Tempos de Bauman
Vivemos numa cibersociedade. Ainda é possível encontrar culturas agrafas? Raras por certo. O que está realmente na ordem do dia são as novas sociabilidades, as relações ou conexões cibernéticas. Quando algo dessa natureza acontece feito avalanche em termos de rapidez e descarte, vai se tornando mesmo difícil encontrar, desenvolver um código de gentilezas. Não falo em ética, algo mais profundo na escala do conhecimento. Falo de gentileza, porque é o que vem dessa esfera mais à derme do humano. Também não falo em humanismo, outra demanda conceitual. Quero falar da gentileza que está na base primeira do conviver - viver com. Gentileza como ação cotidiana, a da rotina mais usual entre os seres. O gesto, uma palavra de afabilidade, um aceno, um elogio, um gesto herdado do levantar dos elmos diante mesmo do inimigo.
Penso nessas relações líquidas, frágeis, instantâneas, das novas sociabilidades que giram nas mídias sociais e confesso sentir antipatia pelo desrespeito, por mensagens que agridem, causam dor. Claro que o ódio sempre existiu, mas a dinâmica das redes sociais amplificou, tirou do armário os que ainda tinham certo constrangimento de expor o machismo, racismo, xenofobia, fascismo etc. Mas sobre a gentileza há algo mais sutil e não menos perverso. A falta de gentileza é a falta do mínimo necessário, a falta de algo como ser "polite".
E com as mulheres há algo a ser estudado realmente, porque a falta de generosidade se expressa pela falta de sororidade, de empatia, por certa crueldade internalizada do patriarcado. O que aconteceu com Dilma, o que acontece hoje com Manuela, Marcia Tiburi são exemplos cognitivos a ser pesquisados.
É
tudo muito fluído, efêmero, volumoso e raso, paradoxal. Sou de uma geração de
transição. Vivemos o analógico. Sabemos da ampulheta e temos alguma ideia de
finitude, creio.
Logo tudo isso será passado. Mas o hoje já está chegando com esse (des)gosto de algo (mal) passado. E dá uma melancolia não encontrar neste equipamento tão interessante, algum tipo de fóssil bonito e necessário que abrigue a gentileza. Dá dó do presente.
Patrícia
Porto
mini-Biografia: Patricia
Porto
Graduada em Literaturas
Brasileira e Portuguesa, Doutora em Políticas Públicas e Educação, professora e
poeta, publicou a obra acadêmica "Narrativas Memorialísticas: Por uma Arte
Docente na Escolarização da Literatura” e os livros de poesia "Sobre
Pétalas e Preces" e "Diário de Viagem para Espantalhos e
Andarilhos". Participou, ainda, de coletâneas no Brasil e no exterior,
integra o coletivo Mulherio das Letras e é colaboradora do portal da ANF
(Agência de Notícias das Favelas).
Assessoria
Literária IN FINITA
Sem comentários:
Enviar um comentário
Toca a falar disso