LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
Prometi, sim. Fiz uma promessa: eu iria lhe dar voz.
Procurei, procurei, você viu. Quero lhe dizer e não tenho coragem: não achei foto, documento, nem pessoa que pudesse falar de você.
Não consegui.
Talvez fosse demasiado para mim. E eu no meu desejo de justiça, na minha onipotência dos anos mais jovens, acreditei que eu pudesse. Não pude.
Não fui capaz nem de fazer ficção como imaginei.
– O que pude fazer fiz, levei seu nome a muitos lugares, contei uma possível versão, dancei, conheci alguns dos lugares em que você viveu, me apaixonei, me desapaixonei. Conheci pessoas que me reafirmaram a crença na humanidade. Experimentei comidas, que despertavam a alegria de compartilhar e que provavelmente você sabia fazer. Passei a querer escrever melhor para contar sua história, e nessa parte tive prazeres e dores. Mas que história contar?
Escrevendo, ou tentando escrever este relato, lembrei-me de meu filho, seu bisneto, falando diante do impossível: – mãe, e se você fosse rica, e comprasse uma Mercedes? Agora sou eu que penso: – e se pesquisando nos arquivos ou mesmo no Museu da Pessoa, encontrasse algum dado que chegasse próximo de alguma informação sobre você? E se, por um acaso alguém me trouxesse um nome com seu sobrenome e dissesse que era sua parenta?
Os desaparecidos, presos políticos, alguns puderam ser velados, mesmo simbolicamente. Você não. Ou foi e não sei?
Serei eu personagem? Assim sendo ou pretendendo, vou à Festa do Boi, no Morro do Querosene. Faço meu ritual de homenagem a você e de despedida aos sonhos que não vingaram. Embebedo-me, com os ritmos marcados pelo zabumba, xequerê matraca e chocalhos, pelos corpos, pelas danças e catuaba. Tudo debaixo ou ao redor do Baobá,
Árvore do Esquecimento. Dou sete voltas ao seu redor, no sentido contrário, do que os negros escravizados eram obrigados a fazer.
No momento em que o mestre Tião do Maranhão vai sacrificar o Boi Mimoso para alimentar Catirina prenha e precisada, esse deitará no chão, aceitando o sacrifício, assim também, deitarei na terra. Esperarei o golpe, como também o Boizinho. Boi e sonhos vão mudar de estado e de tempo. Irão aparecer na próxima festa do Renascimento do Boi. Os sonhos aguados poderão vicejar com consistência, com robustez. E o Boi Mimoso alimentará nossa alegria possível.
Terei passado a pira da procura para quem ficou tocado pela história, seja da família ou não. Escrevo na terra com os dedos:
AQUI JAZ UM SONHO.
OU NÃO?
EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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