sábado, 21 de agosto de 2021

A Goiabeira - AURINEIDE THETHÊ ANDRADE

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A minha enxadinha pulou a janela do quintal e descavou uma goiabeira morta. A árvore era frondosa, algumas folhas onduladas e outras repolhadas, a sua copa era redonda, parecida com a lua cheia.
Ela cresceu juntando papéis e somando histórias, queria escrever algo para que ela e os outros tivessem o que ler. Assim chegou aos onze anos, cheia de histórias, sofreu ameaças, se escondeu, quando ouviu um verso e em cada poro seu brotou um turbilhão de ideias e ela riu outra vez. Então brotou Traição sem Pecado, que ela escondeu na gaveta.
Aos quatorze anos, ela em agrura ofuscou o seu brilho, desfaleceu debaixo dos monturos, só os seus olhos viam o sol. Aos quinze anos ela se fatigou, mas arrebatou a vida novamente, dividiu o seu leito e aprendeu a ser companheira. Aos dezasseis anos ela viveu, riu e viu que tinha outras vidas em sua vida.
Aos dezoito anos morreu outra vez. Aos dezanove anos, já revivendo, seus galhos murcharam, caíram as folhas, o sereno lhe animou, pois brotou folhas e flores, um novo rebento lhe fortaleceu.
Aos vinte e nove anos, caíram os seus galhos, formou-se uma fenda em seu tronco que, enfraquecido tentava se erguer, mas viveu novamente. Aos trinta e cinco anos, um broto floresceu e o céu ficou todo rosa e lilás!
Aos quarenta anos seus galhos estavam sem forças e seu tronco criou fendas. Aos quarenta e um anos, desfolharam seus galhos, podaram toda a sua frondosa copa, destruíram a sua sombra, quebraram seus ramos, ascenderam fogo, faziam samba, contavam piadas e gargalhavam no calor das labaredas. Tiraram toda a sua fortaleza! O seu tronco dilacerado e sem raízes, rolava de limiar em limiar esperando as migalhas, ante muitas diatribes.
Desnorteado diante do seu vai e vem, o tronco chorava e chorava e as suas lágrimas irrigavam as cicatrizes de suas raízes, mas nunca perdeu a fé e a esperança de brotar outra vez e fincar-se em algum lugar.
O seu galho lutou, conseguiu se escorar, se ergueu, emanou-se ao tronco que ficou de pé e brotou raízes. Quando aos quarenta e cinco anos, com o cessar das tempestades veio a flora, outra árvore frondosa com mais brilho e vigor do que as que vinham estrebuchando nas cinzas e renascendo dos rescaldos humilhantes. Nessa ocasião, começou a brotar galhos, saiu debaixo do trançado do Calumbi imbricado no Mamui, mais um rebento que tingiu o céu de azul! A goiabeira cresceu ramos em novas direções já sonhadas, dando outros frutos a serem degustados com outros sabores. Hoje ela é mais frondosa, tem o seu brilho, alcançou alguns de seus sonhos e, sustentada pelo Divino, já avistou muitos outros lugares além do seu muro.

 EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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