assim como das terras na zona rural. Por fim, decidiu fechar o comércio e passou a trabalhar como conselheira tutelar.
Foram longos anos em que chorou sozinha. Contudo, com fibra e persistência, narrou a sua história como personagem de destaque. Além disso, sempre incentivou muito os filhos a estudarem. Foi uma forma de atender ao último pedido do seu marido.
As várias etapas na vida feminina, assim contava a mulher mais velha, mostram que mesmo diante de situações negativas e luzes apagadas, a luta é contínua. Só assim, para sobreviver em um mundo repleto de desigualdades. Laiane representa as mulheres que buscam espaços dignos na sociedade, mesmo rodeadas de palavras desanimadoras.
E, essa história, minha netinha, é a história da sua bisavó paterna. Ela muito lutou (e luta) para formar a sua família e trazê-la unida. Que sirva como exemplo em sua longa e árdua caminhada enquanto mulher. Os desafios fortalecem as nossas lutas. Quando as barreiras chegarem, lembre-se dessa nossa longa conversa.
EM - UNIVERSO FEMININO - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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