sábado, 18 de setembro de 2021

Lisboa, Menina e Moça - MARIA JOSÉ ESTEVES

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– Senhores passageiros, dentro de segundos iremos levantar voo. Agradecemos que se mantenham com os cintos de segurança apertados! – escuto em silêncio e o coração salta como um pássaro assustado entre as costelas.
O avião inicia a sua corrida pela pista. De olhos cerrados visualizo um campo de flores; a serenidade envolve o meu espírito e o pavor desaparece. Abro os olhos e retorno ao lugar junto à janela. Por mil vezes que a tenha sobrevoado é sempre em êxtase que admiro a luz branca de Lisboa. Os edifícios roçam os nossos pés.
– Um dia teremos uma tragédia no centro da cidade! – comento para o passageiro sentado ao meu lado. São pensamentos que me atormentam. Para me abstrair observo as avenidas, os edifícios, os jardins que reconheço das vivências na cidade.
Sobre o Vale de Alcântara destacam-se os arcos do Aqueduto das Águas Livres, cuja dimensão adivinha a grandeza da cidade, no século dezoito. Em contínuo, emergem de entre o casario, como guerreiros medievais, as três torres de vidro das Amoreiras. Mais uns segundos e avistamos o tapete verde do Parque Eduardo VII e as árvores floridas da Avenida da Liberdade. A ilusão de um quadro pintado de verde, salpicado de pontos coloridos, dissimula a poluição da cidade.
O avião segue a sua rota e, numa ligeira inclinação sobre uma das asas, permite observar, no alto de uma das sete colinas, o Castelo de São Jorge. Imponente, espreita o Tejo a seus pés e o Cristo Rei que, da outra margem, abraça Lisboa. Num vermelho que corta o horizonte avista-se a Ponte 25 de Abril.
Sou chamada à realidade pela voz do comandante: – Senhores passageiros! Vamos iniciar a nossa viagem sobre o Atlântico. Não se prevê turbulência, mas mantenham os cintos apertados! – respiro fundo e a tranquilidade ressurge na minha alma.
Num último olhar, ainda deslumbro navios de cruzeiro que aguardam a sua vez para entrar Tejo adentro. Sobre o convés, os passageiros fotografam os monumentos que serpenteiam a margem. A Torre de Belém destaca-se entre os restantes. Estão ávidos de conhecer a cidade, as calçadas, as gentes e os seus costumes – “Lisboa, menina e moça”, no cantar do fadista.
No ar espalha-se o aroma do café que me recorda o bulício das esplanadas à beira Tejo. Os estudantes, com computadores à mistura com chávenas de café, alternam as acesas disputas com a mudez e imobilidade sobre os écrans; as senhoras septuagenárias, com as suas fatiotas e cabelos incensuráveis, bebem o chá com o tradicional pastel de nata, em alegre cavaqueio; os turistas deleitam-se com o azul do rio Tejo, num momento de repouso após calcorrearem as ruas e as colinas da cidade.
Acomodo-me no banco e pego no livro que vai ser o meu parceiro durante as próximas sete horas.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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