LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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Sr. João, aquele homem pequeno, magro, tão miúdo que dá medo, pois se der um vento forte a impressão é que poderia levá-lo. Este poderia ser meu pai, meu avô, meu tio, pela idade que aparenta ter, que não menos que 70 anos. E também pela ternura e carinho com que olha o mundo. Parece fraco, aparências, Sr. João, trabalha e trabalha. Poderia estar curtindo a vida, os netos, mas trabalha, trabalha e trabalha. Sr. João é negro, é pobre, é periférico, é catador de materiais recicláveis, mas gosta de uma cachaça, gosta de samba, ainda dança, e dança, menos do que trabalha. Olhando bem para ele, vem a imagem de sua juventude, a vida de artista e boêmio que deveria ter nas noites paulistana. Com a força de suas mãos, negras, finas, arranca sons de tambores, de latas e tampas velhas, chocalho de garrafas de pet. Ela canta Adoniram Barbosa “despejo na Favela”, seu olhar ilumina o barracão e o mundo, parece carregar o mar neles, e para disfarçar, limpa as desesperanças. Canta a música como se já vivera, em algum momento em uma história do passado, e no momento presente permanece a poesia, que intensifica o ardor nos olhos, potencializando as lagrimas que já não cai mais. Pois, Sr. João, já não chora, pois acredita na sua força, na força das mulheres que o rodeia e uma delas em especial, que observando suas mãos protegidas, e movimentos rápidos na separação de cada objeto na esteira produzidos pela civilização humana.
Ele com seu corpo “velho”, magro, equilibrando nas pernas cansadas que carregam o tronco. De um lado a outro ele arrasta sacos, caixas, papelões, faz lembrar Carolina Maria de Jesus, sua força e sua coragem de mulher negra e catadora de recicláveis. Ele coloca toda sua força, aquela que ainda lhe resta após as várias horas de trabalho, e sabe que tem que continuar, e mantê-la para subir um pacote imenso com outras mãos companheiras no veículo. Todo material coletado, separado, triado, enfardado ao longo da semana pelas mãos de cada um e cada uma. Sr. João com seu corpo fino-negro, cansado, rodopia, rodopia como dança de salão. É uma valsa infinita e cada minuto suas parceiras de dança são trocadas, ora são as Pets, ora as aparas de papel. E quando Sr. João não está dançando valsa pelo salão, ele está com os óculos grandes e transparentes no rosto negro azulado e um pedaço de pau com um peso na ponta, como uma mão de pilão, e começa a sambar e a sapatear dentro de uma caçamba esverdeada de vidros preparando a próxima carga. Sr, João, às vezes, cansa, senta um pouco para aliviar as pernas magras e cansadas, depois de alguns minutos, lava o rosto, observa o sapato de proteção para retificar se está ok, e volta novamente a valsar, o sambar e o sapatear até o findar do dia em seu galpão de zinco e madeira.
EM - ELAS E AS LETRAS (INSUBMISSÃO ANCESTRAL) - COLECTÂNEA - IN-FINITA
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