sábado, 4 de julho de 2020

Descobrir-se Palhaça - ENNE MARX

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Num grande circo de lona bordada, ela entrou. E quando olhou o picadeiro, não acreditou no que via!
Haviam uma saia preta que parecia um balão, um body listrado, um bolero de bolinhas e uns sapatos pretos (maiores que o seu pé). Numa penteadeira, uma redinha amarela, dessas de embalar frutas.
Ainda estava admirando tudo, quando enxergou uma pequena caixinha, que brilhava, do outro lado do picadeiro. Ela correu para abri-la, morrendo de curiosidade. Dentro da pequena caixa dormia um nariz vermelho! Então, entendeu tudo. Era um convite. Ela escutava vozes que diziam: sua vez! As arquibancadas estavam vazias, mas as vozes encheram o grande circo e ela sem hesitar, vestiu-se e foi ao espelho. Como inevitável, colocou o nariz.
De repente apareceu um outro palhaço.

– Quem é você, palhaça?
– Não sou palhaça. Encontrei essas coisas aqui e...
– Quer aprender a fazer rir?

Ela balançou a cabeça afirmativamente. Então ele falou: – Você tem que se matar. Ela tentou várias mortes (como um palhaço se mataria?): se jogar no chão, imaginar uma corda enforcando-a, sentir seu coração estrebuchando na mão, mas, nada acontecia! E ela simplesmente gritou:

– Eu vou me maaaaaaaaatar!

Então ele esboçou uma pequena risada. E de novo ele perguntava e ela respondia, e as pessoas começaram a rir, a rir... Então, ela sentiu seu corpo inteiro vibrar. Ainda não sabia, mas estava no “estado” de palhaça, o que garantia um passo para o seu divertimento e o dos outros. A palhaça viria a nascer ali. A morte fora o passaporte para essa outra dimensão. Sentiu vontade de rir de si mesma, do ridículo que parecia toda aquela situação, rir do seu desespero de tentar fazer rir... Sim, os risos vieram, e dali por diante ela queria ficar ali, exposta, divertindo os outros, sendo palhaça! O que ela ainda não sabia é que a sua fragilidade ali, inteira, revelara o seu mais profundo Eu, onde transita a graça, sincera, honesta, orgânica. Um longo caminho então, seria percorrido dali em diante...

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - COLECTÂNEA - IN-FINITA

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