quarta-feira, 8 de julho de 2020

DEZ PERGUNTAS CONEXÕES ATLÂNTICAS A... GILBERTO LÚCIO DA SILVA


Agradecemos ao autor GILBERTO LÚCIO DA SILVA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 - Como se define enquanto pessoa?

Sou alguém que tenta expressar um conflito básico, que pode vir a afligir todo poeta: como manter o que lhe mobiliza mais profundamente, a fragilidade e a unicidade do que nos torna humanos, em um ambiente sociocultural rigidamente estruturado, que relega a cultura ao improviso ou à mera cópia de mais do mesmo. Em outras palavras, viso manter-me fiel aos valores mais preciosos, que são frutos de um movimento avesso à massificação, em um contexto hostil, que apequena os sonhos e faz da incultura ou do culto ao "concreto" um motivo de orgulho. Talvez algo revoltado, ou apenas em permanente rebuliço, por vezes ensimesmado.

2 - Escrever é uma necessidade ou um passatempo?

Ao escrever, tento cumprir a "missão" proposta em forma de "Lembrete" por Carlos Drummond de Andrade: "Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida." A meu ver, a vida sem poesia é massa amorfa, é subvida, é infravida.

3 - O que é mais importante na escrita, a espontaneidade ou o cuidado linguístico?

No processo criativo, quase sempre procuro seguir o "roteiro" que João Cabral de Melo Neto expôs lindamente: "No papel mineral / qualquer geometria / fecunda a pura flora / que o pensamento cria." Literalmente, deixo fluir as primeiras palavras ou frases e, posteriormente, vou burilando (é assim que sinto) o texto, como uma pedra que precisa ser mais bem polida antes de ser compartilhada.

4 - Em que género literário se sente mais confortável e porquê?

Escrevo muito também em prosa, mas esses textos são mais voltados para questões profissionais. Observo, todavia, que, mesmo em escritos técnicos e acadêmicos, como nas obras “Da família sem pais à família sem paz: violência doméstica e uso de drogas” e “Janus Petrificado: Autoridade, alteridade e estados normopáticos”, faço um uso da palavra de modo mais próximo do formato literário para expressar minhas reflexões. E isso não é um elemento facilitador. Muito ao contrário, costuma causar estranhamento e dificulta, por exemplo, a aceitação de um ensaio em revistas ditas "científicas". Ao fim e ao cabo, penso que a ciência ainda tem muito à aprender com os poetas. Sem dúvida, na atualidade, tenho preferido lançar mão da poesia, que me obriga a ser conciso, a tentar por em poucas frases um sentimento e/ou uma reflexão sobre a vida vivida.

5 - O que pretende transmitir com o que escreve?

Conforme expressei em minha “minibiografia”, todo poema que escrevo me devolve, ao ser feito, algo de mim do qual precisava me apropriar mais e melhor. Escrevo desde que comecei a ter fé no poder das palavras, ainda bem jovem, mas somente tive o atrevimento de publicar poemas na maturidade, quando perdi a estranha vergonha de minhas incompletudes e compreendi que a escrita compõe a busca pelo autoconhecimento. Em suma, ambiciono usar da palavra burilada para tentar dar forma a vida. Escrever é essencialmente viver e saber que se vive.

6 - Quais as suas referências literárias?

Essa é a pergunta mais difícil de todas. Sempre procurei ler de tudo que me caia nas mãos quando criança, e na adolescência e juventude era frequentador assíduo das prateleiras de livrarias, bibliotecas e casa dos parentes com maior apreço pelos livros. Monteiro Lobato povoou minhas fantasias e folguedos, e comecei cedo, mesmo que muitas vezes sem entender direito, a tentar conhecer clássicos da literatura estrangeira e autores brasileiros contemporâneos da década de 1980. Tem dias que estou para Augusto dos Anjos, que usa de todo o rebuscamento permitido pela palavra para dizer das "moléculas de lama" que nos compõem, ou para um soturno Quintana, que nos lembra de ouvir "música como um anjo doente que não pode voar." Noutros, a leveza de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) tudo revela em versos: "Que te diz o vento que passa? / Que é vento, e que passa, / E que já passou antes, / E que passará depois." E ainda em outros, nosso Manoel de Barros reina soberano ao vaticinar: Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. Eu acredito cada vez mais que há muita verdade nisso.

7 - O que acredita ser essencial na divulgação de obras literárias?

Manter o cuidado com a autoria e a qualidade dos textos divulgados. Se possível conciliar esse cuidado com as novas linguagens midiáticas, tanto melhor, para ampliar o público não apenas quantitativamente, mas criando a sensibilidade pelo belo.

8 - O que ambiciona alcançar no universo da escrita?

Tornar-me escritor. Viver da escrita. Se possível, em tempo integral.

9 - Porque participa em trabalhos colectivos?

O fato de estar há mais de três anos lendo e divulgando poesia nas redes sociais (@bomdia.poesia e facebook.com/bomdiapoesia) foi determinante para que percebesse essa oportunidade como um excelente momento para ampliar o público para esse gênero literário, e me aventurar um pouco mais, como digo em um pequeno poema, que publiquei na obra “Poemas de Amor e de Fúria” (2018):

Sempre mais
Meu coração pede sempre mais
Segue, sempre em frente, sem olhar pra trás.
Minha emoção, contida, ainda que fugaz,
Retorna aguerrida, busca contumaz.
Meu sentimento, amplo e firme cais,
Guarda sortilégios e quebrantos traz.
E minha vida, segura ou incapaz,
Repisando sonhos seu caminho faz.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Por que assina como GilLucky em suas postagens e vídeos-poemas?
Gil era meu “nickname” na infância e adolescência. Apesar de tantas agruras vividas pela família, perdas trágicas, erros cometidos e danos sofridos na vida social e sentimental nas primeiras fases, sou um sujeito sortudo no estágio de vida atual. Cultivei amizades fieis, encontrei um amor verdadeiro e sigo ampliando horizontes no âmbito da literatura, o que me deixa sempre comovido e orgulhoso. Vivo um tempo em que tenho condições estruturais e existenciais para criar e divulgar meus sentimentos e reflexões. Nesta época conturbada, em que a morte se armou de surpresa e improviso, entendo ter muitas razões para assim proceder. Ao usar o cognome GilLucky estou sempre reafirmando minha convicção na fortuna de ter conquistado tanto, apesar de tudo.

2 comentários:

  1. Orgulho de ser amiga desse poeta psicólogo querido! Como Freud ele debruçou-se na arte da literatura para a busca do Eu e do Outro.

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  2. Gilberto, querido amigo, obrigada por compartilhar tua existência, ensinamentos, incompletudes, desafios e possibilidades com a Humanidade!!!

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