domingo, 26 de abril de 2020

Em tempos de quarentena - SARA TIMÓTEO


“Vai ficar tudo bem”

Não te preocupes,
Vai ficar tudo bem.

Os mortos na Índia
(até em Espanha)
Continuarão a ser uma estatística
E até que os membros te pesem
Sobre essa carapaça que envergas
E os olhos se te cerrem de tanta febre,
Poderás continuar a construir
Esse palanque a partir do qual proferes o teu discursozinho
E vendes a tua arte ou uns sabonetes perfumados
Esse palanque que te serve de palco para mostrares como és bom, útil
E necessário.

“Morreu uma criança devido a complicações causadas pelo novo coronavírus.”
Não é possível! O vírus não afeta crianças.
Decerto os senhores doutores se enganaram na autópsia.
Talvez não exista, sequer, um coronavírus
-e seja apenas uma gripe ou um mal de laboratório
com consequências mais acentuadas
Para os fracos, sobretudo para os idosos, que
também não fazem grande falta.

-Regressemos ao trabalho!
(o meu amigo morreu)
-Não paremos a produção!
(coitado, já tinha outros problemas;
O facto de ter estado ligado
Durante três semanas ao ventilador
Foi uma mera coincidência)
- Contra os lorpas marchar, marchar!
Ah! Sabe-se que “vai ficar tudo bem”
Muito em breve…

Vende os teus sabonetes, arte, danças, ideias, discursos, e o que mais puderes
É aproveitar
Enquanto choram
Antes de ficar
Tudo (realmente)
Bem.

O resto é apenas uma estatística.

Sara Timóteo

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