Agradecemos à autora SARA TIMÓTEO pela disponibilidade em responder ao nosso questionário
1 – Qual a sua percepção para essa pandemia mundial?
É uma pandemia que veio colocar em causa a forma como pensamos o
que vivemos e também a forma como nos deslocamos e comunicamos.
2 – Enquanto autora, esse momento afetou o seu processo produtivo? Em tempos de quarentena, está menos ou mais inspirada?
Creio que este momento me trouxe, com maior acutilância, a
necessidade de distinguir o supérfluo do essencial e de refletir sobre o
impacto daquilo que escrevo em mim e nas outras pessoas.
Encontro-me bastante inspirada, embora não possa concretizar
essa inspiração de forma tão assídua quanto gostaria, por razões profissionais.
3 – Quando isso passar, qual a lição que ficou?
Perdemos muito tempo com coisas que não interessam, nomeadamente
a alimentar o nosso ego e a distração da nossa mente. Há formas mais eficientes
e eficazes de agirmos em comunidade e em sociedade, e a solução consiste, a meu
ver, numa atitude colaborativa, mais do que competitiva. Esta é a primeira
parte da lição.
A segunda parte, e vou dizê-lo de uma forma muito direta, é que,
para o planeta Terra, nós somos uma praga e que o equilíbrio ambiental ganharia
muito com a nossa extinção enquanto espécie.
4 - Os movimentos de integração da mulher, influenciam no seu cotidiano?
Sim, graças a esses movimentos posso exprimir o meu pensamento e
os meus sentimentos; não me encontro escravizada pela obrigação de procriar e
de me submeter ao meu pai e ao meu marido. Posso ganhar o meu sustento e
aprender tanto quanto quiser.
5 – Como você faz para divulgar os seus escritos ou a sua obra? Percebe retorno nas suas ações?
Deveria divulgar mais o que escrevo, mas por vezes o tempo
escasseia e opto sempre por escrever em detrimento de comparecer a eventos. Sem
criar, um autor morre.
O maior retorno que tenho vem de três situações que estabelecem
uma relação de nicho com o mercado editorial lusófono: a) os prémios
literários, b) a minha prestação como júri e/ou revisora em relação a
determinadas obras e c) o apoio da produtora In-Finita e da parceria Sui Generis/EuEdito,
que têm ampliado a minha rede de leitores e contactos de uma forma que nunca
imaginei. Sou muito grata a tod@s os que me ajuda(ra)m e acredita(ra)m em mim
ao longo deste percurso de quase dez anos desde a publicação do meu primeiro
livro.
6 - Quais os pontos positivos e negativos do universo da escrita para a mulher?
Por norma, associa-se a escrita para a mulher a um registo mais
intimista, o que pode constituir-se como um ponto simultaneamente positivo e
negativo; positivo, porque se reconhece uma dimensão de empatia e de observação
que os leitores procuram para se (re)conhecerem ao ler o livro escrito por uma
autora; negativo, porque disto parece decorrer que a escrita para a mulher é
incapaz de ser incisiva e objetiva, o que se pode revelar limitador no acesso a
um universo mais vasto de leitores. A construção da credibilidade no projeto
autoral feminino está muito aquém da assunção tácita da mesma em qualquer
projeto autoral masculino.
7 – O que pretende alcançar enquanto autora? Cite um projeto a curto prazo e um a longo prazo.
Terminei há três dias uma peça de teatro para adultos
protagonizada por duas mulheres que passaram por situações de violência e que perpetuam
esse ciclo; violentam-se uma à outra. Quase de forma paralela, terminei uma
peça de teatro destinada a crianças até aos 12 anos que aborda os atrevimentos
do plástico por reciclar.
A médio prazo, estou a trabalhar em poesia radicada numa
experiência de genocídio e numa obra com contornos pós-apocalípticos.
Interessa-me combater este registo que, sob o pretexto de ser
lírico, se centra demasiado na experiência do autor e não deixa espaço para as
palavras e as narrativas serem outras que não as nascidas de processos
autofágicos.
Hoje em dia, trabalha-se muito pouco a alteridade, o que
converte a escrita numa espécie de acessório de moda mais ou menos ajustado à
personalidade do senhor(a) doutor(a) autor(a). E, para mim, a literatura não
tem absolutamente nada a ver com este tipo de escrita.
8 – Quais os temas que gostaria que fossem discutidos nos Encontros Mulherio das Letras em Portugal?
Em primeiro lugar, gostaria de ver abordado o luto das mulheres
em relação a assuntos raramente discutidos em praça pública: filhos que não
chegaram a nascer, noivados que não chegaram ao seu termo, coisas que ficaram
por dizer aos pais já falecidos de quem as mulheres cuidaram e violações não
consumadas.
Gostaria também de sugerir o desenvolvimento de um diálogo em
torno do que a pobreza faz a uma mulher, nomeadamente em que aspetos condiciona
as suas escolhas em relação aos bens que a família consome, aos cuidados de
saúde dela e dos que estão a seu cargo e ao parceiro.
9 - Sugira uma autora e um livro que lhe inspira ou influencia na escrita.
Todos os de Clarice Lispector, Hélia Correia, Lídia Jorge,
Teolinda Gersão, Sophia – mulheres que abordam o assombro e a ferocidade da
vida com um sentido de proporção irrepreensível.
10 - Qual a pergunta que gostaria que lhe fizessem? E como responderia?
Por que ama a literatura? Porque tudo o resto é, de facto,
silêncio (embora muito estrídulo).
Sem comentários:
Enviar um comentário
Toca a falar disso