Agradecemos à autora SANDRA RAMOS pela disponibilidade em responder ao nosso questionário
1. Qual a sua
percepção para essa pandemia mundial?
À parte os receios em
termos de saúde pública, esta situação permite efectuar uma observação muito
profunda sobre a humanidade e a facilidade, ou não, de alterar os
seus hábitos em prol do bem comum. Contudo, penso que o mais
importante a tirar desta situação, é a necessidade de ponderar mudanças no
comportamento, como sendo o retorno ao essencial, o cuidado com o ambiente
e com os outros, bem como desenvolver conceitos como o teletrabalho ou a
auto-suficiência, até aqui tidos em pouca consideração.
2. Enquanto
autora, esse momento afectou o seu processo produtivo? Em tempos de quarentena,
está mais ou menos inspirada?
Afectou, mas de forma
positiva. Por um lado, o maior tempo em casa conjugado com o tele trabalho permitiu
alargar o dia útil, sem tempos perdidos no trânsito ou em actividades diversas
no exterior. Por outro, penso que este período exaltou a sensibilidade,
inicialmente de uma forma temerosa, mas que rapidamente se espraiou a outros
níveis, como o convívio mais intenso com os nossos, ou a solidariedade social.
O retorno ao essencial também permitiu pensar em temas que muitas vezes passam
despercebidos entre os dias rotineiros.
3. Quando isto
passar, qual a lição que ficou?
Percebermos que
precisamos de muito menos, e que o básico é mesmo o imprescindível afecto.
4. Os movimentos de
integração da mulher influenciam no seu cotidiano?
Este período
coincidiu, em Portugal, com a comemoração do 25 Abril, revolução que pôs fim a
décadas de ditadura. Nesse sentido, e tendo participado em eventos onde houve
partilha de poemas e músicas temáticas, dei por mim a pensar que, sobretudo
sendo mulher, talvez não pudesse manifestar-me ou escrever da forma que
escrevo, num regime patriarcal e de visibilidade contida para o sexo feminino.
5. Como
você faz para divulgar os seus escritos ou a sua obra. Percebe retorno das
suas acções?
Tenho uma página de autor
- Escrevinhar/Sandra Ramos - onde divulgo tudo o que escrevo. Nesta
página partilho poesia, prosa e crónicas escritas originalmente na revista
Repórter Sombra, bem como promovo alguns eventos com vista à divulgação de
outros autores ou incremento da participação dos 12.000 seguidores. Participo
adicionalmente em eventos de escrita nas redes sociais e na rádio, e também
em algumas Colectâneas. O retorno tem sido muito positivo, não só
ao nível dos seguidores e do relacionamento gerado,
mas também do conhecimento de outras pessoas que escrevem, e a quem
reconheço grande mérito.
6. Quais os
pontos positivos e negativos do universo da escrita para a mulher?
O ponto positivo é a
aceitação plena da escrita como meio de expressão duma sensibilidade que é
aceite de forma generalizada como mais intensa do que o universo masculino. O
ponto negativo tem a ver com alguma dificuldade de aceitação, ou apenas
espanto, com o tratamento de temas que não se relacione apenas com o amor, ou a
ternura quase infantil, essencialmente se se escreve de forma mais assertiva,
muitas vezes tomada como agressiva, imbuída de ironia ou sarcasmo. Não é aceite
da mesma forma, não se espera ainda tais sentimentos dum ser historicamente
delicodoce.
7. O que pretende
alcançar enquanto autora? Cite um projecto a curto prazo e um a longo prazo.
Neste momento pretendo
continuar a divulgar a minha página, inovando nas rubricas que vou
desenvolvendo, bem como solidificar parcerias que foram surgindo naturalmente.
A curto prazo, estou a considerar aceitar um convite para desenvolvimento dum projecto
numa radio, que entretanto foi postecipado pela pandemia. A longo prazo,
eventualmente publicar o meu primeiro livro, mas ainda sem data concreta
ou ideia definida.
8. Quais os temas
que gostaria que fossem discutidos nos Encontros do Mulherio das Letras em
Portugal?
A versatilidade e
amplitude da escrita feminina nos vários géneros, desde a sensibilidade maior à
critica mordaz, à técnica pura ou ao romance.
9. Sugira uma
autora e um livro que lhe inspira ou influencia na escrita.
Não é segredo que a
Alice Viera é aquilo que designo como o meu ídolo de menina. Primeiro pela
escrita, que lia quando era criança, e que achava duma proximidade mental
extraordinária ao mundo infantil, como se não tivesse perdido a capacidade de
ver o mundo e sobretudo não se ter esquecido de como pensa a miudagem. Depois,
mais velha, descobri a mulher resiliente, humilde e muito acessível, que faz
dela um Ser Grande no seu metro e meio de gente. Aproveito para agradecer à
Adriana Mayrick, que ma apresentou pessoalmente, e permitiu a realização
de um sonho de uma menina de tranças.
10. Qual
a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Como se sobrevive
neste meio? Esta pergunta tem várias vertentes: financeiramente é muito
complexo, e poucos ascendem a esse nível, a maior parte trabalha em áreas
diferenciadas, mas afecta os seus tempos livres neste prazer que é a escrita. A
divulgação de novos autores é diminuta, e há ainda uma grande desvalorização do
mérito versus máquina de marketing. Noutra perspectiva, há muita gente a
escrever, mas para mim o essencial é escrever o que se gosta, sem pensar na
maior ou menor receptividade pública, até porque acho que só pela via da
autenticidade se chega àqueles que de facto nos poderão apreciar.
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