Agradecemos à autora SUZANA D'EÇA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Qual a sua
percepção para essa pandemia mundial?
Ui, esta
pergunta tem mil rastilhos, e implica uma abordagem em si mesma de várias
questões, nem sei bem por onde começar, na medida em esta pandemia teve
implicações não só a nível da saúde publica, mas implicações socioeconómicas e
climatéricas. A minha perceção é primeiro o mundo não estava preparado para um
vírus deste nível, uma vez que se multiplica com grande facilidade velocidade,
o qual infelizmente provocou e está a provocar muitas mortes, assim como
pessoas infetadas e em muitos casos com gravidade. Este novo vírus - COVID 19, tem
provocado em muitos países o caos, em termos de capacidade de resposta em tempo
útil por parte das entidades responsáveis pela saúde publica. Não havia camas
suficientes, ventiladores e outras ferramentas para o combate a este vírus. Em
alguns casos foi dramático porque se assistiu, por uma questão de sobrevivência
da espécie humana, a escolha sectária de doentes que podiam viver e aqueles que
não podiam, escolha essa baseada na idade dos pacientes, como uma espécie de
eutanásia repentina e não consentida. Inarrável e penoso. Com episódios
sórdidos, em alguns casos e em alguns países, no que diz respeito ao
acolhimento dos seus maiores. É evidente que esta pandemia também gerou muita
solidariedade entre pessoas que não se conheciam e que se assistiu, a muitas
palmas das janelas e varandas em homenagem aos profissionais, (em diferentes
áreas) que estavam e estão a lutar contra este vírus, digamos que esse facto
per si é nobre e meritório, mas não gera riqueza e é preciso o empenho dos
governos e não só a boa intenção dos cidadãos, estamos a assistir ao colapso da
economia, na medida em que muita gente está perdendo os seus empregos e outra
parte viu os salários reduzidos com o lay-off, os trabalhadores
independentes arriscam-se a perder empregos, não está fácil.
No
que respeita à Cultura, em todas as suas vertentes, se por um lado está
complicado porque é muito baseada, na maior parte dos casos, no mercado livre,
por outro lado assistiu-se a uma descentralização da mesma em período de
pandemia de uma forma positiva, na medida em que aproximou o publico dos seus
artistas favoritos, num interação de mais intimidade , embora com respeito e
admiração, o que permitiu que através das redes sociais se conhecessem novos
valores. Assistiu-se, portanto, a uma democratização da Cultura e uma
valorização da mesma face a este estado de emergência, como ferramenta
fundamental para combater a depressão, a angústia e a ansiedade das pessoas em
confinamento, e posteriormente em semi-confinamento. Ou se quiserem em
desconfinamento, eu prefiro usar a primeira que penso que será o
comportamento mais eficaz. É evidente que terá que ser uma Cultura sustentável
e terá haver políticas assertivas para que tal possa ser uma realidade num
futuro a curto prazo. “Nem só de pão vive o homem” E é importante o papel dos
artistas e nomeadamente dos autores, não só como agentes sociais no combate à
solidão depressão, como no processo de globalização.
Agora
entraria na fase conversar sobre a globalização e a resposta estendia-se. Por
isso vou só dizer que neste processo, temos muito ainda que aprender e
encontrar pontes e há também ilações a tirar face à climatização e meio ambiente,
não podemos virar as costas ao facto de a poluição ter sido reduzida, durante o
confinamento e ao estado comportamental da natureza, quer na flora quer no
mundo animal- lições de vida que devemos reter e pensar. O futuro passará por
compromissos e inclusão e por abordagens de união e de democracia. No que
respeita à escrita é fundamental o papel relevante das palavras como forma de
afeto, assim como o sorriso e atitude positivismo, em prol dos outros pois a
curto prazo, isso substituirá o toque, é importante tomarmos consciência o impacto
que pode ter no outro. O Respeito e Palavra ganham dimensões, nunca antes
vistas e importa perder um pouco de tempo para refletir sobre novas formas de
transmitir amor (para além da própria solidariedade e da proatividade que não
está em causa) pois infelizmente esta pandemia veio para ficar mais tempo do
que desejaríamos. Sejamos, pois, indivíduos de esperança na coletividade.
2 - Enquanto
autora, esse momento afetou o seu processo produtivo? Em tempos de quarentena,
está menos ou mais inspirada?
Eu
sou uma pessoa que gosta de ser sincera, não gosto de dizer o que os outros
estão à espera de que eu diga, mas o que sinto, de forma que para ser honesta
não me senti muito inspirada, mas é importante elevar o sonho.
E não
há livro sem trabalho. É necessário salivar as emoções, torná-las palavras, namorá-las
no papel, escrever porque sim, porque há uma parte nós que guarda as palavras e
há outra parte de nós que nos impele a escrevê-las. Nem sempre ambas coincidem
de forma que para se encontrar o equilíbrio, é difícil sair por vezes da
letargia, porque isso meus amigos, requer amor, labor e alguma técnica. No meu
caso, eu refugio-me no meu trabalho que também em grande parte é escrever,
embora não poemas e textos literários e vou refutando, a parte criativa e a
escrita poética, guardo todo o sentir cá dentro e não a deixo sair, vou como
fugindo de mim mesma. Mas há que reagir e a resposta é viver o dia a dia e
aprender e sorver e não desistir do sonho.
3 - Quando isso
passar, qual a lição que fica?
O
Mundo precisa de globalização, mas esta pandemia tem trazido, muito
nacionalismo exacerbado, assiste-se a mudanças mundiais de liderança, ao mesmo
tempo que se assiste a posições extremistas de racismo e de xenofobia de várias
partes político-sociais. O problema da crise económica veio a agravar o estado
de pobreza e as migrações são cada vez maiores e sem soluções de higienização e
alimentação eficazes, ou de soluções alternativas e com raízes de
sustentabilidade nos locais de origem. O problema ambiental e da desflorestação
na natureza mãe, é outra questão grave, em termos reciprocidade nos níveis
desejáveis de oxigénio, na realidade falando de meio ambiente percebemos que é
necessário e urgente rever políticas ambientais. Mas tudo começa no individuo,
como parte integrante de uma sociedade que terá de superar os seus problemas
comportamentais, ou seja cada um de nós tem que rever o seu comportamento face
ao outro, para que esteja integrado numa sociedade mais justa e mais
alternativa. Acho que deve haver uma mudança global em que se deve aprofundar
as nossas posições, não deve prevalecer o mediatismo, mas sim a
responsabilização de cada um e a credibilidade na liderança, a qual que deve
ser mais credível e célere. Mas começa por cada um desmantelar o narcisismo e o
egoísmo, é um trabalho que cabe a cada individuo, mas como juntos criamos um todo,
obrigará a repensar em todos as áreas, um futuro de um mundo mais são, mais
tolerante, mais coerente.
Estar
confinado pode gerar depressão, mas num desconfinamento controlado e no futuro
sem vírus, uma das respostas ao problema da falta de tempo, por exemplo para a família,
e também para o problema de um meio
ambiente mais saudável, pode ser o
teletrabalho, em todos os casos em que se possa concretizar este tipo de
trabalho, obviamente com idas regulares, ao local de trabalho para que não se perca o espírito da empresa. Uma
migração das cidades para o campo, pode também ser, a par com o teletrabalho,
uma boa solução, assim como criar transportes públicos mais ecológicos e com
outras fontes de energia.
Mas
há que forçosamente perceber a carga de trabalho que cada um deve poder
executar, hoje em dia toda a gente se queixa que trabalha quase o dobro em
regime de teletrabalho, porque por vezes a chefia não tem noção do tempo de
pesquisa e execução do trabalho requisitado. Por fim acho que os ordenados
devem ser distribuídos de uma forma mais linear. Há diferença abismais entre
ordenados. Nesta crise temos vindo a apercebendo-nos de que há trabalhos
meritórios e fundamentais que com esta pandemia ficaram em destaque e que até
agora eram praticamente invisíveis, como por exemplo os auxiliares de saúde e
os trabalhadores da higiene urbana, assim como os pequenos agricultores, etc.
Note-se que não estou a falar de riqueza e pobreza, porque há muita gente que
trabalhou muito para criar impérios que geram trabalho e há quem não faça
rigorosamente nada, estou a falar simplesmente da disparidade de ordenados que
é escandalosa em muitos casos e que requer uma distribuição mais cuidadosa e
justa. Enfim há que restabelecer uma
nova ordem no mundo com destaque também para o papel essencial da Cultura que
não só pode ser uma companhia para a questão da solidão como também educa e
abre horizontes, onde por vezes se “fecha janela”.
4 - Os
movimentos de integração da mulher influenciam no seu cotidiano?
Sim.
Procuro estar atenta, ainda há muita discriminação e mesmo violência contra a
Mulher a nível mundial. E sim estou ligada emocionalmente a alguns destes
movimentos, com os quais já tenho participado através da escrita.
5 - Como você
faz para divulgar os seus escritos ou a sua obra? Percebe retorno nas suas
ações?
Bom é
uma pergunta algo embaraçosa, embora prática e simples, porque eu não sou muito
ambiciosa, às vezes devia ser mais e o meu feitio engana à primeira vista,
devido ao facto de ser extrovertida, pois na verdade sou muito low-profile.
Não uso todas as ferramentas de que disponho, em termos de mediatismo e media e
não em outros termos, porque existe uma
dualidade em mim , não fosse eu gémeos: se por um lado gosto que me leiam e
gostava muito que os meu livros fossem conhecidos do grande público, por outro
lado gosto e privilegio a minha intimidade e a minha vida privada e como
implicitamente ambas estão ligadas, digamos que na verdade não divulgo muito o
meu trabalho. Faço apresentações quando sai uma obra, tenho a graça de que
estão sempre cheias, pelo menos até agora nas quais vendo muito bem e esse
facto tenho que agradecer aos meus leitores, amigos e família; tenho duas
paginas no Facebook uma como autora e outra dos meus livros infantis
@SuzanaDEca e @Matilde a Noite e a Lua, mas não tenho site, instagram, etc,
como autora. Claro que também tenho a minha página pessoal e tenho devo
confessar que estão inúmeros pedidos de amizades pendentes, muitos de colegas
que não conheço ou que conheço mal, apenas como colegas, os quais gostaria que
me contatassem pela minha página de autora e que fosse uma relação literária,
respeitosa e feliz, uma vez que a minha pagina pessoal é para quem conheço e é
meu amigo, o que acho que se entende dado que gosto do meu canto e intimidade.
Portanto tenho duas páginas no Facebook, onde volta e meia divulgo o meu
trabalho para além de outros conteúdos que dizem respeito à Cultura, gosto
muito de ter estas páginas e tenho muito carinho pelos meus leitores, alguns já
são como amigos virtuais; também conto
com os meus editores e com páginas de leitura amigas que gostam o meu trabalho
e me divulgam e a quem estou muito grata; colaboro com algumas revistas online
e dou sempre que me pedem entrevistas, já dei para rádios, televisão RTP,
revistas, páginas literárias. Sou coautora em livros solidários, antologias,
coletâneas, vou por vezes concursos, tenho alguns traillers com o meu
trabalho no canal youtube, enfim um manancial de diversas formas de divulgação,
agora por exemplo, estou a responder a uma entrevista, muito completa para o
Mulherio das Letras e para o Toca a Escrever. Mas não uso muitos
outros recursos, fujo de lóbis e não tenho agente. Claro que quando me empenho ou se alguém se
empenha por mim e a quem fico muito grata percebo o retorno e isso traz-me mais
do que satisfação, uma enorme felicidade interior e deixa um sorriso na minha
face e quase que voo. Mas para mim tudo tem que ser muito natural, embora com
esforço da minha parte nada se concretiza sem trabalho como disse no início
desta entrevista. Porém o retorno tem que surgir com naturalidade porque mereci
e não porque eu quero, não espero nada, se tiver que ser, será. Eu escrevo
porque está na minha natureza e porque um dia se não estiver cá quero que fique
algo de mim, neste mundo como uma pegada suave na areia que o mar namora, mas
que não atinge com a sua orla de espuma e só beija e por isso não chega nunca a
apagar.
6 - Quais os
pontos positivos e negativos do universo da escrita para a mulher?
Se
queremos igualdade em termos de globalidade, independentemente do género sexual,
temos que nos ver como autores independentemente do género sexual. Pontos positivos a grande perspicácia e
intuição feminina. Negativo penso que ainda vivemos numa sociedade com uma
cultura masculina muito enraizada, pelo que o homem continua a ter em termos
media, mais atenção e a ser considerado mais credível infelizmente, e pode-se
constatar através dos tempos gerindo os livros que foram sendo publicados e
publicitados como grandes escritores da humanidade; na sua maioria homens.
7 - O que
pretende alcançar enquanto autora? Cite um projeto a curto prazo e um a
longo prazo.
A
curto prazo é importante divulgar o meu novo livro infantil Matilde, a Noite e
João Pestana. No Reino Dos Animais
Fantásticos, das Edições Vieira da Silva. Na aérea da poesia participei numa
interessante Antologia que reúne poetas galegos e portugueses e também numa coletânea
que reúne poetas brasileiros e lusos. Acho importante rasgarmos fronteiras e
abraçar outras culturas e interagir. A médio
prazo gostava de publicar outro livro de poesia e um de prosa onde reúna os
meus vários contos e a longo prazo um livro…, mas não vou desvendar a forma.
8 - Quais os
temas que gostaria que fossem discutidos nos Encontros Mulherio das Letras em
Portugal?
Livros
que futuro? E qual o papel da Mulher neste futuro enquanto escritora? Qual o
contributo que a literatura feminina pode dar, num futuro próximo e qual a sua
viabilidade em termos pessoais e de mercado?
9 - Sugira uma
autora e um livro que lhe inspira ou influencia na escrita.
Poderia
citar vários nomes de escritores e escritoras que gosto, mas mais uma vez a
sinceridade leva-me a dizer que de certa forma a escrita de Isabel Allendre me influenciou
no que respeita à prosa, assim como o Eça de Queiróz. Tem graça porque acho os
dois muito diferentes e há uma disparidade entre a escritas dos dois
escritores, Tormes, Paris e Chile são distintos, assim como as épocas históricas.
Digamos que o tempo, "esse grande escultor” e o meio geográfico são fatores
determinantes para a escrita, agora ficava aqui a dissecar este tema... Mas as figuras de estilo do Eça e o seu
realismo e o erotismo da Isabel Allendre e um certo despudor, no sentido de
liberdade de escrita de escrever o que sente, de facto são pilares na minha
escrita, embora surjam espontâneos. Diria mais depressa que não tenho
influências, mas se quisermos ir buscar referências, elas estão ali nos autores
que citei, no que respeita à prosa. No que respeita à minha poesia, não sei bem,
embora uma poetiza contemporânea que admiro, a Lília Tavares, uma vez me tenha
dito que no que respeita à minha poesia achava que era um misto da poesia de
Vasco Graça Moura e da Rosa Lobato Faria que conheci muito bem e por quem tenho
um enorme carinho e saudade.
Agora
vamos ao Livro. Um livro que me tenha influenciado, tenho que
dizer o Principezinho de Saint Exupery, pois é sempre uma fonte
inesgotável de inspiração quando escrevo os meus livros infantis e por vezes
também alguns dos meus poemas.
Mas a
ideia aqui era citar um livro que tivesse marcado e escrito por uma mulher/ autora,
pelo que vou escolher o livro “O tempo esse grande escultor “de Marguerritte Yeucenar.
Uma autora
que me tenha influenciado, já tive oportunidade de referir em cima: a Isabel
Allendre. No Entanto no que respeita à poesia a maioria dos poemas brotam de
mim, sem recorra a outro poeta,
simplesmente chegam num rasgo e sou impelida a escrever.
10 - Qual a
pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
A
Pergunta que gostaria que me fizessem seria “Qual a sua maior paixão”?
E a
resposta é sem dúvida a vida. Na vida cabem todas as outras paixões, na vida
cabe tudo e é o maior dom que temos.
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