Agradecemos à autora CEILA MARIA FERREIRA pela disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 - Qual a sua percepção para essa pandemia mundial?
Acho que as desigualdades estão cada vez mais visíveis e,
espero, que a gente consiga acordar para a necessidade de trilhar caminhos de
construção de um mundo justo, sem racismo, sem misoginia, sem homofobia, em que
saúde e educação não sejam mercadorias; em que as pessoas e os demais seres
vivos sejam respeitados e que a vida no e do nosso Planeta seja preservada.
Neste momento, o Brasil está vivendo um pesadelo e cada vez mais
fica patente que sem justiça social não há nem haverá paz. Também estamos
vivenciando um processo de escancaramento da importância dos serviços públicos,
num momento em que tais serviços são fortemente atacados pela política
empreendida no país desde o Golpe de 2016 e ampliada nesse governo.
Além disso, percebo que o modo como vivemos é insustentável e
está destruindo nosso Planeta, nossa única casa, como disse Carl Sagan. E a vida
é o que temos, inclusive, para resistir, lutar, sonhar, amar e escrever
precisamos estar vivas e vivos.
Com essa pandemia, também fica patente a fragilidade da vida. Há
mudanças quando menos esperamos, algumas bruscas, e temos de cuidar de nós
mesm@s, das outras pessoas e da vida em geral. Aliás, a esfera do coletivo é
uma dimensão muito embotada no sistema em que vivemos, apesar de afetar
imensamente a vida particular de tod@s nós. Temos que pensar mais no coletivo.
2 - Enquanto autora, esse momento afetou o seu processo
produtivo? Em tempos de quarentena, está menos ou mais inspirada?
Afetou. Estamos diante de uma grande calamidade. Muitas pessoas
morreram e estão morrendo num curto espaço de tempo. Não dá para não afetar. É
muito triste. Ainda não temos uma vacina ou um remédio comprovadamente eficaz
contra a COVID-19. Há uma grande e invisível ameaça contra tod@s nós: o novo
coronavírus. Fora a situação do Brasil e acontecimentos extremamente tristes e
revoltantes como, por exemplo, a morte do menino Miguel, que caiu do nono andar
de um prédio no Recife.
3 - Quando isso passar, qual a lição que ficou?
Que devemos viver um dia depois do outro, valorizar mais o
presente, as pessoas que amamos, a vida,
combatendo as opressões, sem jamais perdermos a ternura, como disse um grande
revolucionário latino-americano. Além disso, entender que não vivemos, nem
antes da pandemia, numa normalidade. Como pode haver ainda hoje pessoas que
morrem de fome?
4 - Os movimentos de integração da mulher influenciam no seu
cotidiano?
Muito. O Brasil é um país de muita desigualdade. A democracia aqui
ainda é frágil e o acesso de pessoas que não são das elites econômicas à, por
exemplo, escrita, à publicação e à divulgação da literatura ainda é bastante limitado.
Além disso, há quem ainda veja nós, mulheres, como menos capazes do que os
homens.
Coletivos e movimentos como o Mulherio das Letras, por exemplo,
são fundamentais para a produção da literatura por mulheres que têm dificuldades
de acesso a editoras. Tais movimentos também contribuem para o fortalecimento da
identidade de mulheres como autoras de literatura e nos aproxima também de
outras escritoras, alimentando a sororidade.
O que seria de nós sem a luta das mulheres por direitos?
Acho que sem esses movimentos não estaria participando desta
entrevista.
5 - Como você faz para divulgar os seus escritos ou a sua obra?
Percebe retorno nas suas ações?
Procuro divulgá-los na Internet, já que é muito difícil o acesso
à mídia tradicional aqui no Brasil.
Participo também de antologias, de coletâneas e de reuniões de
escritoras, como as do Mulherio das Letras Rio.
Com frequência, publico no blog Crítica e Arte (https://ceilaferreira.blogspot.com/), mas ainda não tenho muitas e muitos leitores, sonho
de todas e todos que escrevemos.
Acerca do retorno das minhas ações de divulgação, ainda há pouco
retorno, mas nada como um dia depois do outro e coletivos que contribuam para o
aumento de debates sobre a necessidade de maior divulgação de obras escritas
por mulheres. Aliás, nós, mulheres, fazemos parte de grande parcela da
população e nossa fala, nosso discurso, nossa subjetividade estiveram relegadas quase ao recolhimento completo durante anos.
6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita
para a mulher.
Vou começar pelos negativos, como numa brincadeira que se faz
muito aqui no Brasil. Bem, vivemos, como sabemos, num mundo muito marcado pelo
machismo e as produções, especialmente, de autores homens e brancos são
geralmente mais divulgadas, valorizadas, reconhecidas. Contudo, isto vem
mudando, inclusive, com a atuação de coletivos e movimentos como o Mulherio das
Letras.
Há também uma espécie de apagamento da escrita de mulheres, o
que também vem sendo mais criticado por núcleos de estudos da mulher na literatura,
como, por exemplo, o NIELM da UFRJ
(http://nielmufrj.blogspot.com/2010_09_01_archive.html),
que trazem ao público nomes e obras de autoras que foram esquecidas.
Dentre os pontos positivos está o de que a literatura escrita
por mulheres vai, inclusive, contribuir para o fortalecimento das mulheres como
indivíduos e para a construção de sociedades mais igualitárias e democráticas,
combatendo assim o patriarcado.
7 - O que pretende alcançar enquanto autora? Cite um projeto a
curto prazo e um a longo prazo.
Sobre meus projetos como autora, a curto prazo, pretendo
terminar, em julho do próximo ano, meu segundo romance. Ele recebeu o título
provisório de Sobre a natureza das coisas (tenho um romance publicado, A Mulher
do Dia, que recebeu o Prêmio Clarice Lispector da Diretoria da UBE-RJ, em 2011).
A longo prazo, pretendo construir uma obra literária,
concomitante com a de professora/pesquisadora da Universidade Federal
Fluminense (UFF), e ser conhecida e reconhecida como escritora.
8 - Quais os temas que gostaria que fossem discutidos nos Encontros
Mulherio das Letras em Portugal?
Um tema que considero de grande importância: A democratização da
produção, da publicação e da divulgação da literatura produzida por escritoras
lusófonas na Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).
9 - Sugira uma autora e um livro que lhe inspira ou influencia
na escrita.
Heloisa Maranhão e o romance Lucrécia, além de Ana Maria
Gonçalves e Um defeito de cor.
10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como
responderia?
Já encontrou uma editora que tenha interesse em publicar uma
segunda edição revista e ampliada de seu romance premiado, A Mulher do Dia,
que se passa no Brasil e em Portugal, mas que quase não teve divulgação?
Ainda não, mas estou à procura e tenho esperança de encontrar.
Vocês conhecem alguma editora que tenha interesse em publicá-lo?
Que beleza de entrevista! Faço-me sempre uma indagação em comum: Como pessoas ainds podem morrer de fome no mundo?
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