terça-feira, 24 de agosto de 2021

O vento soprou-me uma felicidade maior - CARLOTA MARQUES CANHA

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O vento soprou-me no rosto uma réstia de saudade em dia tão caiado de luz fina e brilhante. A brisa vai-se despindo, aos poucos, em aroma de maresia para inebriar-me naquela frescura intensa sob um sol quente de raios dourados em dunas quase desertas, enquanto as palavras de felicidade são arrancadas, por momentos, da boca que se sacia do travo de sal e mar tão incessante.
A espuma branca encostada na ondulação da praia beija-me os pés que caminham descalços de alguma fé, mas sabem por onde percorrer entre salpicos translúcidos daquele tempo.
Aquele sol tórrido e um mar espelho pousam-me nas mãos que se esgueiram para agarrar, tão ávidas de sentir, aquela hora que demorou, sim pausou em distância, mas graças a Deus não foi tão cedo embora.
O vento soprou-me e volta a sussurrar-me incessantemente para confirmar que a luz do horizonte que meus olhos humedecidos percorrem na corrente não é uma ilusão, mas o ideal de uma felicidade que ainda conservo e que guardarei alma dentro.
Pestanejo, anseio pelo momento e sinto que a hora não tardou e que preciso de agarrá-la, esta conexão de sol e mar são singulares quando pensei já não conseguir caminhar em direção àquele horizonte de luz e de esperança a que me propus guardar não importa quantas lutas, quantas desilusões terei que suportar, apenas deter-me, por instantes naquela tela maravilhosa e sorver aquele aroma e belo prazer.
As ondas fazem o seu leito na praia dos encantos, na praia onde meus joelhos já se curvaram para receber a água, ao mesmo tempo, que invoco a glória palavra dos deuses e banhar-me, voltar a banhar me na espuma onde se perfila a brancura da fé e da plena satisfação.
Quero acreditar que não estou a sonhar, que o momento é o certo num enleio de voraz vontade de voltar a sentir a felicidade maior que os olhos percorrem e deitam-se agora sob as estrelas da noite - deixo o corpo encostar-se á extensa duna para serenar e deixar-me acalmar na maresia e no idílico silêncio da noite.
– Pergunto á noite se hoje durmo ou se apenas me deixo pernoitar e encostar a tez ao seu manto e afundar-me, de vez, num sono real.
O vento nunca deixou de soprar-me a felicidade maior ao canto da dificuldade para me confirmar que ainda é tempo, sim tempo para buscá-la sem demora e, aqui e agora sei que nunca estive só - que a natureza me abraça sem perguntar na desconfiança do futuro e eu sei que estou viva e muito agora.
O vento, o sol, o mar e a noite estão no mesmo lugar e eu sei simplesmente com quem posso contar para continuar a acreditar que, mesmo nos umbrais da mágoa e desilusão, ainda há tempo para a minha e tão somente minha felicidade maior.

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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