segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Tempos de transição - GEORGINA CAÇADOR

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Não posso disfarçar nem ignorar. Ando, faz tempos, com um nó na garganta e um pranto contido.
Na verdade é mais sentido, porque nada faço para que ele não exista. Gostaria de o viver em pleno, para poder libertar-me desta sensação estranha. A de ser livre com um pé preso na grilheta, do desconforto de não chorar. Faz tempo, na verdade tanto tempo como o que eu ando sem capacidade de escrever algo de jeito, com este embrulho de tristeza. Nem o choro e nem o aceito. Como se ele fosse um sentimento de culpa. Como se o facto de eu respirar, viver e sentir um bem-estar físico, não me dê permissão para sentir a tristeza. Como se fazer isso fosse uma ingratidão à vida.
Estes tempos são estranhos.
Dei por mim a valorizar um ovo como uma fortuna. A agradecer a sopa de legumes como um banquete. A cuidar do pensamento, como se pensar em coisas que seriam boas ter ou fazer, fosse um insulto à vida que atravessamos. A vigiar-me no que penso, digo, faço e sinto.
Este início de ano trouxe-me uma saúde precária. Olho para mim e para o embrulho que me pesa, porque me pesa. Não sei como o transportar e nem como conviver com ele. Dei por mim a fazer balanços da minha vida. A não saber como modificar a tristeza que sinto, na alegria que normalmente costumo mostrar. Gostava de me livrar desta sensação estranha, de manto escuro que me envolve.
Mas na verdade não posso.
Num momento, talvez o que seja certo, poderei lavar a alma, lavrar a terra da minha vida para lançar sementes, e saber que nos meus olhos existe o sol que as farão crescer e dar fartura de vida e à vida. Por agora tenho um nó na garganta e um pranto que nem é contido, mas sentido, como um embrulho de papel pardo e tosco e que sou obrigada a carregar, apenas porque não faço a menor ideia de como me libertar.

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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