sexta-feira, 19 de abril de 2019

FUI EU! FUI EU! FUI EU! (OU CLICHÊS E CONTEXTO) - CATITA

LIVRO GENTILMENTE OFERECIDO POR IN-FINITA
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[23h] [eles]
– Eu devia te colocar pra fora de casa hoje! Mas eu vou te dar uma chance: quem sabe uma noite no sofá refresca a sua memória?
– Mas eu...
Blam! Bate forte a porta do quarto.
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– Eu juro que não sei como isso aconteceu. Eu não fiz nada. Você é o único amor da minha vida. Eu jamais te traí, nem te trairia, ainda mais agora, que estamos tão bem: casa nova, emprego novo...
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[19h30] [ela]
– Ei, o que é isso? (desatando-se bruscamente do abraço). Não acredito! Quem é ela? Que cara de pau! Como você pôde fazer isso com a gente? E nem tentou esconder. Queria mesmo que eu pegasse? É isso? Nossa história termina assim, nesse descaramento?
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[14h] [um]
– Aí, hein, cara?! Gostei de ver! O amor se espalha no ar! Pra quê vergonha, né, não?!
– ???
– Só não vai perder totalmente a compostura, viu? Conselho de amigo: você é novo no emprego, não exagera na descontração.
– Mas, como assim? Sobre o que você...
– Sem crise, cara! Tô julgando não. É só um toque. Valeu?! Fui!
– ???
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[09h] [ele]
Por que será que elas estão agindo assim? Essas risadinhas, alguns olhares duros, questionadores, outros parecem... insinuantes! Não, é loucura minha. Mas, e eles? Mal os conheço, por que esse olhar tão cúmplice? Droga. E como é que faz essa planilha mesmo?
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[06h40] [eu]
“Próxima estação Sé. Acesso à Linha 1 – Azul. Desembarquem pelo lado esquerdo do trem.”
Qualquer comparação que se faça – lata de sardinha, pau de arara, estufa de granja, carro de boi (sem lirismo, Rosa!) - é válida, mas insuficiente. Insuportável? E como conseguimos passar por isso todos os dias? Não conseguimos: estamos submetidos aos empurrões, cotoveladas, pisões, apertos, calor, capacidade máxima de lotação, velocidade reduzida, maior tempo de parada. Todos os dias. Às caras feias, aos xingamentos, às (quase) brigas, à falta de educação. Todos os dias.
Mas hoje foi muito pior. Praticamente sem tocar os pés no chão e sem alcançar barra de apoio horizontal ou vertical, quando o mar de gente irrompeu, fui lançada com tal violência que, por milésimos de segundos, senti-me voando... direto a um colarinho azul-celeste impecavelmente engomado. Ei, moço! Ele nem me ouviu.
E lá se foi, sabe Deus para onde, meu beijo involuntário no dia de estréia do vermelho terroso...

EM - MULHERIO DAS LETRAS PORTUGAL (PROSA E CONTOS) - ANTOLOGIA - IN-FINITA

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