quinta-feira, 11 de abril de 2019

MEIO A MEIO (excerto) - ANA VALÉRIA FINK

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Não sei muito bem como contar. Porque não sei muito bem como começar. Porque não sei muito bem como devo referir-me a eles – penso que desconheço a moderna nomenclatura para os pares. Até onde estou inteirada, se isso ainda voga, se dois se relacionam sem nenhum tipo de compromisso, seriam ficantes; se admitirem uma constância, passariam a namorados; se cometerem a promessa de compromisso, mais adiante, mas ainda vivem cada qual no seu local, noivos; se oficializam a parceria, via lei dos homens ou divina, esposos, ou marido e mulher. Mas, e quando se envolvem, não oficialmente, e vivem sob o mesmo teto? Mais: sob o mesmo forro, que é o mesmo abrigo, mas visto de dentro, o que conota muito mais intimidade? Ou seja, partilham o mesmo dormitório, mas não se limitam a usá-lo somente para o que a denominação sugere? Decididamente, os termos pejorativos (concubinos, amásios) recuso-me a utilizar, e, amantes, até que soa bem, mas usualmente não se aplica a quem compartilhe morada.
Portanto, em meio a tantas opções, mas na falta de terminologia mais adequada, diria que ela era meio casada. Ou diria que tinha meio que um marido. Maria Aparecida, o nome dela – e fazia questão de que a chamassem assim. Na verdade, ela só atendia quando se dirigiam a ela com a pompa, pelo nome composto. O único que não o fazia, e não havia meio de convencê-lo, era ele, o tal meio que marido. Chamava-a por meio nome, melhor – ou pior –, por metade ainda do meio nome: Cida. Ela bem que às vezes esboçava uma revolta, e pensava em não responder. Mas como ele já quase não lhe dava atenção, não convinha perder a pouca que tinha, quando tinha. Não podia se dar ao luxo de correr o risco de embolar mais ainda o meio de campo. Difícil, uma relação pela metade, sempre aos entremeios. Sentia que ele só tinha para ela meia-escuta, pois às suas perguntas respondia com meias palavras... isso quando não acontecia dela fazer uma indagação, e ele deixar a resposta pelo meio.

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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