sexta-feira, 1 de maio de 2020

DEZ PERGUNTAS MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - SANDRA RAMOS


Agradecemos à autora SANDRA RAMOS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1. Qual a sua percepção para essa pandemia mundial?

À parte os receios em termos de saúde pública, esta situação permite efectuar uma observação muito profunda sobre a humanidade e a facilidade, ou não, de alterar os seus hábitos  em prol do bem comum. Contudo, penso que o mais importante a tirar desta situação, é a necessidade de ponderar mudanças no comportamento, como sendo o retorno ao essencial, o cuidado com o ambiente e com os outros,  bem como desenvolver conceitos como o teletrabalho ou a auto-suficiência, até aqui tidos em pouca consideração.

2. Enquanto autora, esse momento afectou o seu processo produtivo? Em tempos de quarentena, está mais ou menos inspirada?

Afectou, mas de forma positiva. Por um lado, o maior tempo em casa conjugado com o tele trabalho permitiu alargar o dia útil, sem tempos perdidos no trânsito ou em actividades diversas no exterior. Por outro, penso que este período exaltou a sensibilidade, inicialmente de uma forma temerosa, mas que rapidamente se espraiou a outros níveis, como o convívio mais intenso com os nossos, ou a solidariedade social. O retorno ao essencial também permitiu pensar em temas que muitas vezes passam despercebidos entre os dias rotineiros.

3. Quando isto passar, qual a lição que ficou?

Percebermos que precisamos de muito menos, e que o básico é mesmo o imprescindível afecto.

4. Os movimentos de integração da mulher influenciam no seu cotidiano?

Este período coincidiu, em Portugal, com a comemoração do 25 Abril, revolução que pôs fim a décadas de ditadura. Nesse sentido, e tendo participado em eventos onde houve partilha de poemas e músicas temáticas, dei por mim a pensar que, sobretudo sendo mulher, talvez não pudesse manifestar-me ou escrever da forma que escrevo, num regime patriarcal e de visibilidade contida para o sexo feminino.

5. Como você faz para divulgar os seus escritos ou a sua obra. Percebe retorno das suas acções?

Tenho uma página de autor - Escrevinhar/Sandra Ramos - onde divulgo tudo o que escrevo. Nesta página partilho poesia, prosa e crónicas escritas originalmente na revista Repórter Sombra, bem como promovo alguns eventos com vista à divulgação de outros autores ou incremento da participação dos 12.000 seguidores. Participo adicionalmente em eventos de escrita nas redes sociais e na rádio, e também em  algumas Colectâneas. O retorno tem sido muito positivo, não só ao nível dos seguidores e do relacionamento gerado, mas também do conhecimento de outras pessoas que escrevem, e a quem reconheço grande mérito.

6. Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita para a mulher?

O ponto positivo é a aceitação plena da escrita como meio de expressão duma sensibilidade que é aceite de forma generalizada como mais intensa do que o universo masculino. O ponto negativo tem a ver com alguma dificuldade de aceitação, ou apenas espanto, com o tratamento de temas que não se relacione apenas com o amor, ou a ternura quase infantil, essencialmente se se escreve de forma mais assertiva, muitas vezes tomada como agressiva, imbuída de ironia ou sarcasmo. Não é aceite da mesma forma, não se espera ainda tais sentimentos dum ser historicamente delicodoce.

7. O que pretende alcançar enquanto autora? Cite um projecto a curto prazo e um a longo prazo.

Neste momento pretendo continuar a divulgar a minha página, inovando nas rubricas que vou desenvolvendo, bem como solidificar parcerias que foram surgindo naturalmente. A curto prazo, estou a considerar aceitar um convite para desenvolvimento dum projecto numa radio, que entretanto foi postecipado pela pandemia. A longo prazo, eventualmente publicar o meu primeiro livro, mas  ainda sem data concreta ou ideia definida.

8. Quais os temas que gostaria que fossem discutidos nos Encontros do Mulherio das Letras em Portugal?

A versatilidade e amplitude da escrita feminina nos vários géneros, desde a sensibilidade maior à critica mordaz, à técnica pura ou ao romance.

9. Sugira uma autora e um livro que lhe inspira ou influencia na escrita.

Não é segredo que a Alice Viera é aquilo que designo como o meu ídolo de menina. Primeiro pela escrita, que lia quando era criança, e que achava duma proximidade mental extraordinária ao mundo infantil, como se não tivesse perdido a capacidade de ver o mundo e sobretudo não se ter esquecido de como pensa a miudagem. Depois, mais velha, descobri a mulher resiliente, humilde e muito acessível, que faz dela um Ser Grande no seu metro e meio de gente. Aproveito para agradecer à Adriana Mayrick, que ma  apresentou pessoalmente, e permitiu a realização de um sonho de uma menina de tranças.

10.   Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Como se sobrevive neste meio? Esta pergunta tem várias vertentes: financeiramente é muito complexo, e poucos ascendem a esse nível, a maior parte trabalha em áreas diferenciadas, mas afecta os seus tempos livres neste prazer que é a escrita. A divulgação de novos autores é diminuta, e há ainda uma grande desvalorização do mérito versus máquina de marketing. Noutra perspectiva, há muita gente a escrever, mas para mim o essencial é escrever o que se gosta, sem pensar na maior ou menor receptividade pública, até porque acho que só pela via da autenticidade se chega àqueles que de facto nos poderão apreciar.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Toca a falar disso