sábado, 25 de abril de 2020

DEZ PERGUNTAS MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL - SARA TIMÓTEO


Agradecemos à autora SARA TIMÓTEO pela disponibilidade em responder ao nosso questionário

1 – Qual a sua percepção para essa pandemia mundial?

É uma pandemia que veio colocar em causa a forma como pensamos o que vivemos e também a forma como nos deslocamos e comunicamos.

2 – Enquanto autora, esse momento afetou o seu processo produtivo? Em tempos de quarentena, está menos ou mais inspirada?

Creio que este momento me trouxe, com maior acutilância, a necessidade de distinguir o supérfluo do essencial e de refletir sobre o impacto daquilo que escrevo em mim e nas outras pessoas.

Encontro-me bastante inspirada, embora não possa concretizar essa inspiração de forma tão assídua quanto gostaria, por razões profissionais.

3 – Quando isso passar, qual a lição que ficou?

Perdemos muito tempo com coisas que não interessam, nomeadamente a alimentar o nosso ego e a distração da nossa mente. Há formas mais eficientes e eficazes de agirmos em comunidade e em sociedade, e a solução consiste, a meu ver, numa atitude colaborativa, mais do que competitiva. Esta é a primeira parte da lição.

A segunda parte, e vou dizê-lo de uma forma muito direta, é que, para o planeta Terra, nós somos uma praga e que o equilíbrio ambiental ganharia muito com a nossa extinção enquanto espécie.

4 - Os movimentos de integração da mulher, influenciam no seu cotidiano?

Sim, graças a esses movimentos posso exprimir o meu pensamento e os meus sentimentos; não me encontro escravizada pela obrigação de procriar e de me submeter ao meu pai e ao meu marido. Posso ganhar o meu sustento e aprender tanto quanto quiser.

5 – Como você faz para divulgar os seus escritos ou a sua obra? Percebe retorno nas suas ações?

Deveria divulgar mais o que escrevo, mas por vezes o tempo escasseia e opto sempre por escrever em detrimento de comparecer a eventos. Sem criar, um autor morre.

O maior retorno que tenho vem de três situações que estabelecem uma relação de nicho com o mercado editorial lusófono: a) os prémios literários, b) a minha prestação como júri e/ou revisora em relação a determinadas obras e c) o apoio da produtora In-Finita e da parceria Sui Generis/EuEdito, que têm ampliado a minha rede de leitores e contactos de uma forma que nunca imaginei. Sou muito grata a tod@s os que me ajuda(ra)m e acredita(ra)m em mim ao longo deste percurso de quase dez anos desde a publicação do meu primeiro livro.

6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita para a mulher?

Por norma, associa-se a escrita para a mulher a um registo mais intimista, o que pode constituir-se como um ponto simultaneamente positivo e negativo; positivo, porque se reconhece uma dimensão de empatia e de observação que os leitores procuram para se (re)conhecerem ao ler o livro escrito por uma autora; negativo, porque disto parece decorrer que a escrita para a mulher é incapaz de ser incisiva e objetiva, o que se pode revelar limitador no acesso a um universo mais vasto de leitores. A construção da credibilidade no projeto autoral feminino está muito aquém da assunção tácita da mesma em qualquer projeto autoral masculino.

7 – O que pretende alcançar enquanto autora? Cite um projeto a curto prazo e um a longo prazo.

Terminei há três dias uma peça de teatro para adultos protagonizada por duas mulheres que passaram por situações de violência e que perpetuam esse ciclo; violentam-se uma à outra. Quase de forma paralela, terminei uma peça de teatro destinada a crianças até aos 12 anos que aborda os atrevimentos do plástico por reciclar.

A médio prazo, estou a trabalhar em poesia radicada numa experiência de genocídio e numa obra com contornos pós-apocalípticos.

Interessa-me combater este registo que, sob o pretexto de ser lírico, se centra demasiado na experiência do autor e não deixa espaço para as palavras e as narrativas serem outras que não as nascidas de processos autofágicos.

Hoje em dia, trabalha-se muito pouco a alteridade, o que converte a escrita numa espécie de acessório de moda mais ou menos ajustado à personalidade do senhor(a) doutor(a) autor(a). E, para mim, a literatura não tem absolutamente nada a ver com este tipo de escrita.

8 – Quais os temas que gostaria que fossem discutidos nos Encontros Mulherio das Letras em Portugal?

Em primeiro lugar, gostaria de ver abordado o luto das mulheres em relação a assuntos raramente discutidos em praça pública: filhos que não chegaram a nascer, noivados que não chegaram ao seu termo, coisas que ficaram por dizer aos pais já falecidos de quem as mulheres cuidaram e violações não consumadas.

Gostaria também de sugerir o desenvolvimento de um diálogo em torno do que a pobreza faz a uma mulher, nomeadamente em que aspetos condiciona as suas escolhas em relação aos bens que a família consome, aos cuidados de saúde dela e dos que estão a seu cargo e ao parceiro.

9 - Sugira uma autora e um livro que lhe inspira ou influencia na escrita.

Todos os de Clarice Lispector, Hélia Correia, Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Sophia – mulheres que abordam o assombro e a ferocidade da vida com um sentido de proporção irrepreensível.

10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?

Por que ama a literatura? Porque tudo o resto é, de facto, silêncio (embora muito estrídulo).

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